Crianças em filmes de terror
Não é de hoje que o cinema explora a imagem de crianças para criar os filmes mais aterrorizantes já vistos. São obras amedrontadoras que não têm nada de infantis, fazendo grande sucesso mundo afora. Mas porque filmes de terror com crianças fascinam tanto o público?
Na literatura, os contos infantis originais dos irmãos Grimm, Charles Perrault e Hans Christian Andersen são histórias macabras com finais arrepiantes, diferentes das versões animadas da Disney. São histórias em grande parte envolvendo crianças em situações sinistras.
O cinema há algumas décadas percebeu que a figura ingênua das crianças podia gerar grandes produções que fariam o público torcer por elas, meigos seres humanos indefesos. Mas as crianças nos filmes de terror não estão apenas no papel da vítima, muitas delas representam o próprio mal.
O cinema de terror ficou mais assustador com:
a menina Rhoda que se mostra uma assassina fria em “A Tara Maldita” (1956); os meninos sinistros que dominam uma população em “A Aldeia dos Amaldiçoados” (1960); as crianças manipuladas por fantasmas em “Os Inocentes” (1961); O bebê maldito em “O Bebê de Rosemary” (1968); a menina Regan possuída por uma força maligna em “O Exorcista” (1973); o menino Damien que se revela o anticristo em “A Profecia” (1976); o garoto Danny assombrado por pessoas mortas em “O Iluminado” (1980); a menina Carol raptada por forças sobrenaturais em “Poltergeist – O Fenômeno” (1982); o pequeno Gage Creed que volta dos mortos em “O Cemitério Maldito” (1989); a estranha e perigosa menina Samara Morgan em “O Chamado” (2002); o garoto Cole que revela algo extraordinário em “O Sexto Sentido” (1999); as crianças de um orfanato escondendo um terrível segredo em “A Espinha do Diabo”; os irmãos assombrados em uma velha mansão em “Os Outros” (2001); os mistérios da menina Eli em “Deixa Ela Entrar” (2008); a menina Esther que se revela algo diferente do que aparenta em “A Orfã” (2009); os irmãos gêmeos intrigados com algo assustador em “Boa Noite, Mamãe” (2014). Há ainda dezenas de outros filmes de terror que exploram crianças em histórias de terror e suspense.
Mas as crianças muitas vezes aparecem também em cenas impactantes de filmes dramáticos. Em alguns exemplos temos o menino Florya que se vê atormentado pela guerra em “Vá e Veja” (1985); O garoto rico que vê de perto os horrores da guerra em “Império do Sol” a menina de casaco vermelho perdida em meio ao sofrimento em “A Lista de Schindler” (1993); o menino France que se descontrola em “Nó na Garganta” (1997).
Quatro admiradores de cinema expressam aqui suas opiniões sobre crianças em filmes de terror.
Monica Alpha, gerente de Materiais de Cinema:
Filme de Terror! Ai Jesus que medo! Ter criança no enredo…. Algo bem comum! Mas cada lançamento é um lançamento!
Eu acredito que a relação de filme de terror e crianças tem a ver com a inocência e a capacidade de obter mais empatia do público quando algo de ruim acontece com uma criança do que quando acontece com um adulto.
Nós quando pensamos no lançamento de um filme, no entanto, seja ele de terror ou de qualquer gênero, sempre o fazemos depois de assisti-lo.
O nosso processo é sempre o mesmo, assistimos ao filme, olhamos a expectativa da Matriz – com relação à bilheteria, o público que querem atingir (classe social, idade, etc.) e posicionamos o filme. Além disso, olhamos o Competitive – onde constam todos os filmes (com suas respectivas datas de lançamento) de todas as distribuidoras – para escolhermos a melhor data para o filme.
Quando olhamos um filme, esperamos por uma história coesa, sem furos no roteiro, bons efeitos especiais. Mas, principalmente, que tenha começo, meio e fim!
A programação de um filme de terror não recebe uma programação especial. Ele receberá a programação compatível com o tamanho do lançamento e a disponibilidade das salas – dos filmes que estão em cartaz e os que vão entrar junto na mesma data.
A parte promocional para o filme é que terá o direito (talvez o dever) de pirar nas promoções e ações.
Eu tenho medo de filme de terror, mas assisto todos que lançamos……
Paulo Telles: Radialista e blogueiro de cinema:
Particularmente, sempre considerei pesada para crianças algumas temáticas sobre filmes de horror, e envolve-las nas histórias chega a ser, no mínimo, estranho. Não muito aficionado pelo gênero, restando apenas umas poucas e boas obras ali e aqui para despontar, ainda assim lembro-me de poucos trabalhos onde crianças inocentes (e aquelas nem tanto assim) foram protagonistas. Os filmes pautados aqui não chegam a ser considerados por alguns críticos como gênero de terror, mas são de um suspense espectral, que envolvem horror e mistério.
Quem não se lembra do trabalho dirigido pelo ator Charles Laughton em 1955, O MENSAGEIRO DO DIABO (The Night of the Hunter), tendo Robert Mitchum um fanático religioso que apavora duas crianças para saber onde está o dinheiro que a mãe deles escondeu antes dela ser assassinada por ele. Este clássico em sua época não foi bem recepcionado em seu lançamento, mas anos depois foi revisitado por críticos que o consideram uma obra prima, onde Mitchum tem uma de suas melhores performances, e a fita ainda se torna mais valorosa com a presença da atriz Lilian Gish.
Um Horror/Sci-Fi que merece aqui uma reminiscência é A ALDEIA DOS AMALDIÇOADOS (Village of the Damned), de 1962 e dirigido por Wolf Rilla, estrelado por George Sanders, que vive um médico de uma pacata e pequena aldeia na Inglaterra, que acompanha o estranho caso de pessoas caírem em profundo e misterioso sono ao longo do dia, e as mulheres aparecem misteriosamente grávidas. Tempos depois, as crianças que nasceram motivadas por gravidez tão misteriosa, crescem e se desenvolvem de maneira assustadora, tendo o mesmo tipo de cabelo louro e olhos penetrantes, que se fixados para as pessoas, tem o poder de matar. O filme ganharia tempos depois um remake, em 1995, sob direção de John Carpenter, com Christopher Reeve e Kirstie Alley.
Como não destacar também o clássico OS INOCENTES (The Innocents), de 1961, direção de Jack Clayton e estrelada pela diva Deborah Kerr, que vive uma governanta em plena Inglaterra vitoriana contratada para criar duas crianças órfãs. Assim que ela se estabelece na casa e passa a assumir suas funções como governanta, Kerr percebe manifestações estranhas no comportamento dos órfãos. Logo ela descobre que os espíritos dos governantes antecessores da casa tomaram posse no corpo das crianças, e Kerr decide ajuda-las a enfrentar e exorcizar os espíritos.
Pode haver outros filmes de terror, ou bem próximos de um horror sugestivo que possam envolver crianças, mas até aqui, no meu entendimento, estes três clássicos são os que merecem toda a minha atenção.
Luci Avellaneda, professora de Língua Portuguesa:
O gênero terror tem seus adeptos e os seus desafetos.
Eu, particularmente, gosto de gênero por trabalhar o medo e o seu domínio a ele, como se dominar o medo trouxesse mais força e determinação para as adversidades da vida. Mas pensando em pessoas adultas. Não vejo problemas em crianças assistirem filmes de terror a partir de uma certa idade, pois muito novas acabam tendo muito pesadelo e medos diversos por conta das histórias.
Criança presente em filme como protagonista mostra uma ruptura com a visão pura e ingênua da infância, pois elas são vistas como os seres inocentes, um “anjinho”, aqueles que ainda não foram corrompidas pela sociedade e sem a maldade, pura e simples contra o outro, de sentir o prazer em ver o outro sofrer, de gostar do sofrimento alheio, principalmente do sofrimento adulto. Adulto este mais forte e maior do que o ser criança, frágil, fraco e menor em estatura.
Neste sentido, crianças que aparecem nos filmes são vistas como a criança má, como no filme “Anjo Malvado”, demoníaca, como em “O Bebe de Rosemary” ou a própria reencarnação do demônio com a marca 666, como o Demian de “A profecia”. Um paradoxo com o mundo real, ou do que é imposto pela sociedade como adequado e “normal” para a infância.
Muitos colegas professores não gostam de filmes de terror com a participação de crianças nem que as mesmas assistam por pensarem ser impróprio para os mais novos, dizendo que “não é nada legal, pois mexe com o psicológico infantil, pois a criança ainda não tem discernimento para tal, pelo conteúdo de violência e ser muito forte”.
Já os alunos, jovens – crianças e adolescentes – gostam muito desse gênero de filme. Pela sensação de medo que sentem, por gostarem de ver em grupo os filmes e terem mais um motivo para brincadeiras – zoações -, para competição do que aguenta mais ou sente menos medo que se torna então o líder e “bonzão” da turma. Pensam que os filmes são os mais legais, os mais interessantes.
Disseram também que a participação das crianças no filme sempre acaba tendo um significado, por conta de seus pais ou algum adulto que fez algo que à “mudou”.
O filme “O Chamado, foi falado como o mais interessante pela história que o filme conta e o medo que proporciona quando se assiste.
Lucas Fortes, estudante de Serviço Social:
Minha história com o cinema de horror não é das melhores. Na verdade, não é nada boa. Como uma pessoa que tem o hábito de consumir filmes, sempre evitei o gênero horror, principalmente aqueles que envolvem espíritos. Sou espírita, amo a doutrina, e por mais incrível que pareça, tenho MEDO de espíritos. Também não sou um super fã de gore, torturas e outras situações parecidas que também envolvem o terror.
Minha relação com o medo nunca foi das melhores. Sim, eu sou medroso. Não tenho medo de dizer isso. E é o medo que me afasta do cinema de terror/horror, eu simplesmente NÃO consigo relaxar para dormir ou estar em uma boa sintonia de pensamentos após um filme do gênero. Sim, há filmes excelentes, alguns que eu gosto firme, principalmente os clássicos. Um recente que acabou comigo, me destruiu por completo, mas como cinema, eu achei fantástico, foi o filme do James Wan, “Invocação do Mal” (2013). E olha o absurdo, o assisti às 2 da madrugada com uma ex-namorada na época. “Época”, o filme foi ontem.
Não sou contra a proibição de filmes fortes do gênero, mas possuo um leve conservadorismo moral, ainda mais quando se trata de crianças. Acredito que a infância deva ser cultivada da melhor forma possível, com o melhor de positividade produzida ao seu lado. Um filme de horror, deixa uma marca muito grande. A mesma marca que a cena da Linda Blair descendo a escada de forma invertida em “O Exorcista” (1973)” de William Friedkin.
Enfim, viva o cinema, viva a arte, só não vão dormir muito tarde…
Capa: Sara Regina, a Saracema