Trash Freak #11: Centopeia Humana, uma história que poderia ter saído da Deep Web
Ficha Técnica
Título: |
The Human Centipede (First Sequence) (Original) |
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Ano produção: |
2009 |
Dirigido por: |
Tom Six |
Duração: |
92 minutos |
Gênero: |
Suspense/Terror /Trash |
Países de Origem: |
Holanda |
O ano é 2003. Não existiam redes sociais para pessoas se xingarem por posições políticas. Um tempo inconcebível, para os nossos padrões atuais, em que não se assistia vídeo através do Youtube e a glória era entrar na rede, via conexão discada 28.000 Kbps, para conversar com alguém via mIRC. Parece que foi ontem, mas uma década depois, a gente percebe o quanto a internet evoluiu. A rede mundial de computadores é outra se comparada à de quem presenciou, como eu, a primeira massificação da ferramenta aqui no país.
Estava no primeiro ano do ensino médio quando pela primeira vez ouvi falar da Deep Web. Uma internet secreta. Um negócio muito estranho que rondava as conversas da tchurma…
– Como assim uma internet secreta?
– Ah brother, é um negócio maluco de hacker russo, meu irmão! Tem até site que entrega metralhadora na sua casa… Tem documento secreto do FBI… tem experiência bizarra de transplante de cabeça… Foto de alienígena da área 51…
Cada um dos meus amigos foi contando histórias e mais histórias, o que foi aguçando minha curiosidade. Era muito cômico, pois todo mundo já tinha experimentado essa a “net secreta”, mas ninguém sabia como proceder para entrar e navegar no seu conteúdo. Depois de um mês e um pouquinho quebrando a cabeça em tutoriais, consegui entrar num conteúdo da tal Deep Web…
Não vi nada demais… a tal da Deep Web não tinha nada em português e pouquíssimas figuras. Na minha rápida navegada, encontrei algumas imagens das “experiências”, mas sinceramente… eram tão duvidosas que nem me provocaram medo. O contato com a ‘‘rede secreta’’ foi daqueles casos clássicos que a diferença entre imaginação e realidade era enorme.
O Tempo foi passando. A internet se popularizando e, consequentemente, a Deep Web ganhou espaço no imaginário popular como uma espécie de bicho-papão virtual. Algo que ninguém conhecia ao certo, porém todos sabiam de seu perigo. Eu a deixei de lado e só fui reencontrá-la no último ano do curso de jornalismo. Num trabalho sobre Jornalismo de Resistência, acabei descobrindo que a Deep Web, entre outras utilidades, era um importante meio de comunicação para países onde a internet sofre alguma forma de censura.
Só a partir desse trabalho, pude descobrir que na verdade, o que chamam de Deep Web, são sites criptografados (geralmente fóruns) para que seu conteúdo não seja encontrado por buscadores tradicionais (Google, Yahoo e etc), nem decodificado por navegadores comuns (Internet Explorer, Firefox e afins). Essa privacidade de conteúdo dá pano para muita coisa, para bem e para o mal, e estabelece um cenário perfeito para proliferação de lendas urbanas e histórias estapafúrdias.
Um filme que lembra muito essas histórias malucas da Deep Web, que, de vez em quando, caem na internet é “Centopeia Humana – Primeira Sequência”, do diretor holandês Tom Six. Lançada em 2009, a obra deu origem a uma polêmica trilogia, que teve seu segundo filme censurado na Alemanha e Reino Unido.
Assim como ‘A Serbian Film – Terror Sem Limites’, Centopeia Humana – Primeira Sequência é daqueles filmes que provocam muito mais asco do que medo. Seu enredo aparentemente teria todos os elementos para ser mais um clichê… narra a história de um cientista maluco que faz experiências malucas. Um criador querendo dar vida a uma nova criatura, um clássico das histórias de terror desde que a escritora Mary Sheley eternizou Frankstein no século XIX.
Mas a partir do clichê, Tom Six desenvolve uma das histórias mais grotescas da história do cinema. Tudo começa quando duas belas turistas americanas, que estão se dirigindo para uma balada, têm o pneu do carro furado no meio de uma floresta na Alemanha. Como bem previsível, elas estão sem estepe e sem sinal de celular, então juntas decidem sair do carro e ir pela mata escura atrás de ajuda. (sim, você já viu essa cena pelo menos umas 500 vezes em filmes de terror na sua vida.)
Elas batem na porta de um desconhecido que tem uma casa isolada perto da floresta. Só que o misterioso personagem é o Doutor Heiter, um médico cirurgião especialista em separação de gêmeos siameses muito perturbado, que pretende criar um “experimento” unindo através do sistema digestivo três indivíduos diferentes, para criar assim a Centopeia Humana. O médico dopa as garotas e as prende no porão de sua casa, que na verdade é um laboratório secreto. Ao acordarem, as belas jovens se juntam a um outro turista de origem asiática, também preso pelo “Dr. Centopeia” para os procedimentos médicos do bizarro experimento.
Nesse primeiro filme da trilogia não há muito sangue, tampouco imagens realmente fortes, mas a ideia em si da produção é tão repugnante que causa um inegável desconforto. Todas as atuações são bem caricatas. Os efeitos especiais nem são tão convincentes, mas, mesmo assim, a história consegue prender atenção mesclando terror psicológico e algumas quebras legais no roteiro: quando você pensa que as coisas vão melhorar… elas pioram e muito.
O personagem principal, o Dr Heiter, nitidamente inspirado no famoso médico nazista Josef Mengele, garante alguns sustos e muita ojeriza. O final da história é impactante e distribui agonia, poderia muito bem ter saído da cabeça de um mestre do terror como Wes Craven ou George Romero. Associando um quê de sociopatia a uma história tensa, Centopeia Humana – Primeira Sequência talvez tenha sido a pioneira película a soar como os famosos ‘Contos da Cripta da Deep Web‘ e, por isso mesmo, vai ter sempre um adolescente ou até mesmo marmanjo afirmando que sua história é baseada em “fatos verídicos”.