Crítica: Ariel – Olhar de Cinema 2025
Ariel
Direção: Lois Patiño
Roteiro: Lois Patiño
Nacionalidade e Lançamento: Espanha, Portugal, 2025 (Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba)
Elenco: Agustina Muñoz, Irene Escolar, Hugo Torres, José Díaz, Marta Pazos.
Sinopse: Após uma bizarra viagem de barco, Augustina chega em uma estranha ilha nos Açores. Lá, todos interpretam (ou são?) personagens de Shakespeare. Augustina, que foi para a ilha participar de uma encenação de A Tempestade, percebe-se envolvida em uma adaptação do dramaturgo inglês na vida real.
.
Ariel: ilha habitada por personagens de Shakespeare é palco para filme que explora limites da encenação
Se a arte imortaliza o artista. Permitindo que alguém como Shakespeare esteja “vivo” e relevante mesmo quatrocentos anos depois. Para seus personagens. Se eles existissem. Se eles fossem pessoas que têm vidas e anseios humanos. Esta imortalidade os amaldiçoa.
É sobre isso e outras coisas que o cineasta galego Lois Patiño fala em Ariel. Adaptação indireta, informal, esquisita, desadaptada, de A tempestade. Última obra escrita pelo bardo. Em um filme que a personagem da deusa Ariel que move as águas, os ventos e as névoas, se encontra levada a uma ilha nos Açores por meio do corpo de uma atriz.
Desavisada. Chegando lá em busca de um teatrinho e de sua companhia e de sua equipe. Se deparando com um lugar habitado unica e exclusivamente por personagens. Que revivem suas vidas todos os dias. Encenando suas farsas e suas tragédias até que o sol se ponha e tudo recomece.
Atravessado por um processo de metalinguagem que vem muito natural em meio a isso, o filme encena. É sobre encenação. Enquanto acompanha uma personagem que, como nós, vê e tenta compreender de fora o absurdo daquilo. Cujo arco não passa necessariamente por escapar ou por resolver um quebra-cabeças mas por aceitar sua condição existencial.
A proposta intérprete de Ariel é, afinal, Agus. Personagem neste filme. De Agustina Muñoz. Assim como os outros. Incapazes de lutar contra o destino escrito diante deles. Contra o determinismo da história que se abre à sua frente como único caminho a seguir.
Como filme que é manifestado a partir da história da peça. Ariel começa, assim como A tempestade, convocando os personagens a ilha a partir de uma tempestade gerada por Próspero. O que o diretor Lois Patiño filma não necessariamente a partir de uma recriação de um evento climático, mas de uma miríade de sobreposições de cenas da balsa com a imposição de pedaços delirantes da natureza local.
Ondas e mais ondas e neblinas e nuvens e pedaços de céu. Que se empilham sobre o horizonte e sobre o barco. A partir de planos amplos ou de janelas. Como se a gente se aproximasse aos poucos daquilo. Sugados, assim como a protagonista, para esta história delirante e cíclica da encenação shakespeariana.
Neste ponto, aliás, o filme é como uma extrapolação à enésima potência da ideia do “Shakespeare no parque”. Com ou sem seus figurinos. Em palcos, calçadas, cavernas, bosques e portos. Em um filme que é um mosaico de pedaços de peças. De cenas específicas interpretadas e reinterpretadas ou apressadas. Que tem uma narrativa contínua mas nos captura nestes pontos isolados.
Brincando com este poder naturalmente hipnótico da encenação. Como se mostrando que às vezes uma boa cena é só dar espaço para a soma essencial entre bons intérpretes e um bom texto.
Em alguns momentos deste todo. No arco de percepção da protagonista. Certas coisas saltam aos olhos e aos ouvidos justamente neste ponto. O texto.
Não que fosse necessário que o roteiro de Patiño se equipare a Shakespeare, mas é sempre equisito em um filme que tem os grandes monólogos de coisas como Hamlet e Macbeth ouvir um “vamos lá pegar o livro dele” digno de trapalhões em certos momentos.
Hermético a partir dessa ideia textual e teatral, o longa deve servir mais camadas ainda a quem – diferente de mim – ama e conhece Shakespeare profundamente. Mas por outro lado não dá para não pensar em como ele, um poeta das massas, atinge seu máximo quando impacta incautos como eu a partir da sua transfiguração em um filme como este.
Mesmo a partir de uma obra que paradoxalmente o tempo todo nos tire do processo hipnótico de espectador ao se referir o tempo todo sobre os mecanismos ao redor desta arte da representação.
Nota: 3,5 /5
.
Texto escrito por:
Vincent Sesering