Decisão de deixar “Ainda Estou Aqui” fora do Grande Otelo é errada com o cinema brasileiro
(A Academia Brasileira de Cinema voltou atrás com a decisão após um pedido da produção do filme. Leia nota completa no fim do texto)
A Academia Brasileira de Cinema anunciou nesta terça-feira (22) uma decisão para seu próximo prêmio Grande Otelo (ou, como era chamado, Grande Prêmio do Cinema Brasileiro): “Ainda Estou Aqui” não poderá disputar em nenhuma categoria. O longa será homenageado pela repercussão internacional e Walter Salles e Fernanda Torres ganharão uma honraria. Mas, por isso, ele não poderá concorrer em nada.
Antes de tudo, é importante entender que sim, o filme chegaria na premiação como franco favorito a tudo que concorresse. E isso é inevitável compreender pela força que teve no mundo e pela vitória no Oscar de Melhor Filme Internacional.
Dito isso, é no mínimo ruim para a imagem do cinema brasileiro um filme nacional poder concorrer – e vencer – qualquer prêmio pelo mundo, mas não por aqui. A maior premiação do país em termos de cinema não terá seu filme de maior repercussão. É como se o Cesar (o “Oscar francês”) do ano passado não tivesse “Anatomia de uma Queda” concorrendo só por ter disputado o Oscar ou vencido Cannes.
A decisão, além disso, tem um fator ruim para os profissionais que trabalharam no projeto. Em uma indústria com tão poucos prêmios do tipo, ninguém a mais poderá ter a chance de concorrer e poder ganhar, como nos trabalhos de Fotografia com Adrian Teijido, ou no Design de Produção de Carlos Conti. Até mesmo o trabalho de Selton Mello como Ator Coadjuvante não poderá ser reconhecido, por exemplo.
É importante dizer que nem Walter e nem Fernanda ganharam o Grande Otelo alguma vez. O cineasta competiu apenas uma. A atriz em cinco ocasiões (sendo quatro como Atriz e uma como Atriz Coadjuvante) e a última em 2010. Ou seja, nem mesmo os dois grandes nomes do projeto terão a chance de competir pelo seu trabalho e ter um troféu que nunca tiveram.
E não me leve a mal, isso não é uma defesa específica de “Ainda Estou Aqui”. Gosto do filme, mas nem acho o melhor brasileiro do ano passado. Porém, é da possibilidade que um filme que tenha uma repercussão fora e dentro do país também possa ter sua oportunidade de ser alardeado por aqui. E não apenas com prêmios fora da competição, mas disputando e competindo.
Se há um medo por parte da Academia dos votos serem direcionados para o longa apenas pela sua repercussão, aí algo precisa ser observado. Porque, assim como o Oscar, os votantes são membros da indústria que, em tese, deveriam assistir aos filmes da própria indústria nacional.
É preciso deixar tudo às claras. E é preciso olhar o cinema brasileiro não como alguém que precisa ser cuidado, mas também como um adulto que vive por si só.
Deixar uma chance para disputa e homenagear junto esses personagens é justo. Até porque é como se conclusões precipitadas estivessem sendo tiradas. E se “Ainda Estou Aqui” não ganhasse? Bom, nunca iremos realmente saber.
Atualização (23/04):
A extraordinária trajetória do filme “Ainda Estou Aqui” fez com que, por unanimidade, a diretoria da Academia Brasileira de Cinema, com homologação de sua assembleia, decidisse oferecer o Prêmio Especial Grande Otelo 2025 ao filme, que seria recebido por Walter Salles e Fernanda Torres em nome de toda a sua equipe.
Para isso, apesar de inscrito, teríamos que retirá-lo da competição e alçá-lo à categoria “hors concours”. Recebemos hoje um pedido dos produtores do filme para que “Ainda Estou Aqui” participe da competição do prêmio deste ano.
Dessa forma, a Academia Brasileira de Cinema, como não poderia ser diferente, acata e respeita a decisão dos produtores, recolocando o filme em todas as categorias por eles inscritas e o retirando do Prêmio Especial 2025.