A primeira vez a gente nunca esquece: a minha primeira vez no cinema - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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A primeira vez a gente nunca esquece: a minha primeira vez no cinema

Todo mundo se lembra do primeiro beijo, da primeira queda, do primeiro amor. Mas e o primeiro filme visto no cinema? Esse também deixa cicatriz — daquelas boas, que brilham por dentro.

Qual o primeiro filme que você assistiu no cinema? Essa é clássica — pergunta obrigatória pra todo cinéfilo de plantão. Porque, convenhamos, foi ali que começou o nosso caso de amor com a Sétima Arte. A maioria de nós já tinha visto filme antes, claro. Eu mesmo, por exemplo, tenho uma lembrança bem antiga de querer assistir Indiana Jones e o Templo da Perdição na Globo. Sempre achei que era na Temperatura Máxima, mas fui descobrir depois que era na Tela Quente — pode conferir aqui, se duvidar. Isso foi lá em janeiro de 1989, e eu tinha só 4 anos. Ou seja, se eu já queria ver O Templo da Perdição, é bem provável que Os Caçadores da Arca Perdida já tivesse passado pelos meus olhos curiosos antes disso. E olha só como é a mente da gente: enquanto eu escrevia esse parágrafo, me veio outra lembrança escondida no fundo da gaveta da memória — o filme Spacehunter: Aventuras na Zona Proibida. Assisti no SBT, naquela gloriosa Sessão das Dez, junto com uma tia muito querida, que já faleceu, mas que teve um papel fundamental na minha formação cinéfila. Foi ela quem me apresentou esse mundo de naves, heróis improváveis e futuros distópicos que, pra mim, era pura mágica. Mas essa história eu deixo pra outro dia, porque ela merece seu próprio capítulo. O ponto é: minha primeira lembrança da vida tem a ver com filme. E minha primeira vez no cinema foi em 1989, quando eu tinha 5 anos de idade. E o mais maluco? Indiana Jones e até Spacehunter têm tudo a ver com essa estreia cinematográfica. Espera só que eu vou te contar direitinho como foi essa tal primeira vez no escurinho do cinema.

Eu morava no interior de Minas Gerais, numa cidade chamada Monte Santo de Minas — 435 km de Belo Horizonte, pra ser mais exato. Ou seja: cinema por ali? Só nos sonhos. Mas meus avós moravam em BH, e a cada 20, 30 dias a gente dava um pulo lá pra visitar. Outros tempos, outras rotinas. Numa dessas idas, provavelmente em maio ou junho de 1989, meus pais resolveram ir ao cinema assistir Indiana Jones e a Última Cruzada. Eu, curioso que só, queria entender o que era esse tal de cinema. Como era? O que acontecia lá dentro? Era um mistério completo. Eu nunca tinha nem ouvido falar disso. Foi aí que meu pai fez uma promessa que selou meu destino: “Da próxima vez que a gente vier na casa da sua avó, vamos levar você e sua irmã no cinema.” Pronto. Meu coração de moleque disparou. E assim, por vias indiretas, Indiana Jones acabou sendo o culpado pela minha primeira ida ao cinema. Mas não, infelizmente não fomos assistir Indiana Jones. Quem me dera! Meus pais escolheram algo mais “adequado” pra nossa idade — eu com 4 anos, minha irmã com 3. E no final da década de 80, o que bombava entre as crianças? Xuxa, Os Trapalhões e Trem da Alegria. Então por que não misturar tudo isso num filme só, com uma estética retrô-futurista-distópica que só os anos 80 sabiam fazer? E assim nasceu, pelo menos na minha cabeça, A Princesa Xuxa e os Trapalhões — o épico nacional que marcou minha estreia nas telonas. E é aí que entra Spacehunter, aquele outro filme que falei antes. Porque A Princesa Xuxa e os Trapalhões também se passa num planeta distante, desértico. Ambos os filmes têm um vilão bizarro — Ratan no filme brasileiro, e Overdog (ou, na dublagem nacional, “Cachorrão” — juro!), no Spacehunter. Ambos com aquele visual peculiar, um toque sci-fi, quase fetichista, meio que “sobrou tecido da escola de samba, vamos aproveitar”. Ahhh, os anos 80… onde tudo era possível — e geralmente cafona. Mas vamos voltar pra história da minha primeira vez no cinema, que a coisa ainda vai esquentar.

Pois bem, voltamos pra BH pra visitar meus avós — provavelmente em julho ou agosto de 1989. E, como prometido, meus pais finalmente nos levaram ao cinema. E quando eu digo “nos”, não era só eu não. Fomos em comboio: eu, minha irmã, e mais dois primos — um da idade dela e o outro uns quatro anos mais velho que eu. Meu pai sempre foi desses. Se era pra passear, levava a galera junto: amigos, primos, vizinhos, quem estivesse por perto. Passeio, pra ele, sempre foi evento coletivo. Tipo excursão emocional. O cinema escolhido foi o lendário Cine Acaiaca, que ficava dentro do Edifício Acaiaca, ali mesmo, na Avenida Afonso Pena, no centro de Belo Horizonte. Quem é mineiro ou belorizontino raiz sabe exatamente de onde tô falando — era um daqueles cinemas com cara de templo, onde a bilheteria parecia altar e as paredes tinham cheiro de história (e um pouco de mofo também, vai). E como eu já disse antes, o filme escolhido pra esse momento épico foi A Princesa Xuxa e os Trapalhões. Nada de Indiana Jones. Nada de espaço sideral ou arqueologia misteriosa. Mas, de certa forma… até que teve um pouco disso tudo. À la Xuxa, claro.

O filme se passava no planeta Antar, governado com mão de ferro (e uma maquiagem duvidosa) pelo diabólico Ratan, vivido pelo veterano Paulo Reis. Depois da morte do imperador, Ratan toma o poder e transforma tudo num caos distópico à brasileira — com direito a crianças em trabalho escravo, inclusive os próprios integrantes do Trem da Alegria: Juninho Bill, Amanda e Rubinho. Era uma distopia pop infantil com trilha sonora chiclete e estética de papel machê. Enquanto isso, no alto do castelo, a Princesa Xaron (Xuxa Meneghel, plena e reluzente como sempre) vive isolada do sofrimento do povo, acreditando que todo mundo vive feliz e contente como num clipe do Xou da Xuxa. Do lado de fora, surge a resistência: os príncipes Mussaim (Mussum), Zacaling (Zacarias) e Dedeon (Dedé Santana) se juntam ao misterioso Cavaleiro Sem Nome (Renato Aragão), formando uma espécie de Liga da Justiça de Avental e Chinelo pra derrubar o tirano e libertar a molecada.  Dirigido por José Alvarenga Jr. — que já tinha trabalhado com Os Trapalhões no ano anterior e que, anos depois, dirigiria Os Normais – O FilmeA Princesa Xuxa e os Trapalhões foi um estouro. Lançado no dia 22 de junho de 1989, bem no comecinho das férias escolares, o filme levou, segundo dados da época, 4.310.085 espectadores às salas de cinema. Uma façanha! Aliás, nos anos 80 e começo dos 90, Os Trapalhões eram praticamente os únicos com cacife pra bater de frente com os blockbusters americanos. Quer ter uma noção? Mesmo com mais de 4,3 milhões de ingressos vendidos, esse filme nem entrou no Top 10 das bilheterias dos Trapalhões. Surreal não é mesmo?! E sejamos justos: os filmes da Xuxa e dos Trapalhões merecem um capítulo à parte na história do cinema nacional. Foram fenômenos. Populares, sim. Ingênuos, talvez. Mas absolutamente marcantes pra toda uma geração.

Mas sucesso de bilheteria nunca foi sinônimo de aplauso da crítica, né? E com A Princesa Xuxa e os Trapalhões não foi diferente. A Folha de S. Paulo não teve dó e cravou:

“A história é simples e repete pela milésima vez a luta entre o bem e o mal.”

E ainda mandaram essa:

“Os cenários e os figurinos são uma imitação explícita dos filmes da série Mad Max: os veículos que parecem emergir do ferro-velho, paisagens desérticas e roupas esfarrapadas.”

Dois anos depois, em 1991, o filme entrou no Guia Vídeo Infantil da coleção Guias Práticos Nova Cultural. Ganhou duas estrelas de cinco e um comentário que parecia escrito por um tio resmungão:

“Filme pouco inspirado dos Trapalhões, a despeito do clima de aventura intergaláctica. A repetida fórmula que reúne ídolos infantis da TV e do disco, aqui representados por Xuxa e pelo grupo Trem da Alegria, deve continuar atraindo, entretanto, as crianças menores.”

Mas o tempo, esse editor implacável de memórias, às vezes é gentil. Em 2016 — 27 anos depois do lançamento — o Matheus Bonez, do site Papo de Cinema, viu o filme com olhos mais brandos e escreveu:

“A produção pode não ser um primor, beirar à ingenuidade e amontoar um clichê em cima do outro, mas não tem por que ser negativo em relação a isso. Mesmo as ‘atuações’ do elenco, em geral, não comprometem a diversão mais do que garantida. (…) Uma legítima Sessão da Tarde sem compromisso.”

E, olha… eu mesmo não consigo dar uma opinião definitiva. Revi o filme algumas vezes quando era criança, talvez até na adolescência. Mas faz anos que não assisto. E vou te falar: tenho um certo receio de rever. Medo mesmo. Medo de estragar a memória daquele dia, da mágica daquela primeira vez. Porque, convenhamos, tem coisa que é melhor ficar guardada do jeito que o coração lembra. E não como a lente crítica de adulto insiste em enxergar.

Afinal, as lembranças que eu tenho daquele dia… Tenho que admitir: não me lembro de quase nada do filme em si. Dizem por aí que eu tenho boa memória — mas daquele dia, o que menos ficou foi o que passava na tela. O que ficou foram os detalhes ao redor. Lembro que antes do filme começaram uns curtas, um deles parecia um desenho antigo do Superman, daqueles dos anos 40, e outro era uma animação de um menino numa cadeira de rodas. Pode ser que fossem propagandas, sei lá… mas essas imagens ficaram cravadas na minha memória. Lembro da chegada ao cinema. Um dia chuvoso. A fila de carros na frente do Cine Acaiaca. O cheiro da pipoca no ar, aquele cheirinho amanteigado que parecia abraço de vó. E então a sala… Aquele salão enorme, escuro, com centenas de cadeiras. O Cine Acaiaca comportava 900 pessoas, cara. Imagina um moleque de 4 anos entrando num lugar desses? Lembro de sentar e esperar. E aí… a mágica: quando as luzes se apagaram, foi uma mistura de medo e fascínio. Eu sempre tive medo do escuro, então no começo quase chorei — mas aí a tela acendeu. Imensa. Viva. E aquele som alto me pegou de jeito. Me incomodou um pouco, confesso, mas logo fui sugado por aquela experiência. E ali, naquela noite chuvosa de julho ou agosto de 89, minha vida mudou. Foi ali que tudo começou. Quando o filme acabou… eu não queria ir embora. Eu queria morar ali. Ficar. Como se fosse possível morar dentro de um cinema! Mas criança é assim, né? Intensidade pura. E como se o universo tivesse ouvido minha prece, a chuva atrasou nossa saída. Tivemos que esperar ali dentro enquanto meu pai pegava o carro. Foi quando, num golpe de sorte divina, começaram a reprisar os curtas — o tal “Superman” e a animação do menino cadeirante. Eu quase consegui viver tudo de novo. Quase. Antes que o filme recomeçasse… meu pai chegou. E assim, a magia se dissolveu. Voltei pro mundo real. Só fui ao cinema de novo cinco anos depois, em 1994, pra assistir O Rei Leão. Um baita clássico, a primeira vez de muita gente da geração millennial. Mas… já não foi a mesma coisa. Foi num cinema de shopping. E cinema de shopping, convenhamos, carece daquele feitiço dos cinemas de rua. Daquele encanto meio antigo, meio sagrado. Daquele dia chuvoso de 1989, o que ficou foram só as lembranças — e uma paixão eterna pelo que a tela grande pode fazer com a gente.

Mas a verdade é que aquele dia deixou uma marca profunda na minha vida. Primeiro, porque foi quando o cinema se apresentou pra mim — e, mais que isso, me escolheu. Também foi ali que começou a se formar meu gosto cinematográfico. Não, eu não sou um fã incondicional dos filmes da Xuxa nem dos Trapalhões, apesar de Lua de Cristal ter sido o primeiro VHS que aluguei na vida, e de ter assistido quase toda a filmografia dos Trapalhões nas tardes da TV aberta. Mas foi graças àquela primeira experiência que eu me tornei um apaixonado por Sci-Fi, principalmente por histórias de viagens intergalácticas e, claro, por distopias — quanto mais deserto e apocalipse, melhor. Mas o principal mesmo… foi que aquele dia me ensinou que ir ao cinema não é um simples passatempo. É um rito. É desconectar do mundo, dos problemas, da rotina. É se entregar. E, por mais fraco que o filme pareça, por mais bobo que a história soe, sempre — sempre — alguma coisa fica com você. Alguma coisinha gruda e passa a fazer parte de quem você é. E às vezes, muda até o seu caráter, o seu jeito de ver a vida. Esse é o poder do cinema: te levar pra terras longínquas, te arrancar da realidade, te fazer revisitar o passado, vislumbrar o futuro e, acima de tudo, moldar quem você é. E olha que eu fui ver um filme da Xuxa com os Trapalhões! Imagina se tivesse sido um clássico absoluto do cinema? Ou seja — nunca, nunca mesmo, subestime o poder dos filmes mais simples da sua vida. Eles podem parecer bobos… mas são eles que te constroem por dentro.

Mas, como tudo na vida, aquele dia também chegou ao fim. E o Cine Acaiaca, assim como quase todos os cinemas de rua do país, também teve seu último ato. O edifício ainda tá lá, firme, resistindo ao tempo no coração de Belo Horizonte. Mas o cinema? Virou igreja evangélica — a Igreja Internacional da Graça de Deus. Um palco bem diferente, com um público e uma programação que não tem nada a ver com aquelas tardes de fantasia e escapismo. O que ficou foi a nostalgia. As lembranças bem guardadas nesses cantinhos apertados da nossa memória, que a gente visita quando mais precisa de colo. E você, caro leitor? Como foi a sua primeira vez no cinema? Qual foi o cheiro, o som, a sensação? Que filme passou? Te convido a acessar esse lugarzinho aí dentro, a abrir essa portinha da infância ou da juventude e contar pra gente como foi esse momento que, com certeza, teve algo de mágico. E se por acaso seu amor pelo cinema andou adormecido, quase sumindo… visita esse lugar de novo. Te prometo: esse amor reaparece. O fogo reacende. A chama volta a arder — às vezes mais forte do que nunca. Falo isso por experiência própria. Mas isso… isso já é papo pra uma próxima sessão. Até lá.

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