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Crítica: Capitão América – Admirável Mundo Novo

Capitão América: Admirável Mundo Novo – Ficha técnica:
Direção: Julius Onah
Roteiro: Rob Edwards, Malcolm Spellman, Delan Musson, Julius Onah, Peter Glanz
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2025
Sinopse: Sam Wilson, o antigo Falcão e o novo Capitão América, tem que lidar com a nova identidade e com uma conspiração envolvendo o passado do novo presidente dos Estados Unidos: Thaddeus “Thunderbolt” Ross.
Elenco: Anthony Mackie, Harrison Ford, Tim Blake Nelson, Danny Ramirez, Shira Hass, Carl Lumbly, Xosha Roquemore, Giancarlo Esposito, Liv Tyler.

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O que é a tal “fórmula Marvel” e por que ela tem que morrer para que o cinema blockbuster viva? A cada filme novo da Marvel que chega aos cinemas é nítido que só dá pra chamar essas obras de “cinema” porque elas são exibidas em tela grande em narrativas que duram 2 horas ou por aí. Porque de “cinema”, de “linguagem cinematográfica”, de “narrativa cinematográfica”, não existe mais nada nelas. São episódios estendidos ou temporadas resumidas de séries ruins pro Disney+ onde diretores, roteiristas e toda a equipe técnica são meros fantoches e robôs pras vontades do Kevin Feige e de executivos que não estão interessados em criatividade, em capricho, em explorar as possibilidades do cinema com esses personagens, com essas histórias ou em fazer qualquer coisa com identidade própria ou um viés pessoal e sim estão interessados em filmes cada vez mais mecanizados, protocolares, pasteurizados e insípidos de qualquer personalidade já que são feitos sob ordens e obrigações de diversas pessoas que eu sua maioria não são artistas e não tem interesses artísticos.

Se nos anos 2000 – com todos os filmes medíocres ou ruins desse gênero que tiveram naquele época – era promissor ver cineastas explorando cinematograficamente o mundo dos super-heróis e dando um olhar específico para diferentes abordagens dentro deles, hoje vivemos um momento totalmente oposto. Esse cinema que ocupa salas de maneira predatória e é enfiado pela goela massivamente se encontra num lugar cada vez mais medíocre, cada vez mais preguiçoso e cada vez mais feito sob diretrizes de um comitê que pensa só mercadologicamente e não artisticamente. E eu não sou nenhum ingênuo que acha que um blockbuster não deveria pensar mercadologicamente, mas os bons e grandes blockbusters estão aí pra provar que as duas coisas podem ser, sim, equilibradas. Eu não quero que a Marvel morra. Jamais. Eu quero que ela faça bons filmes e quero que essa filosofia nefasta que faz com que ela faça esses filmes desprezíveis, aí sim, morra, para o bem do cinema de blockbuster e do cinema como um todo.

Os filmes da Marvel Studios já disfarçaram por muito tempo o aspecto genérico, formulaico, simplório, esquemático e protocolar dos seus filmes com o fator “novidade” de um universo compartilhado construído filme a filme num novelo de folhetim, com catarses entregues na bandeja e com boas exceções aqui e ali de alguns poucos cineastas que conseguiam colocar alguma voz que enfiava um “tempero” nesse formato engessado, ou então alguns outros poucos cineastas que conseguiam lidar de modo mais engenhoso e fluido com esse modelo, ou até outros poucos cineastas que se encaixam bem como executores das vontades do Kevin Feige, somado às suas próprias limitações com as próprias limitações desse modelo para emular de modo adequado um caminho minimamente interessante para esses filmes que sempre foram mais “operações mercadológicas” feitas por comitê do que filmes. Esse tempo parece estar morto. O modelo se radicalizou e, se for abandonado ou flexibilizado, os poderosos perdem a sua sensação de controle absoluto, e eles não querem. O fim do fator “novidade” com o fim de uma saga mostrou como essa fórmula tão robótica e regrada vira rapidamente uma caricatura de si mesma.

A solução é investir no passado: o patético Deadpool & Wolverine resumido a fanservices, crossovers e não apresentando nada mais do que isso, o trailer de Quarteto Fantástico apelando para uma estética de retrofuturismo, personagens fiéis a caracterização dos quadrinhos de Jack Kirby e atores do momento mas com a mesma encenação neutralizada e apatia do cinema do MCU sem um pingo de imaginação nesse aspecto fazendo com que pareça que essa “diferenciação estilística” desses outros filmes é só uma mera embalagem, ou então o trailer de Thunderbolts, uma emulação de Guardiões da Galáxia e Esquadrão Suicida com o visual mais feio possível. Todos esses projetos, ou como eles estão sendo apresentados até agora – e torço muito para estar errado e gostar de Quarteto Fantástico e Thunderbolts quando assisti-los – gritam algo esquemático, genérico e impessoal. Tudo que é o contrário de boa arte e o gênero de super-herói já nos provou muitas vezes que existe espaço para boa arte neles no audiovisual, mesmo que grande parte do público e dos executivos se contentem com esse tipo de lixo que entopem massivamente os cinemas e as salas de cinema nivelando pra baixo o padrão, a exigência e a imagem desse tipo de filme. “Capitão América: Admirável Mundo Novo” é mais um filme preso apenas no passado e numa tentativa de reprodução do passado que é só superficial, e uma caricatura de si próprio: o tom do Soldado Invernal sem a mesma execução e desenvolvimento mais minimamente perspicaz e adequado dele tentando emular clássicos ao estilo Sob O Domínio do Mal (1962 e 2004) e ficando apenas no raso disso, as tramas repetitivas de Guerra Civil ou outros “filmes sérios” do MCU com um vilão que manipula dois lados para eles entrarem um conflito e os retornos de O Incrível Hulk, um medíocre filme de 2008 com que ninguém se importa, pro cenário principal para artificialmente e de modo forçado amarrar pontas que ninguém pediu para serem amarradas e sem nada a oferecer com isso.

Temos então um filme de direção travada e sem personalidade nenhuma onde os únicos momentos que o Julius Onah – seguindo possivelmente as diretrizes autoritárias da Marvel/Disney – sai da mesmice são coisas muito básicas como travellings de movimentos da câmera em carrinho passando rapidamente pelos personagens ou planos zenitais observando os personagens por cima do teto pra baixo, que acontecem pouquíssimo e de modo muito espaçado durante o filme. É tudo tão padrão e feito sem nenhuma energia ou especificação pro detalhe que momentos cruciais como a prisão do Líder (Tim Blake Nelson) são decupados e filmados com absoluta indiferença com essa apatia cinematográfica simplória típica do MCU. Pra piorar tudo, a montagem bagunçada deixa absolutamente evidente do começo ao fim, de modo óbvio, as cenas filmadas originalmente e as cenas de refilmagens extras, especificando uma diferença absurda entre elas em cada corte, já que visualmente elas destoam em questão de lente, iluminação, tratamento de cor, etc. A ação terrena é aquela coisa genérica pensada por uma equipe que obviamente pra mim não é a de Onah, o que é costumeiro no funcionamento desses filmes: tudo é minimamente eficiente do ponto de vista de coreografia, mas sem personalidade, sem uma particularidade de ação, de olhar e a serviço de uma decupagem confusa e uma montagem perdida em como registra a movimentação disso. As batalhas nos céus são as melhores mas sofrem desse mal: não existe um olhar.

Ainda mais vergonhoso que isso tudo são todos os diálogos completamente telegrafados onde nenhum personagem é capaz de ter uma conversa normal no MCU que não seja uma explicação, uma exposição, informações repetidas várias vezes e marcações de frases de efeito ou tiradas também esquemáticas a todo momento sem pausa. Tudo é dito em texto do jeito mais literalmente jogado possível e os personagens não têm tempo nenhum para terem os seus dramas minimamente sentidos ou debruçados. E a escrita do roteiro é algo tão idiotizada – com uma pose sisuda que não sai da pose para se tornar efetivamente algo, o que torna tudo ainda mais ridículo – que ele dá espaço para se perceber diversas questões narrativas constrangedoras como a conveniência de Sam Wilson (Anthony Mackie) e Ross (Harrison Ford) na sua batalha final acabarem parando subitamente no mesmo espaço (fotografado do jeito mais feio e chapado, como é também típico desses filmes) que ele descrevia pra filha em algumas cenas atrás, culminando num clímax manjado e preguiçoso, o vilão central deixar papéis cruciais na mesa do seu esconderijo, o vilão anunciando seus poderes e os usando de modo completamente irrelevante, o Giancarlo Esposito (péssimo num personagem terrível inserido em refilmagens) sendo descartado convenientemente e depois aparecendo sem nenhum peso só para trazer uma resolução da cartola. 

Todos os personagens – com a exclusão de um único apenas – não tem carisma, não tem presença, são portas, são indiferentes, parecem sub protótipos de outras figuras e são vítimas de um texto horrível e personagens que não agem organicamente como seres humanos e sim como peças de roteiro. Cada fala que sai da boca de Shira Hass é tão empostada, tão evidentemente calculada e tão ruim que a total falta de fisicalidade dela em cena só se torna anda pior em erros evidentes de escalação de elenco e roteiro. Tudo isso ser levado pra esse lado mais sério e sisudo que novamente é só derivativo e superficial demonstra ainda mais a artificialidade quando vemos questões de incompetência técnica evidente no filme como os efeitos especiais primários ou um dinheiro na produção que não está visível no filme em caracterizações de maquiagem e efeitos. O que fazem com o visual do Tim Blake Nelson é espantoso de tão preguiçoso e desleixado. Essa falta de organicidade e essa preguiça, seja narrativa ou visual, faz com que ele passe totalmente longe da firmeza de filmes como Jogos Patrióticos, Perigo Real e Imediato, Maré Vermelha ou Força Área Um, exercícios de tensão, ação e energia que esse longa-metragem desconhece. O thriller político, para piorar tudo, é totalmente esvaziado, bobo e sem comprometimento real com nada, procurando o caminho mais neutro e distanciado possível na sua covardia e medo de desagradar: os dois lados tem que ter razão, o inimigo ou conflito não pode com qualquer país ou figura com qualquer ligação com a realidade, o presidente não pode ser visto de maneira negativa, todos os lados têm razão e todos têm que se unir mesmo que não faça sentido nenhum a súbita mudança de personalidade de Ross, como ele está nesse filme, como o filme trata o passado dele, essa mudança não seja tratada pelo filme (apenas dita de modo didático) e o potencial do seu personagem seja desperdiçado em algo absolutamente morno.

Num filme em que parece que os atores não têm nenhuma direção, não é feita nenhuma construção interessante de personagem ou desenvolvimento de nenhuma figura (as tentativas disso são meramente textuais ou repetições pontuais de tramas de séries de streaming), por incrível que pareça e mesmo que incoerente, é Ross o único que pelo menos é observado pelo filme com alguma atenção e com uma tentativa de ser tratado como um ser humano completo e com conflitos palpáveis, algo que também acaba ficando na superfície e ficando no meio do caminho pela incompetência do filme. A única coisa boa do filme mesmo acaba sendo Harrison Ford. Um ator carismático e de postura cênica dura que com o peso da idade conseguiu enfatizar ainda mais essa dureza mas suas emoções latentes. Triste que o filme que ele está seja um Frankenstein tão grande com diversas reescritas de roteiro e refilmagens e mudanças de cortes. Pena ele estar oferecendo esse brilho do seu estado atual como ator em tantos filmes ruins recentes. Assim como é triste ver a principal referência de sucesso comercial, de influência de massa no cinema hoje em dia para a produção de outros blockbusters e de poder no mercado para tomar salas apresenta filme após filme o que o cinema tem de pior e de mais asqueroso. Qualquer pessoa que ama cinema e que ama filmes de super-heróis deveria ficar triste com isso. Merecemos coisas melhores e não isso. E isso não vai passar chamando cinicamente e desesperadamente os Irmãos Russo, os roteiristas dos Vingadores deles, Robert Downey Jr. e quem for pra atrair o público com nostalgia barata e fazer com que eles se transformem de vez em caricaturas decadentes de si mesmos tentando emular um modelo que já não funciona mais sendo os fantoches da vez. Isso tudo só vai mudar e melhorar de vez se a filosofia de pasteurização por trás da Marvel Studios mudar e finalmente morrer. Torço pra esse dia. Torço muito para gostar e amar algum filme do MCU. Mas para isso eles têm que ser filmes, e não episódios ruins de uma série gigante ruim do Disney+.

Nota: 1/5

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