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Crítica: O Conde

O Conde
Direção: Pablo Larraín
Roteiro: Guillermo Calderón, Pablo Larraín
Elenco: Jaime Vadell, Gloria Münchmeyer, Alfredo Castro, Paula Luchsinger, Stella Gonet, Catalina Guerra, Amparo Noguera, Antonia Zegers.
Sinopse: A história centra-se em Augusto Pinochet, que não está morto, mas é um vampiro envelhecido. Após viver 250 anos neste mundo, ele decidiu morrer de uma vez por todas.

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Uma das mais fortes tendências do cinema contemporâneo mora na sua vontade ensandecida de ser visto enquanto uma ferramenta de transformação social, pautando-se mais na sua dita importância política do que na sua forma enquanto fator complementar ao seu conteúdo. Confia-se que o filme será assimilado e melhor recebido mais pela sua suposta importância, diante dos temas que “desafia” abordar, do que de fato pela forma como decide abordá-los. Eis uma grande síndrome da atualidade da qual poucos são os diretores que conseguem contornar com maestria.

O Conde, do diretor chileno Pablo Larraín, parece sofrer desta patologia, sem conseguir contornar: depois de duas cinebiografias de sucesso, Jackie e Spencer, o diretor decide transformar sua abordagem de forma radical ao corroteirizar uma história vampiresca sobre o ditador chileno Augusto Pinochet. Abrindo margem para uma abordagem fantasiosa e satírica da figura de um cruel e corrupto assassino, Larraín se agarra às inúmeras possibilidades que poderiam surgir a partir dessa história e, de forma frustrante, escolhe pela menos imaginativa forma de fazê-la atingir seu potencial, optando pela verborragia logo nos primeiros minutos.

Talvez pelo receio de ser futuramente mal interpretado, o filme deixa claro logo no início que o vampirismo ali se trata de uma alegoria bastante simplória para a exploração do povo chileno e pelos males deixados por Pinochet no país, com todas as suas marcas de violência e degradação estampadas no assassinato de pessoas comuns que têm, ao longo do filme, seus corações arrancados por um protagonista o qual admite achar o sangue latino-americano inferior ao sangue dos europeus – embora não aceite que o povo explorado não o perceba como um grande herói.

O que poderia ser uma ideia interessante para desenvolver-se nos pequenos detalhes, enquanto um subtexto ao longo da trama, se torna um dos seus aspectos mais descarados e frustrantes, e o que vem depois disso não é nada animador. Larraín decide adicionar uma briga por herança no meio dessa história já um tanto decepcionante e o que surge a partir de então é uma bagunça desorganizada e sem carisma, cujos personagens não são nem bons o suficiente para trazer o carisma que falta ao filme e nem ruins o suficiente para causar uma comicidade genuína.

A personagem da freira que aparece com maior importância como aquela que irá desvendar os segredos mais “sujos” da família Pinochet protagoniza uma sequência que possui uma das maiores aulas do que não se deve fazer no Cinema. As entrevistas com os filhos do ditador apenas vomitam informações sobre os escândalos que envolveram a família sem o menor contexto, deixando o espectador sem vontade de se envolver naquele interrogatório e no suposto humor que deveria vir da ironia da situação. A câmera que se move no mesmo eixo, perto do rosto dos atores, é monótona e dicotômica, influenciando ainda mais nessa sensação de tédio absoluto – mesmo quando a emoção a qual se pretendia ser passada, imagino, não poderia ser mais diferente.

Diante de uma série de tentativas frustradas de se tecer um comentário social que fosse satírico e, portanto, ácido na medida certa, El Conde acaba por não conseguir desenvolver-se suficiente em nada: não é político suficiente para se sustentar em sua pauta, não é cômico suficiente pois se agarra ao cinismo e não é terror suficiente porque não abraça a excentricidade com convicção. Sua fotografia, ainda, não ajuda. A escolha pelo preto e branco, para começar, promove uma esterilização do filme que eu particularmente não via desde um precedente bem particular da Netflix: Mank de David Fincher. Ambos confundem a ausência de cor com o sinônimo de um estilo, uma identidade, e acabam se tornando pouco imaginativos ao se confiarem neste como seu único elemento de diferenciação.

O resultado é só um: não há a menor emoção, pois não existe uma escolha por uma identidade própria e uníssona. O que o filme acaba se tornando, no final das contas, é um grande amontoado de críticas e de algumas poucas, porém belas imagens que nada conseguem transmitir, pois cansam o espectador lentamente, nadando em vão e não chegando a lugar algum. Por razões diferentes, O Conde e Jojo Rabbit, por exemplo, falham em ironizar a imagem de um ditador no cinema contemporâneo.

Enquanto o filme de Taika Waititi irá pecar por não saber traçar limites entre a sátira e o humor bobo, que algumas vezes acaba pintando Hitler como uma figura burra e até mesmo inofensiva, O Conde peca por não saber onde carregar no exagero, em que momento parar de desenvolver certas subtramas irrelevantes e desinteressantes para a história principal e, principalmente, por não saber como encerrar tudo isso. Embora nos surpreenda no terceiro ato, os minutos finais não poderiam ser mais frustrantes. O discurso feminino me pareceu dissonante demais com a retratação que o filme fez da mulher de Pinochet, tida como uma vilã tão ou mais cruel que seu marido, que deveria desde o princípio ser o principal vilão de sua própria história.

Por fim, é sempre uma decepção à parte esperar um filme minimamente satisfatório de um cineasta reconhecidamente promissor e frustrar-se com algo que embora tivesse potencial para ser imaginativo e marcante, torna-se vazio. A confiança de que a mensagem social e política de sua alegoria já seria o suficiente, sintomas da síndrome que citei no início, tornou O Conde um dos mais maçantes filmes de 2023. Do segundo ato em diante, Larraín até se esforça, mas tudo que vem parece apenas uma desculpa para preencher tempo de tela. Admiro a coragem de trazer uma história diferente, mas de nada adianta quando o que sobra é a inabilidade de desenvolvê-la.

  • Nota
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