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Eu Cinéfilo #79: A Verdadeira Dor

“A Verdadeira Dor” caminha em uma corda bamba delicada: entre o riso e o lamento, entre o peso da história e a leveza das relações humanas. Jesse Eisenberg, tanto na direção quanto em sua performance, constrói um mosaico de dores individuais que tenta se alinhar à vastidão do sofrimento coletivo – um exercício arriscado e, por vezes, inconclusivo.

A Verdadeira Dor parece nos lembrar que o sofrimento humano é, em si, um legado – algo que herdamos sem pedir, mas que nos molda de formas profundas. O filme desenha o peso invisível dessa herança nos passos de David e Benji, personagens que, de formas opostas, se veem assombrados por histórias que não viveram, mas que carregam nos ombros.

A trama, que acompanha dois primos em uma viagem à Polônia para homenagear sua avó sobrevivente do Holocausto, carrega em si a carga de uma pergunta que ecoa ao longo do filme: como medir nossas pequenas tragédias frente às calamidades da história? David (Eisenberg) e Benji (Kieran Culkin) encarnam, cada um à sua maneira, esse embate. David, com sua ansiedade cronometrada e o controle como escudo, tenta organizar o caos interno. Benji, por outro lado, é pura desordem – um adulto que nunca largou a impulsividade infantil. Ainda assim, ambos os personagens parecem mais rascunhos de ideias do que seres humanos plenos.

Há algo de profundamente irônico – e tristemente verdadeiro – na maneira como eles tentam lidar com isso. David busca ordem, Benji, por sua vez, abraça o caos. Os dois são faces de uma mesma moeda: o impulso humano de transformar o sofrimento em algo compreensível, mas sem nunca conseguir realmente abraçá-lo.

Eisenberg nos convida a observar o desconforto como um espelho. A ansiedade de David, a intensidade de Benji, os dilemas das outras figuras que cruzam o caminho – tudo nos provoca a questionar como enfrentamos nossa própria relação com o passado e a dor. Rimos, talvez, porque é mais fácil rir do que encarar. Mas, como o filme nos lembra, não há como escapar por completo.

O roteiro flerta com profundidade, mas recua antes de mergulhar. Entre sarcasmos e epifanias, há um ciclo ensaiado: uma piada corta o peso do momento, um gesto desajeitado esconde a gravidade de uma dor. Em alguns momentos, isso soa verdadeiro; em outros, como uma forma de evitar o desconforto.

A fotografia, no entanto, é um alívio visual. As paisagens polonesas – com seus campos vastos e marcas do passado – traduzem um espaço impregnado de memória, mas também indiferente àqueles que tentam compreendê-la. O filme captura bem a sensação de estar em uma terra onde o tempo e o trauma convivem, mesmo que em silêncio.

A Verdadeira Dor não entrega respostas e talvez nem queira fazê-lo. É um filme sobre estar perdido – entre o riso e a lágrima, entre o que é individual e o que é coletivo. Nem sempre funciona, mas, como a própria dor, ele é feito de fragmentos. Alguns ressoam, outros apenas passam. O que resta é humano: tentar encontrar sentido mesmo onde ele parece faltar.

No fim, deixa a sensação de que tentar fazer sentido do sofrimento é um esforço humano, mas não uma necessidade histórica. O passado não precisa que o compreendamos; ele apenas existe, uma sombra projetada sobre nossas escolhas e vidas. Talvez a única resposta seja exatamente a que o filme oferece: seguir, tropeçando entre o peso e o riso, porque o que mais podemos fazer?

Texto escrito por: Sérgio Zansk

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