Crítica: Quo Vadis, Aida?
Ficha técnica – Quo Vadis, Aida?
Direção: Jasmila Žbanić
Roteiro: Jasmila Žbanić
Nacionalidade e Lançamento: Alemanha, Áustria, Bósnia-Herzegovina, 2020
Sinopse: Quando a guerra toma conta da Bósnia, uma professora que trabalha como tradutora para a ONU, vê sua cidade ser invadida pelo exército inimigo, e agora ela precisa lutar para salvar a própria família.
Em Quo Vadis, Aida?, Jasmila Žbanić cria um retrato cruel e poderoso de uma das maiores falhas políticas do século XX: a incapacidade da ONU de proteger as vidas que jurou salvaguardar. A história se passa durante o Massacre de Srebrenica, em 1995, mas a abordagem não exige que você seja um especialista em história para compreender o que está em jogo. Na verdade, talvez nem seja necessário entender em detalhes o contexto político: o que importa aqui é o sentimento de impotência e a burocracia engessada que permitiram que essa tragédia acontecesse.
A protagonista, Aida (vivida magistralmente por Jasna Djuricic), é uma tradutora da ONU que se vê em uma corrida desesperada para salvar sua própria família enquanto tenta mediar as negociações com o exército sérvio. Nesse papel, Aida nos guia por um terreno instável onde suas tentativas de proteger a vida dos civis e seus entes queridos são constantemente frustradas pela frieza institucional. Žbanić opta por nos manter na perspectiva de Aida, construindo uma narrativa angustiante e focada, onde sentimos a tensão de cada decisão, cada palavra não dita e cada momento em que a esperança se desfaz diante da burocracia cega.
O ponto mais marcante de Quo Vadis, Aida? é justamente a crítica sutil e contundente à “imparcialidade” da ONU e de tantas outras organizações internacionais. O filme desafia o espectador a pensar sobre a quem essas instituições realmente servem: os povos afetados ou os próprios interesses políticos? Essa dúvida ecoa em várias cenas, especialmente quando Žbanić coloca Aida no centro de uma tragédia pessoal e política, obrigando-a a escolher entre sua família e os protocolos da ONU. É uma escolha cruel e impossível, que representa o dilema constante de quem tenta sobreviver no meio do fogo cruzado das guerras.
A crítica de Žbanić vai além da guerra civil iugoslava e pode ser lida como um comentário contemporâneo sobre como as políticas estrangeiras frequentemente falham em enxergar as vidas humanas envolvidas. Em uma das cenas mais impactantes, vemos soldados sérvios se aproximarem dos civis com mais “empatia” do que os próprios oficiais da ONU, reforçando a ideia de que o verdadeiro inimigo não é só quem segura as armas, mas também quem se recusa a agir.
Outro ponto de destaque é como o filme utiliza o coletivo, ainda que brevemente, para lembrar que Aida não é uma heroína isolada: ela representa todos que ficaram presos entre promessas vazias e uma realidade cruel. São várias as “Aidas” pelo mundo, pessoas que enxergam o desastre se aproximando e, ainda assim, estão à mercê de políticas que as ignoram.
Quo Vadis, Aida? transcende o gênero de filme de guerra ao focar nas emoções humanas, não nos eventos históricos em si. Žbanić não se interessa em manipular o público, mas sim em gerar reflexão. Ela nos lembra que as tragédias não acontecem apenas no calor da batalha; elas se constroem, de forma fria e calculada, nas salas de reunião onde a empatia cede lugar à inação.
O filme ganhou notoriedade mundial ao ser indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional em 2021, representando a Bósnia e Herzegovina. A indicação ao prêmio trouxe uma visibilidade importante para a produção, destacando a coragem da cineasta Jasmila Žbanić em expor um dos episódios mais trágicos da guerra civil iugoslava. Em meio a uma forte concorrência, o filme se sobressaiu por seu olhar crítico e profundamente humano sobre a ineficácia das políticas internacionais e as consequências devastadoras dessa omissão. A nomeação também reforça a relevância do cinema como veículo para contar histórias que, muitas vezes, são ignoradas ou esquecidas, mas que continuam a reverberar no cenário político e social atual.