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Eu Cinéfilo #74: Crítica – Infestação (2024)

A conversação frontal com as inseguranças e fobias que um algum sujeito pode sofrer

Kaleb, interpretado por Théo Christine, é um jovem que é apaixonado por animais desde a infância, mais especificamente por répteis. Seu ganha-pão é vender acessórios e, às vezes, contrabandear drogas. Kaleb tem um amigo chamado Ali, interpretado pelo ator Samir Nait, que é um trambiqueiro que vende produtos, animais e insetos ilegalmente (claro, tudo isso às escondidas). Se somarmos os atos ilícitos e a curiosidade do homem, já sabemos qual será o resultado dessa equação: alerta! Perigo! Medo! Morte.

O nosso papel aqui é escavar o problema no mais profundo de suas raízes. Como de costume, quando terminei de assistir ao filme, ponderei sobre o que iria escrever no dia seguinte e fui dormir. No dia seguinte, quando parei para refletir novamente sobre o filme, parei para pensar que o problema deve ser estudado em sua raiz e não em sua superficialidade. Muitas vezes, quando lidamos com um problema, procuramos resolvê-lo por onde tudo parou, ou seja, não examinamos o que poderia causar tudo isso. O verdadeiro causador está muito mais abaixo do que imaginamos.

Infestação (Infested), dirigido por Sébastien Vanicek, é um filme de raízes que estavam em seu lugar de descanso, mas foram acordadas e revividas novamente. Na verdade, é uma soma de fatores crescentes que levará a uma futura carnificina. Se trazermos isso para nossa própria realidade, não será o acaso o culpado, mas sim o próprio homem, que deseja aniquilar sua própria espécie (um desejo latente e intenso de visualizar a destruição do seu semelhante). É poético, sociológico, filosófico e moral.

O cineasta francês Sébastien Vanicek sempre foi conhecido por trazer um intimismo muito grande com seus personagens e utilizar a sutileza como um componente que carregará o terror e o suspense. Mas existe algo que me chamou muito mais atenção, uma coisa que fugiu de uma certa autenticidade que estamos acostumados do diretor: um aviso prévio de modo metafórico, uma certa exploração daquilo que romperá com aquilo que, em parte, poderíamos ter um vislumbre do que poderia ser realizado naquele trabalho. Conseguimos ver isso logo na cena que dá início ao filme: uma serpente que perambula pelo deserto árido, transmitindo um sentimento de perigo. Se levarmos isso para um contexto religioso, tudo isso formará uma metáfora que se encaixa perfeitamente, uma metáfora que faz menções bíblicas de modo encoberto, remetendo a ideias do livro de Gênesis, com a serpente simbolizando o pecado e as eternas condenações que iríamos sofrer, com a morte, as aflições, a penitência e o pecado. De forma que, novamente, temos a serpente como um simbolismo para a desgraça alheia.

Tudo que está nesse filme é um diálogo que ultrapassa um mero limite visual. Quero dizer que existe um certo método de impacto que transcende os sentimentos daqueles personagens. Quero dizer que, se alguém sofre de aracnofobia (medo, fobia de aracnídeos), deve evitar assistir ao próprio trailer do filme. Por um lado, é extremamente inteligente, e por outro, é limitador. Primeiramente, vamos fazer uma indagação dessas duas questões: utilizar um temor que algum sujeito pode ter é uma covardia, uma covardia extremamente forte que irá trazer uma frontalidade muito grande de identificações. Em outras palavras, é algo que tocará alguém de alguma forma.

Uma desordenação imagética que, por incrível que pareça, — eu sinto que é puramente intencional. Planos muito dinâmicos, uma unidade estética muito maneirista e perturbadora, e também uma inquietação que desloca os personagens nesses espaços, e novamente, algo que desloca o espectador nesse fluxo de imagens agonizantes e angustiantes. É um conceito que trabalhará em prol de uma formação estética e sensorial. Em suma, Infestação (Infested) é um filme que tem em mente uma quase autoconsciência de fazer com que o espectador, diante dos dispositivos cinematográficos, faça parte daquela ficção e sinta aquilo que está sendo sentido por alguém no outro lado da tela.

A cena final do filme é algo que procura desmoralizar a competência humana perante o caos. Assistimos ao prédio sendo demolido por causa das terríveis mortes causadas por aquela infestação sanguinária. Eu falo dessa descrença na força de um homem porque aquilo não foi parado por suas mãos; o próprio local onde o problema estava, foi colocado ao chão, ou seja, aquilo que um dia estava de pé foi destruído por causa das mãos humanas. Não somos nós que derrotamos aquele vilão, são as nossas próprias atitudes que colocam tudo aquilo que um dia estava em pé no chão. Nocauteamos o passado, mas não cuidamos do problema.

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Texto escrito por:

Felipe Porpino Sobral

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