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Crítica: Rye Lane: Um Amor Inesperado

Rye Lane: Um Amor Inesperado
Direção:
Raine Allen-Miller
Roteiro: Nathan Byron, Tom Melia
Elenco: David Jonsson, Vivian Oparah, Poppy Allen-Quarmby, Charlie Knight, Simon Manyonda, Blue Lab Beats.
Sinopse: Dois jovens lidando com o término doloroso de relacionamentos se conectam durante um dia movimentado no sul de Londres.

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Cheio de energia e alguma inovação, Rye Lane é uma comédia romântica simpática e que lembra, vagamente, Before Sunrise, o clássico cult que melhor desempenhou a beleza do apaixonamento na juventude. Incorporando alguns elementos modernos, inclusive nos debates e pontos de inflexão da trama, a diretora Raine Allen Miller é sagaz na escolha estética com cores atraentes e leves tons neon. Isso ajuda a traçar a fronteira de diferenciação de Before Sunrise que faz escolhas mais sóbrias, algo bem delimitado na direção de Richard Linklater. Seria desonesto comparar tão fortemente Rye Lane com a trilogia Before, ainda que algumas escolhas desse primeiro quase nos forcem a fazer essa comparação.

Em Rye Lane, acompanhamos a jornada de Dom (David Jonsson) e Yas (Vivian Oparah) dois jovens negros do sul de Londres que se conhecem sem o contato visual num banheiro unissex de uma galeria de arte. Dom está chorando na cabine do banheiro pelo término de seu relacionamento de 6 anos e Yas faz um comentário que desperta a atenção de Dom e uma despretensiosa conversa é iniciada. Ao sair do banheiro, já na galeria, Yas se apresenta a Dom sem contar que foi com ela que ele conversou e dali saem numa longa caminhada pelas ruas. Nós e eles descobriremos sobre como os términos se deram e eventualmente sobre a vida, insegurança e sonhos projetados ao mundo.

O roteiro segue o padrão do encontro inesperado. Experiências divertidas e arriscadas, pinceladas de vergonha alheia e constrangimento clássico, a separação, e por fim, o reencontro, ou seja, o processo clássico do apaixonamento na teledramaturgia. A linha tênue do clichê e o previsível é bem atravessada, visto que, apesar de sabermos o final, a forma que a direção e o roteiro conduzem a jornada são relativamente interessantes. Os roteiristas Nathan Bryon e Tom Melia, bebem bastante da jornada de Linklater, pelo menos no primeiro e segundo ato. As caminhadas, os diálogos existências e a troca de experiências são muito fluidas, inclusive na chegada da confusão que preparará o terreno para a separação.

A fotografia faz uso frequente de lentes grande angular que aplicam uma sensação de urgência e a claustrofobia da angústia que os protagonistas passam, além de proporcionar um panorama do cenário que também se transforma num personagem, o bairro Brixton. A câmera estática circunda os personagens mantendo pouco distanciamento, e em momentos de ‘’pensamentos intrusivos’’ aposta em close-ups, proporcionando um efeito cômico interessante. Outra aliada na narração dessa história já conhecida é a montagem, que tem um ritmo regular com planos médios e as vezes cortes mais ágeis, dando a sensação de caos mental do protagonista e com espaço para momentos meio psicodélicos, como na cena do teatro.

Rye Lane é ‘’ousado’’ na sua linguagem, mas nem tanto. Há boas ideias que com a música, a fotografia e a montagem ajudam a dar um nó nos mais desavisados, mas que não carrega nada muito novo dentro daquilo que já é conhecido. Tudo que há em comédia romântica na década de 1990 está presente no longa, e talvez a diferença, e é uma diferença significativa, é que o protagonismo dessa história é compartilhado entre duas pessoas negras que vivem o apaixonamento nas ruas de um bairro majoritariamente negro.

Isso conta muito. Primeiro que é uma nova perspectiva, segundo que a vantagem da comédia romântica, quando bem contada, é reforçar a ideia do amor e do apaixonamento que sempre é muito cativante pois, apesar da caretice da nova geração, se apaixonar é uma atividade divertidamente alienante. E ver o apaixonamento de forma simples, comum e rotineira a partir de um outro olhar, me parece sempre ser divertido, ainda mais de forma tão estilizada e pop como é Rye Lane.

Os mais críticos dirão que o amor romântico é perigoso, muito idealista, e sim, é verdade. Mas o conceito de apaixonamento é amplo ao mesmo tempo que é restrito. E provavelmente vai continuar sendo, pois apesar dos anos se passarem, não aprendemos – e não sei se seria possível – a se apaixonar de outro jeito. O jeito que construímos o amor, ou a ideia dele, está ligado diretamente a cultura e a configuração social de classes dentro do capitalismo. Construir uma ideia romântica do amor, me parece ser um fio de esperança para uma sociedade fundada na exploração, violência e violação. E é preciso dizer que o amor vem se transformando ao longo das décadas, especialmente a partir de lutas pela igualdade de gênero. Mas continuamos nos apaixonando do mesmo jeito.

No fundo, o apaixonamento pelo objeto amado, sempre nos pegará na curva, na surpresa. O que é o apaixonamento senão aquela puxada de tapete dada por nós mesmos. No filme de Raine Allen Miller, essa puxada de tapete encontra o acaso, ou seja, um outro, uma pessoa disponível a escutar e se aventurar, sempre pelo outro, pouquíssimas vezes por si mesmo – o que é motivo de conflito entre os personagens. Há quem diga que para se apaixonar é preciso estar minimamente vulnerável, e esse é um recurso narrativo literário básico de qualquer grande romance – e geralmente na vida real.

Apesar de todos esses pontos serem debatidos com relativa disposição e energia, é perceptível a direção ainda insegura e principiante que aproveita – até demais –, os recursos disponíveis para favorecer a história contada. Os protagonistas carismáticos sustentam o ouro discursivo e imagético que têm em mãos, o que ajuda, em partes, Rye Lane ser uma comédia romântica aconchegante e simpática de dois desconhecidos se encontrando numa exposição artística com fotos de bocas e se reencontrando numa exposição com fotos de bundas. Poucas coisas seriam mais poéticas do que isso.

  • Nota
4

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