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Crítica: Acampamento de Teatro

Acampamento de Teatro
Direção: Molly Gordon, Nick Lieberman
Roteiro: Noah Galvin, Molly Gordon, Nick Lieberman
Elenco: Ben Platt, Molly Gordon, Noah Galvin, Jimmy Tatro, Caroline Aaron, Ayo Edebiri, Caroline Aaron, Nathan Lee Graham, Owen Thiele.
Sinopse: AdironACTS é o acampamento de teatro anual que permite que crianças e pré-adolescentes expressem seus talentos artísticos durante a temporada de verão, com música, coreografias, figurinos performáticos e apresentações teatrais.

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Acampamento de Teatro é um filme pequeno na sua duração e narrativa, porém é grandioso na simplicidade que assume para si, ao contar a história de um acampamento de verão em que o teatro é a peça-chave para a descoberta de artistas mirins. A trama gira em torno do acampamento de verão que enfrenta dificuldades financeiras e que vive a base de doações dos pais das crianças. Mudanças aparecem quando certo acontecimento estremece essa relação, e as forças do teatro precisam se unir para fazer dar certo o que pode ser a última apresentação. Do riso ao choro, o longa-metragem produzido, dirigido e escrito por uma nova geração de Hollywood, é boa adição a um cinema independente de boa qualidade, que pouco depende de grandes investimentos emocionais pois carrega consigo um espírito jovem, artístico e criativo.

Os nomes principais na frente e atrás das câmeras são pouco conhecidos do grande público. Talvez o mais conhecido seja Ben Platt, ganhador de um Tony Awards (prêmio máximo do teatro estadunidense) por seu trabalho na Broadway, e por estrelar alguns projetos do Ryan Murphy. O mesmo Ben Platt, é ‘’responsável’’ por um dos poucos filmes que abandonei a assistida. ‘Dear Evan Hansen’, o filme adaptado da obra teatral de mesmo nome, foi intragável, simplesmente terrível e impossível de terminar de assistir, e por motivos óbvios e éticos vou parar por aqui. Por outro lado, em Acampamento de Teatro, Ben Platt que é um dos roteiristas, junto com Molly Gordon, outra recém-descoberta de Hollywood, Noah Galvin e Nick Lieberman formam um quarteto afiado na congruência do projeto e nas belíssimas sacadas de humor com um elenco infantil bem selecionado e divertido.

Todos esses nomes merecem a citação por um motivo que penso ser necessário. O projeto não é revolucionário nem inovador, mas ele carrega uma energia criativa muito sagaz de uma gente nova que traz essa empolgação para a tela. Todos os realizadores estão na faixa dos 30 anos de idade, é escrito e produzido por pessoas LGBTQIA+ na sua maioria e protagonizado por pessoas queers. Toda a película gira em torno de protagonistas queers, sua temática subverte a lógica normativa ao introduzir o hétero como o diferente, e isso é responsável por algumas das cenas mais hilárias em certa altura do filme. Tudo isso e mais um pouco, produz uma divertida e carismática narrativa que acompanhamos por 90 minutos, e ao pegar a forma clássica e transformar o conteúdo, uma grande surpresa com toques de admiração florescem.

A direção é da estreante Molly Gordon e do mais experiente Nick Lieberman. A escolha do falso documentário como estilo para contar essa história muito clássica e até clichê, parece ter sido o caminho mais ágil para inclusive subverter as expectativas, criar conexão emocional e aproveitar a espontaneidade do elenco infantil. A escolha do mockumentary inclusive dá a chance para a dupla de diretores e dos roteiristas iniciantes em captar o melhor das reações e improvisos. Inclusive, o único que não atua é o codiretor Lieberman. Gordon, Platt e Galvin são parte central da história, servindo de escada entre eles e as crianças.

Isso também favorece o brilhantismo da atuação de Noah Galvin, com seu personagem Glenn, um contrarregra da terceira geração de ajudantes do acampamento, que tem um arco emocionante e revelador. Rebecca-Diane (Molly Gordon) e Amos (Ben Platt) são os professores de drama e musical que nutrem um relacionamento codependente. Há ainda uma breve participação da mulher que mais trabalhou em 2023, Ayo Edebiri no papel da falsa professora de encenação contratada pelo bobalhão Troy (Jimmy Tatro), responsável por ser os olhos do espectador nesse novo ambiente.

O filme se propõe a ser uma homenagem ao teatro, tanto o infantil como o teatro nas suas nuances, inclusive o musical sendo o destaque. Todo mundo que canta, algumas crianças e os protagonistas, cantam bem e não creio que dê para afirmar que são bons cantores, pois são outras técnicas e estilos, mas é possível afirmar com alguma facilidade que são bons atores que cantam, e cantam bem. As músicas seguem o padrão clássico de musicais, não há toda a riqueza de acordes e técnicas, mas é eficiente no que se propõe. O segundo ato em que se concentram os ensaios e a preparação para o grand finale, explora os dramas individuais e coletivos dos protagonistas e dos desafios daquele ambiente, além de ser um prato cheio de grandes referências do teatro clássico da Broadway.

Os créditos parecem ser em torno da admiração dos realizadores e do senso de pertencimento que todos envolvidos no projeto têm um pelo outro e pelo extenso universo teatral. É muito cativante acompanhar essa história e ver pessoas tão jovens envolvidas e dedicadas ao cinema e ao teatro. A leveza com que brincam entre si e sobre os temas, é mérito do roteiro, mas falar do roteiro é falar de todos que estão em tela. Existe algo apaixonante em Acampamento de Teatro que é a facilidade em lidar com o lúdico, com o absurdo e com as ‘’regras’’ do teatro amador ou de oficina. Ele brinca com sonhos, comunica algo novo, mas não tão novo assim, e usa as brechas estéticas do cinema para convocar, ainda que um pequeno público, a se aventurar através da comédia num universo plural como o teatro e o atrasado cinema quando o assunto é pluralidade.

Acampamento de Teatro é uma comédia, um musical e um falso documentário que brinca com a clássica história de recuperação e manutenção de um legado. As poucas músicas presentes são bem-produzidas e capturam a empatia até daqueles que não gostam de cantoria no cinema. A ótima escalação do elenco infantil e a sinergia dos adultos multitarefas é o maior mérito do projeto, e a paixão da produção extrapola – no melhor dos sentidos – para o roteiro, que aproveita para divertir colocando nos ombros de crianças de 10 anos em férias, a responsabilidade de uma arte milenar que é o teatro. Tudo isso, ainda que haja alguns deslizes, serve a um único propósito muito claro: homenagear o teatro em suas origens, contar dos perrengues e alegrias da arte, descobrir os talentos escondidos que precisam de oportunidade e a honesta obsessão em fazer o teatro sobreviver.

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