Não Abra! : Entrevista com o diretor Bishal Dutta - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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Não Abra! : Entrevista com o diretor Bishal Dutta

Diretor fala com o Cinem(ação) sobre o terror que está nos cinemas

Demônios e lendas indianas são retratados no terror Não Abra!, que está assustando as pessoas nos cinemas através da visão do jovem cineasta Bishal Dutta.

O filme conta a história de Samita (Megan Suri), uma adolescente indiana americana em conflito com sua identidade cultural, que, após se desentender com sua ex-melhor amiga, inconscientemente liberta uma entidade demoníaca que se torna cada vez mais forte ao se alimentar de sua solidão. Mais do que uma visão exótica ou declaração incisiva sobre temas sociais, o diretor quer que seu filme represente males íntimos e universais, assim como um olhar muito particular sobre vivência de uma cultura específica.

Para explicar um pouco disso, Dutta conversou com o Cinem(ação) através de uma chamada via zoom. Confira a entrevista na íntegra:

Primeiramente, parabéns pelo filme.

Muito obrigado meu amigo.

Obrigado por tirar esse tempo para falar comigo.

Obrigado você, significa bastante

— Geralmente eu sou o “cara do terror” aqui no Cinem(ação), e acho que aqui no site está se formando um tipo de tradição na qual eu pergunto para diretores de filmes de terror ou diretores que estão fazendo um filme de terror: o que atrai tanto no Terror, e porque escolher terror como seu primeiro longa-metragem?

Bom, primeiro de tudo eu amo filmes de terror. Eu amo assisti-los, e eu acho que horror é o maior gênero que a arte já nos deu, e eu acho que ele te dá a oportunidade de fazer duas coisas: primeiramente há um tipo de sentimento de irmandade. Quando você está sentado no cinema e as pessoas estão gritando e rindo… é por isso que eu vou ao cinema, por esse tipo de experiência. Mas, uma vez que você dá isso para uma audiência há um tipo de investimento para explorar coisas interessantes, e eu acho que o horror é o gênero que mais livremente nos permite expressar nossos sentimentos internos, eu acho que há uma oportunidade no terror de pegarmos sentimentos que são bem internos e meio que abstratos e manifestá-los fisicamente, então com esse filme, meu pensamento foi sobre os sentimentos que esse personagem tem [Samita], mas como podemos representar esses sentimentos através dessa mitologia de um demônio.

Um dos maiores chamarizes que Não Abra! tem é o aspecto cultural, e Samita – a protagonista – tem dificuldades em assumir sua herança cultural. Como uma criança indiana que cresceu nos EUA, você passou pelas mesmas dificuldades? Você trouxe algo de sua vida pessoal para o roteiro de Não Abra!, e como é para você trazer um pouco da cultura indiana para o terror mainstream?

Respondendo a primeira parte da pergunta: sim, eu definitivamente trouxe inspirações de coisas reais, e eu acho que mesmo quando eu estava tendo a ideia do filme, o que mais me interessou foi que quando eu era criança eu me sentia meio que dividido entre dois mundos, dividido entre ser indiano e entre ser americano, e eu achava que esse conflito seria muito interessante em um filme de terror, e então nesse sentido de fundação eu estava retirando muito de meus próprios sentimentos, então em termos de representar minha própria cultura, eu não queria estar fazendo algum tipo de “declaração” sobre isso. É o tipo de coisa na qual a experiência indiana americana, a experiência de diáspora é tão variada e diversa que eu não queria dizer “isso é o que é, isso é o que não é”, então com isso em mente, eu senti que eu conseguiria apenas pegar coisas da minha memória. No começo do filme Samita sai da casa dela e cheira a sua jaqueta para se certificar de que ela não cheira a comida indiana, e hoje eu amo o cheiro de comida indiana, mas antigamente eu tinha esse medo de que as pessoas conseguiriam sentir o cheiro e tal. Então, eu acho que todas essas coisas meio que entraram no filme, mas eu também pesquisei através de amigos e família. Eles também estavam adicionando ideias deles ao filme. Os atores… Megan [Suri] teve muita contribuição para o filme, então foi realmente um processo de começar a partir de minhas próprias experiências, mas de trazer muitas perspectivas para além disso, e do ponto de trazer a cultura indiana americana para o horror Mainstream, é incrível, um privilégio poder fazer isso. Porque o sonho de todo cineasta é poder contar nossas próprias histórias, e, crescendo, eu pensava que eu só posso ser autêntico a mim mesmo até certo ponto, porque, sabe, uma vez que eu começasse a representar quem eu era culturalmente, como minha família era, as pessoas não conseguiriam se conectar com isso, esse era o meu medo, crescendo como cineasta. Mas agora, podendo fazer isso, esse filme é cem por cento honesto a mim e como eu cresci, então, isso pra mim é um tremendo privilégio, e eu tenho que agradecer os produtores e o estúdio por acreditar nesse filme e continuamente me encorajar a ser autêntico.

Você falou sobre não fazer “uma declaração”, e realmente os comentários culturais não se sentem deslocados ou inclusos de forma grosseira…

Eu espero que não! (risos)

São esses pequenos momentos nos quais vemos que os personagens podem ter algum problema com autoaceitação e todas essas coisas. Há até mesmo uma cena na qual Sam está no instagram e passando os filtros para que ela aparente ser mais branca. É um momento pequeno, mas que achei de uma sensibilidade interessante…

Eu adoro que você disse isso sobre as pequenas coisas, pois eu acho que elas são o que “acumula”, certo? E acho que essa era uma das minhas esperanças em fazer esse filme. Não é sobre as coisas grandes, sobre o racismo “externo” que ela experiencia, e, trabalhando com os produtores de “Corra!” (2017), e eu acho que a importância daquele filme na cultura mundial foi que levava adiante a discussão para além do elemento “binário” de racismo de um lado e do outro. E, com um filme como esse, eu só queria ter certeza de que não era sobre essa ideia básica de racismo, e sim sobre as coisas que sentimos sobre nós mesmos, certo? E os sentimentos, e a vergonha, e a culpa que nós temos em relação a sermos quem somos. Então eu senti que a melhor forma de representar isso, aquele pequeno medo, aquele pingo de vergonha, foi através de momentos como o que você acabou de descrever.

No mesmo tópico sobre cultura, “Pishacha” é uma entidade e lenda bem interessante, com algumas regras diferentes do que você vê em outros subgêneros de um terror fora do norte-americano, como J-Horror e coisas do tipo. As regras dessa lenda (como a de deixar a entidade presa no jarro) já existiam de forma bem definida ou você inventou algumas delas?

Bom, eu meio que juntei duas coisas. Primeiro de tudo, havia uma história que meu avô me contava quando eu era mais jovem. Era minha história de fantasma preferida que ele me contava, e supostamente quando ele era jovem ele conheceu uma garota que carregava um frasco de vidro, e ele disse pra ela: “ei, não tem nada dentro desse frasco”, e então ela abriu e jogou alguma coisa nele, e ele começou a ser assombrado por algo. Ele começou a ouvir batidas a noite, ele deixava comida em algum lugar e alguma coisa a comia, coisas realmente assustadoras. E dessa história, eu comecei a pensar no que poderia estar dentro desse frasco, e esse processo de pesquisa que eu fiz me levou a tantos tipos de mitologias diferentes, mas foi com o Pishacha que eu pensei “Isso é algo do qual todo mundo pode ter medo, esse é meio que o bicho-papão de nossa cultura, certo? Esse tipo de entidade assombrosa na noite. E eu meio que tinha ouvido sobre Pishacha quando eu estava crescendo, e tem algumas frases no roteiro do filme que são retiradas diretamente do que eu ouvia quando eu estava crescendo, como: “não vá dormir com algum sentimento ruim no seu coração”. Então foi uma combinação dessas duas coisas: a mitologia do Pishacha, e as histórias pessoas que eu cresci ouvindo.

— Eu acho que você deve ouvir de muitos entrevistadores essa curiosidade baseada num apego do exótico presente em outra cultura, essa não é a intenção dessa pergunta, mas eu só gostaria de saber se o Pischacha é bem conhecido na Índia?

Ele é bem conhecido na Índia, e eu acho que é por isso que eu fiquei empolgado. É, o exótico é algo interessante, porque o que me atraiu foi o exato oposto, e eu fico feliz que você falou disso do exótico. Quando eu li sobre a lenda, eu pensei: “toda cultura tem isso”, sabe? Toda cultura colocou todos os seus medos em um monstro meio que central, em um bicho-papão central para meio que preocupar e avisar as crianças, tipo: “não faça isso, ou não seja assim porque senão essa coisa vai vir te pegar”. E eu acho que esse tipo de coisa que me atraiu para essa criatura, tipo: “isso é da minha cultura, e é bem específico, mas todo mundo poderá se conectar com o medo dessa coisa”.

Sobre visual da criatura em si: ela tem alguns retoques em computação gráfica, mas é uma roupa feita com efeitos práticos.

Ela é!

E isso foi por conta de orçamento, ou foi sempre sua intenção? Você sempre foi fã de efeitos práticos? Como foi trazer a criatura à vida?

A ideia sempre foi começar com efeitos práticos, e eu acho que pra mim há dois fatores nisso. Em primeiro lugar, eu acho que o público reage de um certo jeito quando eles sentem que algo foi filmado em frente de uma câmera, e eu também amo efeitos visuais computadorizados, CG é uma ferramenta incrível, mas eu acho que o público sempre consegue perceber quando algo foi fotografado, certo? Então eu acho que essa qualidade de textura, a sensação de que você consegue esticar o braço pra dentro da tela e meio que sentir a textura desse monstro, eu acho que existe uma resposta visceral do público quando você tem isso. E tem o outro lado, que eu acho que sou eu meio que prestando homenagem a alguns dos meus monstros de terror preferidos, como por exemplo o Pumpkinhead do Stan Winston, que eu acho que é sua maior criação.

Eu amo o Pumpkinhead demais.

E eu estava pensando bastante em “Hellraiser” (1987), quando Frank está meio que sendo “remontado”, com todos os órgãos dele, então eu sempre achei isso muito interessante. Em “A Mosca” (1986), no final do filme, quando o rosto do protagonista meio que parte ao meio para revelar a mosca. É esse tipo de fisicalidade que eu queria da minha criatura. E dito isso, acho que o pensamento era “como nós conseguimos construir isso com CG para tornar a criatura mais moderna e interessante possível.

O tempo passou rápido!

Sim, eu sei! Poderíamos ficar conversando um tempão.

Algum próximo projeto no horizonte?

Sim! Uns dos privilégios que eu tive nesse filme foi o de poder fazer um thriller original, um filme de conceito original. Eu adoraria continuar fazendo esses filmes de terror originais e eu tenho uma ideia no momento que eu acho que é realmente empolgante, e eu já consigo imaginar os barulhos e reações que as pessoas estarão fazendo no cinema! Esse é o tipo de filme que eu fico bem animado em fazer. E eu acho que eu tenho algo que eu espero que eu e você estaremos falando sobre em breve!

— Nós estaremos!

Não Abra! está nos cinemas

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