O Convento: Entrevista com o diretor Christopher Smith - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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O Convento: Entrevista com o diretor Christopher Smith

Diretor de O Convento fala sobre crença religiosa; quer fazer filme no Brasil

Apesar de já ter se aventurado por gêneros como a comédia, foi no terror que o cineasta Christopher Smith construiu sua carreira. A filmografia chama atenção pela variedade: Plataforma do Medo (2004) é um Slasher. Mutilados (2006), uma comédia de horror; Triângulo do Medo (2009), um terror psicológico com loops temporais; O Ritual (2020), um terror de casa assombrada. Agora, Smith pode adicionar mais um subgênero na sua lista com O Convento, terror que já está nos cinemas e é estrelado por Jena Malone, Danny Huston e Janet Suzman.

Malone vive Gracie, uma cética que, após saber da morte de seu irmão, Michael (Steffan Cennydd), viaja até o convento onde ele era padre, na Escócia. Ao chegar no convento que dá título ao filme, Grace se vê no meio de uma trama de conspiração que envolve o possível assassinato de seu irmão, a busca por uma relíquia perdida, e revelações sobre seu passado.

Smith tirou um tempo para conversar com o Cinem(ação) através de uma chamada via zoom, na qual falou sobre terror, religião, viagem no tempo e sobre como quer fazer um filme no Brasil. Confira a entrevista na íntegra abaixo.

— Primeiramente, parabéns pelo filme.

Obrigado. Eu quero muito ir para o Brasil. Faz um tempo que eu tenho brincado com uma ideia que seria filmada no Brasil. Eu vou fazer! Em breve. Eu quero fazer alguma coisa na Amazônia, fazer algo para realmente me desafiar.

— Isso seria ótimo. Obrigado por ter tempo de falar comigo.

Sem problemas, é um prazer.

— Você fez projetos como Que Fim Levou Papai Noel e Labirinto, mas você é mais conhecido por seus filmes de terror. Você tem filmes como Plataforma do Medo, que é um slasher, Mutilados – uma comédia de terror, O Ritual – um filme de casa assombrada, e agora você tem O Convento, que remete ao nunsploitation

(risos) Sim, um pouco.

— O que te atrai tanto no terror, e o que te atraiu para fazer O Convento?

Eu cresci em um período no meio dos anos 80. Quando eu era um jovem adolescente, nós assistíamos “video nasties”, era basicamente uma serie de filmes feitos nos EUA e perto da Europa que conseguiram passar sem nenhuma classificação indicativa, porque os filmes de locadora na época não estavam sendo classificados da mesma forma que os filmes no cinema. Eles estavam ficando cada vez mais sangrentos, e pra um grupo de adolescentes de 13 anos, se tornou algo como: “a gente precisa ver isso, a gente precisa ver aquilo”, e a gente começou a caçar todos esses filmes sangrentos, e não era apenas eu e meus amigos que estávamos fazendo isso. Todo mundo estava fazendo, tanto que eu acabei de ter uma reunião pra uma série de tv sobre esse período, então eu realmente virei fã de terror naquela idade. E eu acho que na época era a adrenalina, era a sensação de que era ilícito, que seus pais não sabiam. É todo esse tipo de coisa pelas quais as crianças são conquistadas. E quando eu fui pra faculdade de cinema eu não esperava que eu fosse querer fazer terror, nem que eu faria terror, porque eu amo todo o Cinema, não só filmes de terror. E eu tentei fazer um thriller, mas eu não consegui com que ele fosse financiado, e aí meu produtor disse que esse cara chamado Neil Marshall acabou de fazer um filme chamado Dog Soldiers…

— Eu amo Dog Soldiers.

Sim, sim! E ele disse: “Você tem algum filme de terror na manga?” E eu disse “sim, eu tenho uma ideia pra um filme sobre uma garota presa no metrô”. E literalmente depois daquele momento, pra 8 meses depois, eu estou fazendo um filme. Então, eu realmente adoro o processo de fazer terror. Eu acho que… há problemas que vem com o gênero no sentido de que você possui expectativas de uma audiência que você tem que cumprir, e ela fica muito brava se você não cumprir, e você tem meio que equilibrar isso, mas há uma lealdade, e há um público que faz eu me sentir muito sortudo por estar fazendo filmes de Terror, porque eu acho que fãs de terror não são fáceis. Eles querem ser assustados, eles querem se divertir e eles querem ser surpreendidos. E eu acho que é isso que ainda me anima sobre o gênero.

— E como surgiu a ideia de fazer o Convento?

Quando eu era mais jovem, eu ia pra igreja, exclusivamente quando eu era uma criança, até eu ficar velho o suficiente para dizer para minha mãe que eu não queria mais ir. A Inglaterra não é um país muito religioso, também naquele período dos anos 80. Minha mãe nunca foi tão religiosa, então eu meio que parei. Mas algo meio que sempre ficou comigo, aquela sensação de temor em relação a religião, eu acho que é uma coisa bem humana. Eu não diria que sou religioso agora, mas eu também não sou alguém que é anti religião de maneira alguma. Eu não queria fazer um filme que ridicularizasse religião. Tem um filme chamado Agnes de Deus que eu assisti quando era um adolescente, que não era um filme de terror, mas era sobre uma jovem freira interpretada por Meg Tilly, que fica grávida, e ela afirma que é um nascimento virgem. E quando a polícia chega eles estão tipo: “não, você deve ter sido estuprada, ou você deve ter um namorado ou algo do tipo”. E ela diz: “não, Jesus veio e me deixou grávida”. E isso sempre ficou comigo, a convicção dessa jovem freira. E então eu comecei a trabalhar com outra escritora que eu conhecia, e nós começamos a trocar ideias sobre “e se alguém foi assassinado”, e talvez nós consigamos usar essa parte da história que eu estive interessado faz um tempo, e meio que tomou forma desse jeito, na verdade, onde eu trazia algo para o roteiro, e a escritora que eu conhecia trazia algo para o roteiro, e nós meio que chegamos nessa ideia. Inicialmente nós íamos filmar nos EUA. Uma garota de Nova York, interpretada por Jena Malone, vai para o norte do estado para Salém, onde o irmão dela estava, e nós logo percebemos que a história da América não é tão velha, então as igrejas não são tão velhas. Nós ainda precisávamos da distância pra viajar, então foi assim que acabamos numa assustadora e velha ilha na Escócia, na chuva.

— Eu ia justamente te perguntar sobre a Escócia…

Eu nunca estive lá antes, e assim que eu fui pra lá…aquela construção, aquela velha igreja na beira daquele penhasco – e essa não é a única, existem várias. Existem vários castelos. Se não fosse pelo tempo, a Escócia é um dos lugares mais lindos no mundo. O problema é o tempo, simplesmente está sempre chovendo.

— E isso transparece no filme.

Exatamente

— Uma coisa que acho interessante nesse filme é sobre como o horror se manifesta. há algumas coisas sobrenaturais acontecendo, mas a maioria das manifestações de terror vem de crença religiosa. Freiras arrancam seus olhos, os pais torturam suas crianças… Qual a sua relação com esses elementos?

Essa é uma ótima pergunta. Essa resposta se desdobra em duas partes. A primeira: religião é sobrenatural. Um amigo meu bem religioso começa a questionar o aquecimento global, e eu fico tipo: “bom, você não pode realmente ter uma opinião contra a ciência, porque você não acredita que os dinossauros estiveram aqui”. Então tem isso, onde você tem que fazer esse voto de confiança cego, e eu acho que, ou você vai completamente pra dentro disso e diz: “eu tenho que acreditar em tudo” – isso é o que fundamentalistas fazem, ou você tenta – como a maioria das pessoas – ter fé no seu coração por amar a história e passar a acreditar, e não deixar isso bater de frente com a religião. Eu acho que a coisa que mais me assusta são pessoas que são cegas pela religião. Eu não tenho medo de coisas que se movem a noite, eu tenho medo de fundamentalistas me matando por razões religiosas. Isso é a coisa que me assusta profundamente de certa forma. Então, no filme, eu tento meio que levar a sério e não ser “leviano” com a religião, por assim dizer. Porque eu não faria isso com outras religiões. Eu acredito que com o cristianismo, por você provavelmente não se meter em nenhuma encrenca séria se você comentar sobre ele, você pode fazer mais. Se você olhar para O Exorcista, você não conseguiria fazer aquele filme nos dias de hoje. Eu seria cancelado hoje se eu fizesse aquele filme! Interessantemente, o Brasil é um país bem religioso, então o filme terá um impacto diferente aí do que num país laico. E como eu tive o suficiente de experiência de ir à igreja, há o suficiente de mim para estar meio que temeroso diante desses rituais. Eu amo rituais, eu me envolvi com budismo recentemente – não que eu tenha me tornado um budista, mas eu amo os rituais do budismo. Ao mesmo tempo, todas aquelas esferas balançantes que saem fumaça no catolicismo! Tem algo nisso que é bem humano. Está dentro de todos nós. E não é algo do tipo: “eu sou um ateu”. No seu DNA, você tem uma herança de fé, então ainda há algo dentro de você que te incomoda, quer você acredite ou não. Está dentro de você, está dentro de sua alma.

— Sim, esses rituais. Eu fui criado no catolicismo, então eu sei exatamente o que você quer dizer.

Com certeza, sim. Eu fiz o filme católico, por causa do controle central de Roma. E temos o incrível Danny Huston. É incrível ter alguém vestido daquela forma, funciona tão bem nos filmes, ter o padre chegando, é muito “O Exorcista”, ter alguém chegando e resolvendo as coisas. Ele [o personagem de Huston] acha que as freiras do filme são loucas… elas são demais até pra ele! É bem divertido.

— A protagonista vivida por Jena Malone – Grace – é uma mulher da ciência. Em determinado momento do filme uma pessoa pergunta se precisa de um milagre, e Grace responde com “não, você precisa de um par de injeções”. Como foi escrever a personagem e como foi trabalhar com Jena Malone?

Quando você trabalha com gente tão talentosa quanto Jena, tudo é bem fácil. Eles sabem que são bons, e eles confiam no roteiro e confiam em você. É como ter um grande jogador de futebol. Ele vai e marca um gol, ele faz isso e aquilo e marca outro gol. É literalmente fácil assim. Eu acho que eu e Jena tivemos um crescimento parecido. Nenhum de nós nos vemos como pessoas religiosas agora, mas nós dois passamos por esse choque entre ciência e religião. E não precisa ser apenas entre ciência e religião, pode ser entre gostar de beber cerveja e religião. Todos os pecados, que nos disseram que são pecados. Todo mundo, religioso ou não, vive nesse conflito. Todas as religiões são sobre tentar ser melhor, tentar se superar em algum nível ou outro. Então, a ideia de que Grace tem um irmão que é devoto, e que ela é uma mulher da ciência e ele um homem de Deus e então pressionar uma coisa contra a outra… nós dois ficamos muito animados com isso. E eu não conseguiria pedir por alguém melhor para interpretar esse papel. Ela precisava ser poderosa como mulher. Eu queria que ela fosse forte. Ter uma atriz como Jena torna a vida mais fácil, não mais complicada

— Voltando nos rituais, há esse elemento no filme no qual as pessoas são passos para trás como uma forma de ritual na qual elas terão seus pecados perdoados. Essa ideia já existia ou você a criou?

É interessante você dizer isso. Eu vi um filme chamado O Vale das Abelhas, que é um filme da República Checa, foi feito nos anos 60, e é sobre um cavaleiro que volta a uma vila e comete um crime. É muito difícil de acompanhar, é tudo muito elíptico, e de repente ele está no topo dessa igreja, e tem um buraco no chão, e ele anda para trás e cai nesse buraco, e todas as freiras e padres estão se benzendo, e eu pensei, que mesmo que o filme não tenha nada a ver com aquela história, pareceu real. E era um filme bem sério sobre o período medieval. E eu pensei que adoraria ver isso num filme, é tão bizarro. Pareceu real. É tão louco que só pode ser real! Então foi isso que fizemos. Eu acho que a essência de que, a cada passo que você dá você está mais perto de Deus, você está perdoado, eu acho que é muito católico. Eu amo o filme Vício Frenético do Abel Ferrara, quando a freira é estuprada, e Harvey Keitel vai vê-la está tipo: “se eu conseguir pegar esses estupradores eu vou me consertar” e ela diz “não, eles já estão perdoados. Eu os perdoei”. E ele fica torturado por isso! E eu acho que isso teve um grande impacto em mim. E eu acho que os filmes do Scorsese. Taxi Driver… mesmo que eu não seja católico, eu amo a culpa católica, eu amo esse tipo de conflito, certamente o coração do catolicismo entre fraqueza e Deus, sabe, e seus pecados sendo perdoados. Só poderia ser catolismo, a história, é tão forte, sabe.

— Só mais uma pergunta rápida: você tem um tipo de looping temporal, um elemento de viagem no tempo em O Convento que me lembrou de outro de seus filmes, o ótimo Triângulo do Medo.

Triângulo do Medo, sim. Na verdade, tenho outro filme que eu fiz com esses elementos! Quando eu tive a ideia de Triângulo do Medo – e eu tive essa ideia como algo do tipo: “qual seria a ideia mais assustadora e louca?”, e eu e meu produtor estávamos olhando pra esse navio – eu não conto essa história muito frequentemente, eu acho que só contei ela uma vez antes. Nós estávamos num festival de cinema em Cannes, e tinha um navio enorme, e foi pensamos: “o que nós precisamos fazer é um filme de orçamento grande, porque então, ao invés de fazer sem nenhum dinheiro, todos nós seriamos pagos. Foi uma conversa bem bêbada, e eu disse: “o que seria muito caro?” e ele disse “um navio!”. Então nós olhamos para esse navio, e eu criei essa ideia, e era uma ideia tão boa, essa noção de que uma garota no convés vê a si mesma embarcando. E aí eu levei dois anos para meio que criar uma história em torno disso, e então foi um completo pesadelo tentar juntar um orçamento para o filme. Então eu fui punido por assim dizer pelos motivos estúpidos para fazer esse filme. Mas o que eu realmente gostei sobre a história, e o que eu acho que de onde veio, e certamente naquela época, eu acho que no fim das contas, se você é um soldado e você está num campo de batalhas, e você atira em alguém… a menos que aquela pessoa esteja literalmente em cima de você prestes a cravar uma faca em você, você irá questionar essa decisão eventualmente. Mesmo que ele esteja realmente prestes a enfiar uma faca em você, você pensará: “talvez eu devesse ter chutado suas pernas pra longe ao invés de matá-lo. Então eu acho que essa ideia de responsabilidade e culpa, e a forma como ela permeia em você, foi algo que sempre me intrigou. E a razão pela qual você não consegue fazer um filme de viagem no tempo, é porque no momento que você pensa nisso, você entraria pela porta. Stephen Hawkin fez uma coisa antes dele morrer. Ele fez uma festa para o seu eu do futuro. E ele disse “se viagem no tempo é possível eu vou entrar pela porta!” E ele não veio.

Mas eu acho que pra mim tem a ver com legado e arrependimento e todas essas coisas. Eu também acho que todas elas tocam na responsabilidade e eu acho que na época que triângulo do medo foi feito, e mesmo agora, é muito fácil de dizer, no horror, se você olha pra guerra do Vietnã, você diz: “é por isso que slashers começaram a serem feitos”, porque na época, todos estavam assistindo o noticiário e a violência estava presente. Aconteceu o mesmo no começo dos anos 2000 com Abu Ghraib e todas essas coisas. Gradualmente, as audiências e filmes começaram a se tornar sobre: “nós somos os caras malvados?” e nós começamos a olhar pra dentro como sociedade. Somos nós? E eu acho que isso ainda está acontecendo. Certamente no Oeste, no momento. Enfim, longa resposta, mas sim, eu amo filmes sobre viagem no tempo!

— Muito obrigado, eu queria que a tivéssemos mais tempo.

Sim, nós podemos continuar mais um pouco, se você tiver mais uma pergunta.

— Não, vão pegar no meu pé aqui (risos)

(risos) ok, tudo bem! Foi muito bom conversar com você, eu gostei bastante, foi um bom papo.

— Igualmente. Venha para a Amazônia fazer seu filme!

Eu irei fazer meu filme na Amazônia, com certeza. Assim que eu estiver coberto de mosquitos e cobras eu vou estar me arrependendo, mas eu vou fazer!

O Convento já está nos cinemas.

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