Crítica: Missão: Impossível – Acerto de Contas – Parte Um
Missão: Impossível – Acerto de Contas – Parte Um:
Direção: Christopher McQuarrie
Roteiro: Bruce Geller, Erik Jendresen, Christopher McQuarrie
Elenco: Tom Cruise, Hayley Atwell, Ving Rhames, Rebecca Ferguson, Simon Pegg, Vanessa Kirby, Pom Klementieff.
Sinopse: Ethan Hunt e seu grupo do IMF embarcam na missão mais arriscada até agora: localizar uma nova arma aterrorizante que ameaça toda a humanidade antes que caia nas mãos erradas.
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Para muitas pessoas, Tom Cruise e Missão: Impossível são sinônimos de Cinema desde o primeiro filme da franquia dirigido por Brian de Palma, em 1996. Para mim, tardiamente, Tom Cruise e M:I se tornaram sinônimo de Cinema (e bom Cinema, diga-se de passagem), apenas esse ano, depois de uma maratona intensa e divertida de seis filmes. Decidi que assistiria todos, um atrás do outro, só para ter a experiência de ver o sétimo na tela grande – e não me arrependi. Missão: Impossível 7 – Acerto de Contas me trouxe a experiência genuína da arte cinematográfica no ambiente do Cinema, algo que eu só senti poucas vezes nos últimos anos, muito raro e especial.
Confesso que comecei minha maratona acreditando que talvez não fosse gostar tanto dos filmes e que talvez muitas cenas de Tom Cruise correndo e realizando stunts inimagináveis não fossem exatamente para mim. Eu explico: durante a infância e adolescência, passei bem longe dos filmes de ação. Os signos e convenções de filmes do gênero, durante boa parte da minha vida, foram interpretados por mim ou como toscos demais ou como masculinizados demais. Não sei ao certo explicar, mas pelo público-alvo dessas obras, uma franquia como M:I não parecia ser algo que eu iria gostar e esse sentimento me subtraiu dessa parte riquíssima do Cinema por mais tempo do que eu gosto de imaginar, tudo por não sentir que eu poderia me sentir pertencente a tal universo.
Uma tolice sem tamanho, é algo que eu diria hoje, olhando para trás. É claro que os filmes de ação sempre estiveram sob o estigma de ser um gênero mais popular entre o público masculino, mas isso é algo muito mais imposto socialmente do que uma verdade. Mulheres também podem gostar da adrenalina proporcionada por inúmeras cenas de carros e motos em altíssima velocidade, uma violência estilizada e uma explosão elevada à décima potência, tanto quanto de filmes que adaptam obras de Jane Austen. Pode parecer óbvio para muitos em 2023 dizer isso, mas o cinema é diverso porque o ser humano é complexo.
Para além dos estereótipos e crenças que me foram impostos tão prematuramente, assistir esses filmes nos últimos anos têm aberto minha mente para uma nova ideia de diversão dentro do cinema a qual, inevitavelmente, terá haver com o que há de mais interessante dentro das possibilidades que essa arte e sua forma oferecem. Em seu sétimo filme, M:I entra no debate atual sobre fake news, deep fake e inteligência artificial para falar sobre relações de poder, ética e política, sem perder como foco a fé inabalável do seu público em Ethan Hunt, um dos motivos pelos quais a franquia resta viva até hoje.
De novo, como em Fallout, a fé se concentra no nosso heroi e agora há mais um problema que parece ser impossível de eliminar: a tecnologia como manipulação da realidade. É difícil permanecer criando novas e interessantes histórias ao longo de mais de 10 anos, mas MI7 mostra saber se renovar, ano após ano, mantendo um padrão de qualidade extremamente difícil de ser atingido. Muito disso se deve a Christopher McQuarrie que, desde Nação Secreta, demonstra saber resgatar exatamente aquilo que a franquia havia perdido um pouco desde o segundo filme: a espionagem e a inteligência da trama como força motriz para o desenvolvimento de uma ação consciente de seu próprio exagero, mas forte nisso pelo mesmo motivo.
Enxergo os dois primeiros filmes como os extremos de um equilíbrio que McQuarrie só chegará anos depois. Enquanto De Palma e John Woo acabam puxando, cada um ao seu modo, os dois lados de um mesmo cabo de guerra, o diretor dos últimos três filmes encontra um meio-termo digno de um blockbuster. O que começa em Fallout, mas se consolida em Acerto de Contas é a força comercial que o Missão: Impossível tem sem perder a qualidade da sua execução e a originalidade das suas inúmeras diferentes histórias para isso. Muitos foram os diretores que tentaram acertar esse meio termo onde agradar o público e fazer Cinema com excelência técnica e coerência eram fatores primordiais, mas nem todos conseguiram. Brian De Palma, John Woo, Brad Bird, J. J. Abrams… não adiantou, apenas a parceria McQuarrie e Tom Cruise durou tanto tempo.
A sintonia das visões dos colaboradores (McQuarrie como diretor e Tom Cruise como produtor) exibe um alinhamento tanto na forma de ver Ethan Hunt, como na forma de ver a equipe. Criou-se um espírito familiar na franquia, essencial para que fãs criassem um vínculo emocional não apenas com Ethan Hunt, mas com quem o cerca. Acompanhamos Missão: Impossível também por nos sentirmos pertencentes ao IMF, depois de todos esses anos. Sobre esse assunto, a introdução de uma nova personagem na família eio com o preço do adeus para outra: dissemos adeus à Ilsa e olá para Grace. Uma troca que não me pareceu muito justa, mas que certamente me gerou um enorme impacto, algo que só poderia acontecer pela construção impecável da personagem de Rebecca Ferguson ao longo dos últimos filmes.
Além disso, em Acerto de Contas, tudo é mais grandioso. Por exemplo, a perseguição nas ruas estreitas de Paris em Fallout, agora é deslocada para as ruas de Roma, com maior duração e mais frontal na sua abordagem exagerada e cômica do cinema de gêneros. O uso da máscara continua como último recurso e se consolida, mais uma vez, como um dispositivo que serve à narrativa tanto quanto filmes servem ao cinema: como uma válvula de escape que representa a farsa no cinema. Uma farsa que não tem interesse algum em se comprometer com o real.
Essa cena que só vai perder para a sequência do deserto, que tem inspiração clara em videogames e ressalta a cada vez maior a gamificação da sétima arte. M:I 7 entra na onda de algo que já vimos em filmes recentes como Maligno e John Wick 4, mas ao seu próprio modo, com sua assinatura. A cena do trem também é muito bem executada e lembra em parte do recente Trem-Bala, filme do diretor Brad Bird – também diretor do quarto filme da franquia M:I.
Mais uma vez, agora sob uma nova e importante problemática mundial, nosso interesse sobre a franquia se renova. A farsa com a qual teremos de lidar dessa vez se aproxima muito mais de nós e do nosso mundo do que jamais esteve. Quando que Brian De Palma, no primeiro filme da franquia, teria pensado que em 2023 teríamos máscaras no mundo real, deep fakes? Pessoas se passando por outras e proferindo palavras através da imagem de outrem, gerando as mais inimagináveis consequências? Quanto mais desenvolvemos tecnologias maiores as propostas que cercam um filme como esse parecem tangíveis.
Acerto de Contas parte 1 representa o rompimento do véu que porventura separava as histórias de M:I da irrealidade voltada para cinema de ação de uma distopia futurista, de uma ficção-científica. Adentramos uma fase diferente e bastante atual dessa franquia em termos de abordagem de temas mesmo, algo que como eu disse antes, parece envelhecer como um bom vinho no cinema blockbuster, conquistando novos fãs (como eu) a cada filme e por isso também se mantendo relevante e estável por tanto tempo. Tom Cruise e Christopher McQuarrie amam o Cinema, e esse filme e o seu clímax representam exatamente isso, sendo comprometidos e apaixonantes o suficiente para nos levar ao Cinema mais uma vez e fazer História.