Crítica: Top Gun: Maverick
Crítica: Top Gun: Maverick
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Crítica: Top Gun: Maverick

Top Gun: Maverick

Direção: Joseph Kosinski
Roteiro: Ehren Kruger, Eric Warren Singer, Christopher McQuarrie
Elenco: Tom Cruise, ,Val Kilmer , Miles Teller, Jennifer Connelly, Bashir Salahuddin, Jon Hamm, Charles Parnell
Sinopse: Na sequência de Top Gun: Ases Indomáveis, acompanhamos a história de Pete “Maverick” Mitchell (Tom Cruise), um piloto à moda antiga da Marinha que coleciona muitas condecorações, medalhas de combate e grande reconhecimento pela quantidade de aviões inimigos abatidos nos últimos 30 anos. Entretanto, nada disso foi suficiente para sua carreira decolar, visto que ele deixou de ser um capitão e tornou-se um instrutor. A explicação para esse declínio é simples: Ele continua sendo o mesmo piloto rebelde de sempre, que não hesita em romper os limites e desafiar a morte. Nesta nova aventura, Maverick precisa provar que o fator humano ainda é fundamental no mundo contemporâneo das guerras tecnológicas.

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Algo comum nos reboots disfarçados de sequências das franquias clássicas que trazem personagens icônicos – os chamados “personagens de legado” – décadas depois do último capítulo, são os comentários sobre como eles estão envelhecendo. Existe um prazer dos realizadores e público pela nostalgia extraída da presença desses atores, agora mais velhos, repetindo as dinâmicas e situações que tornaram seus personagens marcantes. Entre algumas das jornadas particulares desses personagens nessa narrativa maior, eles podem  procurar recuperar o “mojo” perdido dos tempos áureos, fazer as pazes com o tempo que finalmente os alcançou, ou abrir caminho na passagem de bastão para um elenco mais jovem (frequentemente representantes dos mesmos arquétipos que os personagens do legado) que tocará a franquia daqui em diante, como acontece com Star Wars – O Despertar da Força, e Caça-Fantasmas – Mais Além, para citar exemplos mais famosos.

Essa dinâmica não funcionaria em “Top Gun: Maverick“, sequência do clássico de Tony Scott que chega quase 35 após o original. Como poderia? Com quase 60 anos, Tom Cruise parece pelo menos 20 anos mais jovem, com físico e vitalidade invejáveis. Assim, quando um colega diz para Pete ‘Maverick’ Mitchell (Cruise), nos minutos iniciais da projeção, que não gosta da cara que Maverick está fazendo antes de um arriscado teste que o piloto fará em um dos caças, e o protagonista responde: “é a única que eu tenho”, não temos apenas Maverick comentando sobre sua expressão facial, mas sim Tom Cruise e o diretor Joseph Kosinski (Tron – O Legado, Oblivion) comentando sobre a condição cada vez mais sobre-humana do ator dentro e fora das telas e sua rejeição ao envelhecimento, como evidenciado por sua obsessão em rejeitar dublês e fazer suas próprias cenas de ação, cada vez mais absurdas e desafiadoras. Se passaram 35 anos, mas a cara de Cruise se recusa a verdadeiramente mudar.

Abordar essa condição é essencial para que “Top Gun: Maverick” funcione, já que o enredo do filme é semelhante ao primeiro até mesmo nos coadjuvantes e as situações aqui retratadas. Em seu retorno ao programa Top Gun, Mitch tem a missão de treinar um grupo dos melhores pilotos, um deles Rooster (Miles Teller), o filho de seu falecido amigo e wingman Goose. Entre os momentos que recriam  o filme de 86, temos o volleyball na praia (desta vez futebol americano), o passeio de moto com os jatos ao fundo embalados ao som de Danger Zone, de Kenny Loggins, culminando na própria aparência de Rooster – imagem escarrada do pai – performando Great Balls of Fire no piano. O que difere essa incursões feitas aqui de um mero exercício saudosista, e faz valer a palavra nostalgia em seu sentido puro, é justamente a melancolia extraída, na função narrativa que faz ao protagonista intra-filme: Maverick permanece o mesmo e assiste replicações de eventos passados como num purgatório, ou alguma simulação semelhante àquelas de outra produção de Cruise, “No Limite do Amanhã”.

Esse acerto de contas com o passado insinua a já mencionada história de passagem de bastão, mas ao final de Maverick, a sensação é a de que Cruise pega a franquia cada vez mais para si em seu evidente protagonismo. Se em Missão Impossível – Protocolo Fantasma – um momento na carreira de Cruise mais incerto em relação ao seu star power – o plano era que Ethan Hunt fosse substituído pelo personagem de Jeremy Renner antes que o ator reivindicasse seu protagonismo como astro, em “Top Gun: Maverick” não existe essa possibilidade.

O estilo que o saudoso Tony Scott imprimia no Top Gun original, junto da dinâmica entre os carismáticos Val Kilmer e tom Cruise, tornava o que deveria ser um comercial cínico para alistamento na marinha em uma obra de valor cinematográfico digno, pop, romântico (não apenas no subtexto homoerótico do embate entre Iceman e Maverick) e brega. Seria difícil remover essa  breguice de “Top Gun: Maverick” porque ela está ligada quase que inerentemente na premissa – machões que medem seus paus enquanto dizem frases de efeito e fazem todo o trabalho no treinamento de jatos soar como uma fraternidade descolada de faculdade. No entanto, no que diz respeito a direção de Kosinski, existe um claro divórcio dessa breguice, e isso funciona pelo contraste. Os flashbacks do filme original adquirem então um caráter de sonho febril por parte do protagonista, no qual a estilização daquele filme parece fruto da mente nostálgica do personagem de Cruise.

Crítica: Top Gun: Maverick

O diretor espertamente esconde, como o filme original, a nacionalidade dos “vilões” presentes nos caças inimigos, aqui meros npcs de video-game. Ao fazê-lo, ele torna o conflito mais sobre a relação dos mocinhos e impede o filme de entrar num território político já problemático que só faria mal ao seu filme – não mais presente no universo dos sonhos masculino que Scott promovia. Assim, os antagonismos parecem vir mais das relações entre a burocracia dos militares que deveriam representar o mundo velho ( os personagens de John Hamm e Ed Harris) contra o espírito indomável da juventude, e que Cruise ainda represente esse ideal do rebelde é até cômico, mas diz muito sobre seu personagem e a jornada vivida por ele aqui.

Enquanto a condição das sequências-reboots é replicar os roteiros dos filmes originais e tentar disfarçá-los para que pareçam novidade, “Top Gun: Maverick” se despe dessa ilusão e repete as situações e coadjuvantes como simulacros de um dia da marmota na vida do protagonista, que possui a oportunidade de reviver esses momentos através dos olhos de Rooster ou de uma nova chance com uma paixão do passado (Jennifer Connely) e corrigi-los. Se o grande clímax final se estende, o que impede ele de ser cansativo é a adrenalina que Kosinski consegue extrair das sequências de ação, realistas e empolgantes.

No entanto, não há sequência de ação que represente clímax maior do que o reencontro de Iceman (Kilmer) e Maverick, não por algum tipo de fanservice oriundo da reunião, mas sim pelo tom de acerto de contas do próprio tempo com protagonista: debilitado por um terrível câncer de garganta na vida real – que é adotada  de forma respeitosa pelo filme, Kilmer parece o único agente do tempo em “Top Gun: Maverick”, o único elemento do filme onde o envelhecimento é sentido; o fantasma do natal passado na vida de Maverick e sua história de protagonista imutável, da cara que não muda, repetindo as glórias passadas no seu playground e purgatório pessoal enquanto permanece condenado a ser o homem perfeito.

  • Nota
4

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