Crítica: Perlimps
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Crítica: Perlimps

Perlimps – Ficha técnica:

Direção: Alê Abreu
Roteiro: Alê Abreu
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 9 de fevereiro de 2023
Sinopse: A animação brasileira mostra a jornada de aventura e fantasia de Claé e Bruô, agentes secretos de reinos rivais. A dupla precisa superar suas diferenças e unir forças para encontrar os Perlimps, criaturas misteriosas capazes de encontrar um caminho para a paz em tempos de guerra.
Elenco: Giulia Benite, Lorenzo Tarantelli, Stênio Garcia.

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Há algo de sofisticado na narrativa pueril de Perlimps, novo filme de Alê Abreu (O Menino e o Mundo): a história não subestima o espectador (mesmo de idade tenra) e deixa para que a imaginação complete algumas das lacunas, enquanto outras podem ser completadas pela interpretação. Em tempos de obviedades “tiktokeáveis”, há de se valorizar o feito.

Com um visual que mostra a marca do diretor com a animação, solidificada no filme anterior indicado ao Oscar, Perlimps se diferencia por apostar mais na abstração e em imagens quase oníricas, indo em direção contrária ao detalhismo das paisagens de “O Menino e o Mundo”. O uso de sombras e a aplicação de luz nos personagens contribui para além da beleza da animação: amplia a sensação de fábula e magia que o filme evoca. E as cenas com planos abertos, nos quais vemos um personagem pequeno em meio a um conjunto plasticamente belo de cores e pinceladas, contribuem para evocar a sensação de amplidão do ambiente e da solidão enfrentada pelos protagonistas.

Apesar de iniciar com uma sequência de luzes que podem incomodar os fotossensíveis, o filme se inicia quase “in media res” logo após uma introdução do narrador. Aos poucos, ouvimos falar dos reinos da Lua e do Sol, mas a origem deles fica em segundo plano para que possamos acompanhar a simples e eficiente trama de busca pelos seres que podem salvar o bosque. Enquanto muitas animações voltadas ao público infantil não hesitariam em explicar detalhes do universo mostrado, Perlimps se apoia no mistério como algo a aumentar o encanto da história: é o desejo de compreender mais sobre aquela realidade apresentada que nos mantém intrigados e reflexivos sobre o desbravar gradativo daquele ambiente.

Vale destacar um fator importante que Perlimps traz de forma sutil: a pouca ênfase no gênero dos personagens. Com exceção do sábio com voz de Stênio Garcia, os protagonistas são interpretados por Giulia Benite e Lorenzo Tarantelli de forma a tornar pouco discernível o gênero, o que ajuda na internacionalização do filme (já que lua e sol são palavras que mudam de gênero conforme o idioma), além de confrontar o binarismo. Essa internacionalização é a explicação que encontro, inclusive, para o título do filme, que me parece uma tentativa de ser comercialmente viável a plateias de línguas anglo-saxônicas.

E se a trama não subestima o espectador infantil, ela também surpreende o adulto que espera por uma resolução simples ou tradicional. Mas o fato é que o “plot twist” nos minutos finais gera impacto exatamente porque, além de surpreender, nos leva a diferentes interpretações. E mais do que isso: permite uma reflexão que pode ser até mais profunda do que aparenta – sobre a origem da história que vimos e sobre as questões que envolvem os impactos ambientais e sociais.

Desta forma, o espectador se surpreende com o caminho da mensagem socioambiental. Oras, seria muita ingenuidade, em meio aos efeitos do aquecimento global e das crises migratórias, achar que as vitórias sobre os “vilões” viriam apenas por meio da força de vontade e do convencimento em uma “batalha final”. Isso não é e nem será possível. E dizer o contrário seria desrespeitoso com qualquer criança que herdará o nosso planeta.

Mas é verdade que cada um de nós tem o poder de ser um espião infiltrado. Talvez cada criança nesse mundo seja um perlimp. Espero que cumpram a missão.

  • Nota
4

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