Crítica: Bamboo Doll of Echizen (1963)
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Crítica: Bamboo Doll of Echizen (1963)

A boneca de bambu é a “criação”, cria aquele que sente e se abstém do dia aquele que perde. A boneca é feminina assim como as mães, manipular cada detalhe do objeto artesanal, originado a partir do bambu, é perdurar o carinho e conforto materno, no mesmo tempo que o manuseio representa, também, um atraso do despertar. Crescer é a dádiva e maldição do ser.

Baseado em um romance de Tsutomu Mizukami, Bamboo Doll of Echizen (1963) conta a história de um excelente artesão que, após a morte do pai, se apaixona pela prostituta dele. Com uma narrativa que vai do belo ao psicológico em questão de segundos, essa união representa uma busca pela metáfora do cuidado, o relacionamento simboliza a tentativa desesperada de amparo emocional e sintetiza a insegurança do homem em enfrentar a vida sozinho, ainda mais, sua inerência ao amor materno como fonte de confiança.

O título do filme aparece justamente quando uma mão habilidosa lida cuidadosamente com bambus e os transforma em artes a serem vendidas. O trabalho manual é desenvolvido como forma de enraizamento com a terra e entrega emocional à uma atividade que exige muita concentração. A habilidade em criar não é a mesma em enfrentar a realidade, como se o artesanato fosse uma distopia onde as mãos e o exílio bastam.

O diretor Kôzaburô Yoshimura, cujo filme mais conhecido é o clássico The Ball at The Anjo House (1947) dedica-se a filmar com uma câmera estática, aproximando o espectador das condições, decisões e sentimentos dos personagens diante às situações e consequências. A fotografia monocromática é perfeita e a paisagem interiorana tomada pela neve ressalta constantemente o espírito da obra.

No primeiro ato temos a poesia da busca incansável por uma mulher sem nome, tema de grandes obras literárias e intrínseca nos corações mais apaixonados. O comum é quebrado quando o romantismo dá espaços para a desestruturação emocional do protagonista. O amor começa a ser manchado com uma tinta preta, cujas propriedades são extremamente profundas e irrecuperáveis. A procura pela mulher é, todavia, a tentativa de encontrar o pai, a condição de ser adulto e ciente.

Alguns quadros aprisionam os personagens, a casa que era confortável, passa a ser incômoda, pressiona-os por conta da incomunicabilidade dos corpos, ainda que exista um sentimento entre o casal, o toque é ausente, diferentemente das mãos que tratam o bambu com tamanha devoção ao ponto de transformá-lo em uma linda cesta.

A  trilha soturna contextualiza e prepara o espectador para a transição do segundo para o terceiro ato, algo bem interessante é a inversão da importância dos personagens, onde Tamae, a gueixa, conquista o protagonismo, o que acrescenta ainda mais camadas dramáticas pois temas como aborto, infidelidade e abandono passam a ser trabalhados ao passo que o brilhantismo da atriz Ayako Wakao ofusca e transcende a obra.

Ayako Wakao merece um comentário à parte, visto que sua trajetória cinematográfica é simplesmente inesquecível, tendo atuado em mais de cento e sessenta filmes. Obras como Hanaoka Seishuu no Tsuma (1967), Akai Tenshi (1966) e Tsuma Wa Kokuhaku Suru (1961) comprovam não só o talento singular da atriz, como a sua beleza estonteante. Em Bamboo Doll of Echizen (1963) sua performance é necessária, caminha lado a lado com a proposta narrativa e filosófica, sua presença desabrocha “o ser mulher” em uma década de completa dificuldade, a feminilidade entre o sexo e o maternal, o cuidado e a carência, a dicotomia entre o sexo por sobrevivência e por prazer. Uma das atrizes mais inesquecíveis do cinema japonês que, aqui, realiza o seu melhor trabalho.

O conflito mental ocasionado, principalmente, pelo luto e desprendimento do amparo familiar, desencadeia uma série de eventos e atitudes inconscientemente desrespeitosas. As consequências do abuso são profundas, elementos como a carência e aborto mostrados de forma petrificante, nesse verdadeiro clássico nipônico que possui como maior relevância a discussão de diversos dilemas sociais pesados e que não se acovarda em nenhum momento frente a eles. A palavra nunca está só e o significado se perde em meio à pluralidade de sentimentos provocados.

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