Crítica: Paloma
Paloma – Ficha técnica:
Direção: Marcelo Gomes
Roteiro: Marcelo Gomes, Armando Praça e Gustavo Campos
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 10 de novembro de 2022
Sinopse: Paloma é uma mulher trans que está decidida a realizar seu maior sonho: um casamento tradicional, na igreja, com o seu namorado Zé. Ela trabalha duro como agricultora numa plantação de mamão, e está economizando para pagar a festa. A recusa do padre em aceitar seu pedido obrigará Paloma a enfrentar a sociedade rural. Ela sofre violência, traição, preconceito e injustiça, mas nada abala sua fé.
Elenco: Kika Sena, Ridson Reis, Zé Maria, Suzy Lopes, Ana Marinho, Samya de Lavor, Wescla Vasconcellos, Patrícia Dawson, Nash Laila, Márcio Flecher, Buda Lira, Anita de Souza Macedo.
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Ainda na primeira metade de “Paloma”, um plano abertíssimo da paisagem mostra a protagonista pequenina em meio ao cenário. Ao fundo, vemos uma queimada. Ela segue em frente, mas é possível sentir que há muita opressão ao redor da personagem-título.
O novo filme de Marcelo Gomes (do jovem clássico ‘Cinema, Aspirinas e Urubus’) é eficaz em mostrar como Paloma é uma sonhadora que tenta nunca se abalar com as “pequenas” violências que sofre no dia a dia. Os comentários que ouvimos, oriundos de fora do quadro, não abalam o otimismo da mulher trans que sonha em se casar na igreja com seu parceiro.
Kika Sena é eficiente em mostrar o quanto sua personagem está apaixonada, e o quanto acredita que é possível conquistar seus sonhos. Sua inocência é evidente tanto nas brincadeiras com a filha quanto na carta que escreve ao Papa em busca de aprovação para seu casamento.
Mas Marcelo Gomes não infantiliza Paloma em momento algum: ainda que sonhadora, a protagonista é também realista e sabe enfrentar as dificuldades. Junto com a trilha sonora incidental e as ótimas canções que acompanham tantas cenas – que se alinham à construção dessa aura sonhadora – acompanhamos essa situação em que os sonhos parecem possíveis, ainda que a opressão se apresente ao redor.
Quando a opressão surge, ela continua vindo por meio de sons, das margens da tela – como o chefe da fazenda onde ela trabalha, nunca centralizado. A violência continua surgindo na vida de Paloma como predadores a circundar a presa, mas no terceiro ato ela realmente causa danos.
A eficiência de “Paloma” está nessa construção gradativa das ameaças. Acreditamos que seus sonhos são possíveis porque vemos sua resiliência. Acreditamos no final feliz e somos desmontados quando vemos o que acontece.
Mesmo assim, o filme não cai no perfil de tragédia com pessoas LGBTQIA+, visto que Paloma reage, mostra sua força e, acima de tudo, demonstra sua resiliência e capacidade de ser feliz, em uma visão otimista (apesar de tudo) bastante presente no cinema de Marcelo Gomes. A música que toca ao final é um grande símbolo disso.
Baseado em fatos, “Paloma” é realista sem ser pessimista. Mostra uma realidade difícil, ainda que doce, e não se furta de evidenciar as contradições na vida da protagonista. Com personagens fortes e marcantes, o filme se torna marcantes especialmente pelo gosto de esperança que deixa no espectador.