House of The Dragon: como nascem séries-evento
Artigo

House of The Dragon: como nascem séries-evento na era das séries fast-food?

Tentar replicar um sucesso como Game of Thrones não é fácil. Suceder o que foi inédito, quebrou tantos recordes e fez história é uma tarefa que poucos encarariam, e menos ainda seriam aqueles que obteriam sucesso nessa empreitada. Pois, para em um mar de lançamentos semanais (em alguns casos até diários), diferentes plataformas de streamings, espaço e público suficiente para as mais diversificadas produções possíveis, continuar uma história que já foi vista esperando o mesmo fenômeno que outrora fora a sua antecessora seria, para dizer o mínimo, uma loucura. Uma expectativa totalmente fora da realidade. Um feito muito incomum.

No entanto, ainda assim, a HBO o fez. A Casa do Dragão, desde o primeiro episódio, foi uma onda avassaladora nesse mar da mesmice, quebrou recordes de audiência e, religiosamente, fez parte dos nossos domingos. Virou, como sua antecessora, uma série-evento, daquelas que detém da rara força de provocar discussões semanais sem perder a empolgação, até o lançamento do próximo episódio. Figurou nos trending topics, foi meme, conteúdo e entretenimento por um pouco mais de um mês e, em mim, reacendeu uma pergunta muito óbvia e também muito antiga, mas cuja resposta é mais complexa do que parece: no meio de tantas séries fast-food, o que fez de Casa do Dragão um sucesso fora da curva?

O que pode ter feito uma prequel de uma série, que por sinal teve um dos finais mais criticados de séries da televisão, até chegar a tropeçar, mas não perder sua força em nenhum momento? Falar que o sucesso de Casa do Dragão se deve ao universo criado pela sua antecessora não apenas não é suficiente como é, ao meu ver, um argumento pouco sustentável que não leva em conta a enorme gama de fãs novos que angariou. Seria, ainda, ignorar que o sucesso em redes sociais como o Tik Tok e o Twitter, se deve muito a toda uma geração mais jovem de fãs que não acompanharam a guerra dos tronos, mas se encantaram pela dança dos dragões. 

A verdade é que a história da família Targaryen fez surgir um novo momento, onde os paradigmas que antigos fãs de Game Of Thrones buscavam não faziam mais sentido e onde a ação, antes uma máxima de sua antecessora, não era mais o fator principal na elaboração de uma narrativa convincente e viciante. Com uma temporada praticamente nula de grandes batalhas, a prequel escolheu por, durante dez episódios, apostar em um traço que Game of Thrones já tinha, mas não explorava com a mesma intensidade (nem com a mesma excelência): seu viés novelesco.

Infelizmente, ainda é comum que a palavra “novela” seja utilizada de forma pejorativa, para se referir a produções caricaturadas, um tanto “cafonas” ou clichês. No entanto, telenovelas possuem em seu DNA a destreza inigualável de atrair grandes públicos com temas de fácil identificação como amor, traição, ambição e poder. A história pode ser tão simples quanto o maniqueísmo que existe na clássica trama do herói contra o vilão, do bem contra o mal, e ainda continuar inédita e empolgante. O que realmente irá prender o espectador, do início ao fim, é a forma como isso é trabalhado.

A prequel abraçou a ideia de se apresentar como um grande “novelão” o melhor que podia e, através de um roteiro bem escrito, o qual trabalhou muito bem a motivação de seus personagens, e uma direção impecável, a qual permitiu que enxergássemos isto e criou tensão a partir dessa motivação, praticamente obrigou os espectadores a fazerem vista grossa para falhas grotescas de CGI, saltos temporais confusos e cenas tão escuras que tornaram impossível o ato de enxergar. Ao investir tudo que tinha no potencial dramático que sabia que sua história guardava, foi criada uma trama difícil de se ignorar.

Ainda em seu primeiro episódio, apesar da grande audiência, a série teve um primeiro momento mediano, com uma apresentação bastante elementar de seus personagens, e precisou utilizar algumas vezes do famoso fan service para gerar assunto nas redes. Continuou engatinhando durante seus primeiros três episódios, nos quais insistiu apostando em uma construção básica dos seus protagonistas, mantendo seus espectadores somente pela curiosidade e expectativa de maior desenvolvimento.

Contudo, já pelo quarto e quinto episódios, acontecimentos interessantes começaram a ganhar vida. Os personagens antes trabalhados de forma superficial começam a se tornar mais densos, dando a sensação de que os conhecemos em seu íntimo. A partir disso, as motivações são melhor compreendidas, a política faz parte dos diálogos como a protagonista das situações de interação social entre os personagens e a batalha entre o time verde e o time preto irá se tornar mais visível. Essa cisão que separa a série em dois núcleos é a grande essência de Casa do Dragão, que irá se repetir dali até seu final grandioso.

Da metade em diante, a série deslancha e cria um vínculo muito mais forte com o espectador. É nesse momento o sentimento de “torcida” que fazia parte dos fãs, porém estava em um estado adormecido desde Game of Thrones é resgatado. A partir desse momento, A Casa do Dragão prova que também sabe fazer o espectador vibrar, por amar ou odiar personagens e situações, mesmo sendo bastante diferente de sua antecessora. É quando o fator novelesco se consolida e a linguagem, mais próxima da telenovela que nunca, mostra todo seu potencial e qualidade. 

Além deste fator novelesco que creio ter sido decisivo, um outro motivo que pode explicar o estrondoso sucesso está na escolha acertada de repetir a frequência semanal que tinha GoT. Em um mundo onde as séries são feitas para virarem o assunto do fim de semana, depois do binge watching, assistir uma série que não lhe concede imediatamente o botão para o “próximo capítulo” incentiva todos a mantê-la viva em suas mentes até o próximo domingo. Disso, nascem as grandes discussões da internet, as diversas teorias comentadas e a aderência ainda maior dos fãs a esses movimentos de torcida por personagens x e y.

Tendo nascido também de um romance de George R. R. Martin, é importante reconhecer que essas discussões enriquecem o debate sobre a série e qualidade da produção e esse tempo hábil entre uma semana e outra é essencial para isso. Por envolver todo um universo fantástico bastante complexo, com línguas, famílias e mapas próprios, A Casa do Dragão gera discussões muito extensas sobre o futuro dos personagens e, claro, reacende as coincidências e até possíveis incongruências com sua antecessora.

Na contramão de séries como Sandman, à qual faltou a compreensão da importância da frequência semanal por episódio, e de Anéis do Poder, à qual faltou a compreensão da importância da construção de uma maior proximidade do espectador com seus personagens, A Casa do Dragão juntou tudo que faltava às outras e fez exatamente o que uma série nesse século precisa ter para se destacar das demais: total domínio sobre a linguagem da televisão e sobre as redes sociais, e um total conhecimento do seu público-alvo.

Nessa trama, não existe um véu invisível que nos afaste da dor de Rhaenyra como acontece com Galadriel ou Lord Morpheus. É fácil gostar e se identificar com os Targaryen pois são humanos, não são deuses ou elfos. A dor dos personagens dos livros de George Martin nos é exposta como uma ferida aberta e estão ali para serem apontadas, discutidas e compreendidas. Não há distanciamento, não há desvencilhamento, os personagens chegam até nós como são escritos e podemos amá-los ou odiá-los, mas jamais seremos indiferentes.

Pois não basta fazer uma boa série, com um ótimo CGI e uma ótima premissa. É necessário, hoje em dia, que todo o esforço possa ser sustentado por semanas, meses e até mesmo anos após seu lançamento. É preciso que seja lembrada, deixe uma marca.  Para diferenciar a guerra dos tronos da dança dos dragões, foi preciso ir além e até mesmo arriscar soar como tosca, em alguns momentos, para cumprir com seu objetivo. Foi preciso ser exaustivamente comentada, teorizada e reassistida por horas a fio, movimentando conteúdo todos os dias nas redes sociais. Foi preciso ser memorável.

Pois, só assim, mesmo com o lançamento de uma segunda temporada só daqui a dois anos, A Casa do Dragão não deixa dúvidas de que veio para ficar em nossas mentes e nossos corações. No ano que marca um novo momento para o gênero high-fantasy na televisão, não tenhamos dúvidas de que essa série se manterá por muito tempo como seu maior destaque. Anos depois do sucesso absurdo de Game of Thrones, sua prequel veio para quebrar o paradigma e mudar a ideia de que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar pois, dependendo de quem e de onde é executado, provou que não há dificuldade alguma em reproduzi-lo.

Deixe seu comentário