Crítica: Tenho Sonhos Elétricos – 46ª Mostra de São Paulo
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Crítica: Tenho Sonhos Elétricos – 46ª Mostra de São Paulo

Tenho Sonhos Elétricos – Ficha técnica:
Direção: Valentina Maurel
Roteiro: Valetina Maurel
Nacionalidade e Lançamento: Bélgica, França, Costa Rica, 2022 (46ª Mostra de São Paulo)
Sinopse: Eva é uma garota de 16 anos, inquieta e de temperamento forte que vive com sua mãe, sua irmã mais nova e seu gato, mas quer desesperadamente morar com seu pai, de quem é distante. Agarrando-se a ele enquanto seu pai passa por uma segunda adolescência, Eva se equilibra entre a ternura e a sensibilidade da juventude e a dureza do mundo adulto.

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A trama de “Tenho Sonhos Elétricos”, filme costarriquenho de Valentina Maurel, poderia muito bem ser adaptada a um modelo mais comercial e melodramático de “coming-of-age”. Mas que bom que não é.

A adolescente Eva precisa lidar com o pai violento e divorciado enquanto a mãe tenta organizar a casa nova, herdada de uma tia falecida. Pela porta, escondida, ela vê as coisas acontecerem. A câmera de Maurel nos ajuda a sentir o tédio da protagonista.

Assim, com tempo para nos permitir entender os sentimentos de Eva, o filme vai nos levando ao entendimento da complexidade na relação entre a jovem e o pai. Ambos carregam alguma relação com a violência. Se o pai tem alguns surtos de agressividade, a jovem parece carregar o histórico da infância consigo, especialmente ao se relacionar com um amigo de seu pai, mais velho, em uma relação que passa pela projeção da figura paterna.

E se projeção é uma palavra que remete à psicanálise, é porque o filme tem muito da análise do inconsciente. Em diversos momentos, as pessoas contam seus sonhos – e isso inclui, é claro, o momento que intitula o longa. A mãe de Eva tenta compreender os sonhos, buscando significados nas cores e nos temas. O mais importante, no entanto, é como o filme trata os sonhos como desejos inconscientes e formas de se conectar. “Senhei com você, Yelina”, diz uma pixação no muro. A dúvida sobre quem é a mulher de nome incomum se torna um ponto de conexão entre Eva e seu pai.

Assim, mesmo quando estão “rompidos”, quando o desenvolvimento da personagem a leva a um ponto de dar um basta ao relacionamento tóxico com o pai, a “piada interna” permite que os dois se conectem. A atriz Daniela Navarro (seguramente mais velha que sua personagem) faz um trabalho forte e repleto de nuances, e algumas vezes é difícil não ver sua semelhança com Zendaya – talvez mais pela aparência física do que pelas leves semelhanças com a série Euphoria.

“Tenho Sonhos Elétricos” é um mergulho psicanalítico no amadurecimento de uma adolescente cheia de energia acumulada, que precisa encontrar a melhor forma de alçar seu voo, mesmo que seja preciso se machucar tal qual o “pombo”. Ao liberar essas correntes elétricas, Eva precisa saber dosar a abertura da torneira. É só saber disso que o chuveiro estará seguro.

  • Nota
4

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