Crítica(2): Marte Um
Leia também a crítica de Marte Um escrita pela Fabiana Lima.
Direção: Gabriel Martins
Roteiro: Gabriel Martins
Elenco: Rejane Faria, Carlos Francisco, Camilla Damião, Cícero Lucas, Ana Hilário, Russo APR, Dircinha Macedo, Tokinho e Juan Pablo Sorrin.
Sinopse: Uma família de classe média baixa é sonhadora e otimista. Eles sentem a tensão da nova realidade enquanto baixa a poeira política após a eleição de um novo governo. Tércia, a mãe, reinterpreta seu mundo depois de um encontro inesperado. Seu marido Wellington, coloca todas suas esperanças na carreira como jogador de futebol do filho caçula, Deivinho, que sonha em estudar astrofísica e colonizar Marte. Enquanto isso a filha mais velha, Eunice, se apaixona por uma jovem de espírito livre e decide sair de casa.
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Não tem coisa mais bonita na carreira de Gabriel Martins do que a maneira naturalista, íntima e sensível com que ele filma as pessoas. As cenas do começo intercalam as histórias de cada um dos membros da família retratada em Marte Um. Com uma trilha sonora inspirada, acompanhamos Deivinho se encantando pela ciência enquanto Wellington, seu pai, despeja suas expectativas no menino. Enquanto isso, Eunice toma seus primeiros passos da vida adulta e Tércia vive um trauma que afeta sua saúde mental.
Enquanto enfrentam as dificuldades típicas de uma família brasileira de periferia, eles seguem a vida com harmonia familiar e boas relações – com destaque para as conversas entre Eunice e Deivinho sob a belíssima fotografia noturna do filme.
Os comentários políticos vêm do rádio e da TV. O mundo da família de Marte Um é o Brasil sob um novo presidente de direita. É possível até imaginar o voto de cada um deles. O interessante é observar o caminhar de cada um na vida diante da busca por novas perspectivas: todos, no fim das contas, procuram algum caminho de ascensão social.
A atuação sensível e carismática de Rejane Faria preenche a tela sempre que ela está presente. A representação de seus dramas é emocionante porque está no intangível – diferente do que os outros personagens vivem – e tem até mesmo características de anedota: seriam coincidências demais acontecendo em sua vida? Talvez seja apenas a percepção de Tércia, mas os acontecimentos funcionam porque ela também busca algo menos tangível: um propósito ou sentido para sua vida.
Em um país que pouco valoriza a ciência – distanciada ainda mais das populações periféricas e negras – o sonho de Deivinho parece muito distante. A distância entre a Terra e Marte, pelo menos, é resumida em um número exato: mas como calcular a distância a ser percorrida por um adolescente que quer ser astrofísico? Talvez o sonho de Deivinho tenha mais relação com o desejo de ir embora e não precisar voltar, aquele sonho que está ligado ao desencanto com a realidade – tal qual o desejo de Robson em “Deserto Particular”, e de Selma em “No Coração do Mundo”, este último do mesmo diretor (co-dirigido com Maurílio Martins).
A beleza de Marte Um não está apenas na maneira empática com que os personagens são filmados, mas na construção gradativa da expectativa de futuro para os personagens. Com a trilha sonora de aliada, o filme constrói um recorte do nosso país por meio dos sonhos das pessoas.
Marte Um é uma crônica do nosso tempo e do nosso povo. Dessas crônicas que aquecem o coração, mas não sem antes nos inundar de realidade.