Critica: Deserto Particular - Cinem(ação)
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Critica: Deserto Particular

Deserto Particular – Ficha técnica:
Direção: Aly Muritiba
Roteiro: Henrique dos Santos, Aly Muritiba
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 25 de novembro de 2021.
Sinopse: O policial Daniel acaba cometendo um erro que coloca sua carreira e sua honra em risco. Não vendo mais sentido em continuar vivendo em Curitiba, ele parte em busca de Sara, com quem estava se relacionando virtualmente.
Elenco: Antonio Saboia, Pedro Fasanaro, Thomás Aquino, Laila Garin, Cynthia Senek.

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O título do filme aparece na tela depois de uma longa introdução. “Deserto Particular” precisa esperar o momento certo para “começar de vez”. É também o momento em que se inicia a trilha sonora: os acordes que evocam a solidão do protagonista.

O policial Daniel (Antonio Saboia) corre solitário pela gélida Curitiba antes de partir para a ensolarada Sobradinho. Antonio Saboia consegue construir a perfeita linha tênue entre o homem bruto e o filho cuidadoso, e essa linha tênue é explorada ao longo de toda a produção: entre a dureza e a doçura, a terra e a água, o masculino e o feminino.

Daniel segue em busca de Sara, com quem vinha trocando mensagens, quase um relacionamento virtual. Dizer mais do que isso pode estragar a experiência do espectador.

Deserto Particular, de fato, trata dos desertos que nos permeiam: o vazio ao redor dos personagens e o vazio dentro de cada um deles. A vontade de ir embora tem relação com o lugar que nossos corpos ocupam no espaço, e Aly Muritiba (Ferrugem) explora os corpos e suas relações com o ambiente: o corpo esguio de Robson é também, paradoxalmente, o da labuta nos caminhões, e seu rosto de traços oblíquos transmite uma dureza que se contrapõe à harmonia do rosto de Sara. O corpo musculoso de Daniel, que mal cabe na cama, é também engessado por sua conexão com o passado.

Vemos esses corpos sozinhos, cercados de cenários amplos e vazios, seja no meio das ruas, seja à beira dos lagos ou das estradas. As metáforas se conectam: a cidade submersa é também o passado que, mesmo encoberto, estará sempre a nos assombrar. “O que você quer?” “Você é feliz?” “É você quem está se enganando”. Os personagens se questionam, e falam sobre ir embora, sobre libertar-se do gesso que atrapalha os movimentos.

E como é impossível se desvencilhar totalmente do passado para seguir adiante, Deserto Particular volta à linha tênue: ao limite difuso que existe entre a mudança e a volta para casa. Daniel precisa voltar ao lar, que representa sua história: ainda tem assuntos pendentes. Robson pode – e precisa – partir a um novo lugar, mas carregará consigo as histórias de seu avô e de seu corpo, que passará a ocupar novos espaços – quiçá menos opressores.

45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Muritiba afirmou em entrevista que seu filme não é sobre resistência, e sim sobre existência. Em tempos que nos pedem para resistir, precisamos nos lembrar que a vida precisa ser vivida. E “Deserto Particular” fala sobre viver a vida ao mesmo tempo em que questiona e debate a masculinidade e os elementos da vida que nos impedem de sermos o que desejamos.

Quando a câmera “foge” com Sara no banco de trás do carro, vamos juntos com ela e nos afastamos do protagonista, que agora ganha o prefixo “co”. Tal qual uma roupa que se tira lentamente, somos levados a revelações com calma. Tudo vem no “momento certo”, como se os personagens também precisassem de seu tempo para se mostrarem quem realmente são. E se a atuação de Saboia vem sutil como as ondulações de um lago, a ponto de nos fazer acreditar que o episódio de violência foi pontual, a atuação de Pedro Fasanaro vem com uma força contida que simboliza tanto os corpos que convivem com o clima árido quanto aqueles que, na necessidade de se expressar de forma diferente, precisam enfrentar o mundo com mais coragem.

Nesse estudo de personagens, Muritiba precisa nos mostrar a família de Daniel para que possamos refletir sobre o que fez ele se tornar o que é: a vida limitada foi comandada por um pai cujo corpo precisa vestir uma farda para se sentir bem. Precisamos entender o sistema que engessa o protagonista.

Daniel tira o próprio gesso porque precisa transbordar. E mesmo que os personagens possam ficar maiores que suas carcaças, eles permanecem indissolúveis no ambiente, já que nunca deixarão de habitar o mundo no qual estão submersos. Mesmo encontrando a si mesmos, terão a sina de continuarem sempre vagando em seus desertos.

  • Nota
5

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