A História Oficial (1985) e o ressurgimento da extrema-direita na Argentina
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A História Oficial (1985) e o ressurgimento da extrema-direita na Argentina

Essa semana encontrei no catálogo da Netfilix o filme argentino A História Oficial, dirigido por Luis Puenzo e lançado no ano de 1985. O longa foi o primeiro filme latino-americano a ganhar um Oscar e escancarou para o mundo as atrocidades cometidas pelo regime totalitário argentino, além de levantar o debate sobre as ditaduras nos países latinos. E hoje quero falar sobre esse filme que, após mais de 30 anos de sua estreia, se faz necessário como material histórico para nós sul-americanos.

É evidente a guinada ao totalitarismo e ideias retrógradas que os países sul-americanos vêm tomando nos últimos anos. O Brasil tomou as rédeas com um impeachment fajuto, e aos poucos os seus vizinhos foram seguindo caminhos semelhantes, com eleições de presidentes de partidos conservadores e muitas vezes extremistas. Em 2019 as coisas se intensificaram, com uma crise política no Chile e golpe de Estado na Bolívia. E mesmo nos países que as eleições foram vencidas democraticamente começou a se espalhar os ataques contra a imprensa, conservadorismo exacerbado, violência policial, além do ódio as minorias.

Em meio ao caos, a Argentina parecia ter se arrependido de suas escolhas na última eleição e decidiu apostar em Alberto Fernández, ligado ao Kirchnerismo. Entretanto, episódios recentes de ataque a imprensa, contra o isolamento social e pedidos da volta do regime militar chamaram atenção para o crescimento de grupos extremistas de direita na Argentina.

Curiosamente, o país, que sofreu seu último golpe militar entre 1976 e 1983, sempre foi considerado um exemplo na América do Sul por levar a julgamento e punir os militares responsáveis pelos crimes cometidos durante a ditadura militar, além de discutir os males causados pelo regime e fazer memória de suas vítimas.

Se a Argentina, um país que mantém a memória viva, vê o número de extremistas crescerem, o Brasil é o resultado da falta de justiça e de memória. Não vemos apenas pessoas vestindo verde e amarelo pedindo a volta dos militares, mas parte da população elegeu um racista, misógino e defensor de torturador. E novamente temos militares em todos os cantos do governo, sendo coniventes com o genocídio de milhares de brasileiros por conta do novo coronavírus.

E aqui entra o papel do cinema como documento de registro histórico. Assistir A História Oficial atualmente se torna um exercício de memória, e mostra que é preciso sempre discutir e falar sobre as atrocidades do passado, para que jamais esqueçamos. Sem a memória, tendemos a repetir os erros do passado.

Faço aqui um convite para você assistir este belo drama argentino, que narra a história de Alicia (Norma Aleandro) e Roberto (Héctor Alterio), um casal de classe média, que tem uma filha adotada. Professora de história argentina (a grande ironia), Alicia vive completamente alheia à realidade do país. Porém, ao reencontrar uma velha amiga que estava exilada, Alicia começa a suspeitar que os pais biológicos de sua filha são desaparecidos políticos, e que, seu marido pode ser um colaborador do regime. O longa retrata, na figura de Alicia, a alienação e o desconhecimento de parte da sociedade argentina sobre os crimes de tortura e assassinatos cometidos pelos militares.

Mesmo se tratando de uma ficção o filme se tornou uma película histórica, pois inclui várias sequências documentais das primeiras manifestações das Avós da Plaza de Mayo, na frente à Casa Rosada, o Palácio da Presidência, onde exigiam saber sobre seus filhos e netos desaparecidos. Até hoje o número de desaparecidos gera polêmica na Argentina, onde muitos acreditam que se trata de cerca de 30 mil, já o governo aponta que são em torno de 9 mil desaparecidos durante a ditadura.

A História Oficial foi lançada no dia 3 de abril de 1985, mesmo dia de início do julgamento dos primeiros militares. Outro fato interessante é que, no dia 24 de março de 1986, dia da premiação do Oscar, faziam 10 anos que a presidente Isabel Perón era deposta pelos militares. Além do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, o longa venceu o Globo de Ouro, a Palma de Cannes, assim como prêmios em Berlim e Itália.

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