Crítica | Predadores Assassinos
Predadores Assassinos (Crawl)
Ficha técnica
Direção: Alexandre Aja
Roteiro: Michael Rasmussen, Shawn Rasmussen
Elenco: Kaya Scodelario, Barry Pepper, Morfydd Clark, Ross Anderson, Jose Palma
Nacionalidade e Lançamento: EUA, Canadá, Sérvia; 2019 (26 de setembro de 2019 no Brasil)
Sinopse: Quando a Flórida é vítima de um imenso furacão, os tsnunamis levam todos os habitantes a evacuarem o local. Mesmo assim, a jovem Haley (Kaya Scodelario) se recusa a sair de casa enquanto não conseguir resgatar o pai, gravemente ferido. Aos poucos, o nível da água começa a subir, Haley também se fere e tanto ela quanto o pai precisam enfrentar inimigos inesperados: gigantescos crocodilos que chegam com as águas.
O cinema do diretor Alexandre Aja foi sempre pautado por um sadismo que faz jus ao título de Quadrilha de Sádicos (The Hills Have Eyes, 1977), filme que originou seu primeiro trabalho em Hollywood: o ótimo remake Viagem Maldita (2005). Não é coincidência que o cineasta francês também faça parte de uma própria “quadrilha de sádicos” do cinema por ser um dos realizadores de maior destaque – junto a nomes como Gaspar Noé e Pascal Laugier – do New French Extremity, movimento cinematográfico francês surgido no começo dos anos 2000 com filmes transgressores, de uma brutalidade e violência física, psicológica e sexual infligida sobre seus personagens, com controvérsias políticas e sociais que uniam um cinema de arte com o horror e pavimentaram caminho para o torture porn do cinema norte americano de cineastas como Eli Roth e sua série de filmes O Albergue, assim como a série Jogos Mortais. A filmografia de Aja é unanime até mesmo em seus desfechos, com “finais felizes” subvertidos pela penitência – ou o presságio da mesma – que insistem em se agarrar aos mesmos, como os fantasmas de seu falho Espelhos do Medo (2008), outro remake do diretor em solo americano.
Essas “brincadeiras” de sadismo continuam em seu mais novo filme, Predadores Assassinos. Nadando de situação em situação cada vez mais impossível (sofrendo e sendo mutilada no processo), a protagonista vivida por Kaya Scodelario é constantemente submetida – junto da audiência – a supostas soluções e finais para o tormento no qual se encontra, apenas para ser frustrada, culminando no ótimo momento – já no terceiro ato – que vem quase como uma piada em sua forma de tortura divina. Os personagens de Aja não estão a salvos nem mesmo da natureza.
Scodelario interpreta Haley, uma jovem nadadora esforçada, mas insegura, que em meio ao surgimento de um furacão na Flórida, dirige até a velha casa de seu pai (Barry Pepper) – numa área evacuada devido aos possíveis tsunamis – para resgatá-lo. Quando chega ao seu destino, no entanto, descobre que o local está infestado por enormes crocodilos, e pai e filha deverão encontrar uma forma de escapar enquanto enfrentam velhos demônios pessoais no processo. Aja e seus roteiristas (Michael Rasmussen, Shawn Rasmussen) são eficazes ao retratar as inseguranças da protagonista de forma econômica e breve logo em seus minutos iniciais, onde a mesma compete na natação e percebemos de início sua decepção com si própria. O resto das exposições vem no meio da ação, em conversas da mesma com seu pai, entre uma tentativa e outra de escapar. Muitas destas sequências de “desabafo” e resoluções de fantasmas familiares inseridas no miolo de Predadores Assassinos soam burocráticas – acompanhadas por notas de piano que impõe um sentimentalismo forçado – porque essa verbalização, essa pausa no meio da ação para a discussão terapêutica não é e nunca foi o foco criativo de seu diretor, e também porque, novamente, Aja trabalha inserido no sistema de filmes de terror hollywoodianos, onde é exigida a verbalização mastigada de tais sentimentos para o espectador mais desatento. Porque para Aja estas questões emocionais sempre foram resolvidas justamente através da dor, da penitência e obstáculos colocados diante de seus pobres protagonistas.
O francês tem sorte, então, de operar desta vez sob as asas de Sam Raimi (da série de filmes Evil Dead, Darkman (1990) e a trilogia Homem-Aranha) como produtor, justamente alguém que entende como poucos cineastas de horror o potencial cômico que pode ser extraído dessa violência, o poder de entreter através do absurdo e de encarar o azar de seus personagens como via de empatia com os mesmos (e seu filme Arraste-me Para o Inferno, de 2009, permanece como uma obra pouco apreciada em sua variada filmografia). É, também, um diretor que já teve que fazer inúmeras concessões em seus projetos de estúdio, tentando conciliar sua veia autoral de estranhezas com sensibilidades mais comerciais. Assim, é curioso notar que, diante da supervisão de Raimi, Alexandre Aja consegue realizar aqui uma junção muito eficaz de um estilo que marcou sua carreira com uma narrativa sem cinismo, com um arco de personagem principal que deve recompensar sua audiência.
Isso é perceptível nas sequências envolvendo o pai da protagonista e o cachorro da família que acompanha a jornada dos dois: com a nossa heroína naturalmente imune ao óbito, tememos por seu pai e o cão, que, na posição de vulnerabilidade que a narrativa exige, constantemente se encontram à beira da morte. Se o destino dos mesmos seria provavelmente mais fatal caso não houvesse as amarras de uma produção de estúdio, a verdade é que tais restrições funcionam para a história como um todo, já que, realmente, Aja tem sua parcela de escolhas narrativas equivocadas durante sua carreira que vêm quase que como uma imaturidade enquanto realizador, a da enorme compulsão por suas influências que sempre sobrepõe a razão enquanto realizador (e isso é estranhamente louvável).
Este sadismo, inclusive, terminaria em si mesmo como em tantas outras produções do tipo caso seu diretor não fosse competente, visto que as brincadeiras do mesmo só funcionam tanto justamente por seu talento em construção de suspense e situações extremamente criativas, com imagens prontamente estilosas e icônicas. Pois Aja sabe do potencial catártico que tais castigos podem proporcionar em seu desenrolar. Desta forma, Predadores Assassinos funciona muito bem como filme de “predador natural”, com construção de suspense eficaz e uma noção do personagem dentro do espaço muito competente quando empregada, algo que só beneficia essa apreensão do inevitável ataque. No mais, as perversões de seu diretor vêm em momentos como aquele em que um grupo de jovens propensos ao ataque pratica, também, algum tipo de perversão, saqueando uma loja e roubando o caixa eletrônico da mesma. Só há um tipo de destino para estes adolescentes, não é mesmo? O diretor se aproveita dessa antecipação, e conta com um design de som eficaz, que transforma os amedrontadores crocodilos (criados através de uma computação gráfica competente) em verdadeiros monstros, com grunhidos assustadores que mais parecem roncos de motor.
Funcionando como um complemento interessante a Águas Rasas de Jaume Collet-Serra (outro autor de nome que parece num patamar acima de Aja como realizador e sua exploração do cinema de gênero), Predadores Assassinos é um dos melhores filmes de seu subgênero aquático – e, de fato, não existem tantos concorrentes de peso – do cinema recente, provando-se como um exercício interessante de seu diretor, mais uma vez diante desse “cinemão de massa”, que o coloca sob restrições que – quem diria – só fizeram bem ao seu cinema de sadismos.
Summary
Sob a tutela do produtor Sam Raimi, o diretor Alexandre Aja realiza em Predadores Assassinos uma mistura interessante de suas características de autor com um cinema hollywoodiano mais palatável, resultando num horror de sobrevivência competente.