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Crítica | Climax

Ficha técnica:
Direção: Gaspar Noé Roteiro: Gaspar Noé
Elenco: Sofia Boutella, Romain Guillermic, Souheila Yacoub, Kiddy Smile, Claude Gajan Maull, Giselle Palmer, Taylor Kastle, Sharleen Temple Nacionalidade e lançamento: França; 2018 (31 de janeiro de 2019 no Brasil)
Sinopse: Um grupo de jovens dançarinos se reúne em uma remota escola vazia para a última noite de ensaio antes do espetáculo. Em comemoração, eles fazem uma festa que dura a noite toda, que se torna um pesadelo alucinante quando os dançarinos descobrem que alguém misturou um potente LSD na sangria que estão bebendo. Da euforia ao caos, paixões, rivalidades e violência em meio a um colapso psicodélico coletivo se transformam em armas para uma verdadeira tragédia.

Climax

“Você desprezou Sozinho Contra Todos, você odiou Irreversível, você detestou Enter The Void e amaldiçoou Love. Agora experimente Climax”. São estes os chamarizes que encabeçam alguns dos materiais de divulgação do mais novo filme de Gaspar Noé, conhecido justamente pela áurea polêmica que paira sobre o cinema do franco-argentino, repleto de violência, sexo, e de temas tabu no geral.

Os diferentes sinônimos para desprezo presentes nestes materiais não são injustificados: a constância na filmografia de mal-estares de Noé são seus personagens odiosos, às vezes por seus atos destrutivos ou apenas por serem humanos, errantes, contraditórios. Como um bom misantropo, no entanto, o cineasta encara os provocantes adjetivos como elogios, dando continuidade a seus registros do caos.

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Nesse sentido, Climax beneficia-se de não possuir a narrativa de fluxo de consciência presente em seu último filme – Love – que, ao nos colocar diante das constantes ideias imaturas e conflitos morais de seu protagonista que vinham numa narração em off por duas horas e quinze minutos, sabotava a própria trama por exaustão. Era, de certa forma, o ápice de uma progressão muito lógica de internalização (pra onde ir, depois que invadimos a mente do protagonista?) vista em seus últimos filmes. Era, também, o auge de seus vícios e narcisismos como autor, que culminava na infame ejaculação direto na câmera – e no alienado “fã-de-cinema-de-arte” – em 3D. Nenhuma metalinguagem era suportável por tantos minutos de masturbação literal e criativa. No entanto, o que se vê em Climax é uma jornada mais linear (excluindo a abertura que começa realmente com o fim do filme, com direito aos “créditos finais” que são exibidos no começo) que acaba por favorecer mais as escolhas criativas do cineasta através do ritmo, como também soa mais maduro, como uma junção efetiva de seu estilo e um enredo que favorece o uso do mesmo.

Climax se passa na França e acompanha um grupo de aproximadamente 20 dançarinos que, após seu último ensaio antes de uma apresentação, decide comemorar, com direito a drogas e muita sangria – esta bebida um personagem à parte. No entanto, quando descobrem que alguém despejou LSD nesta sangria, o caos se instala. O ritmo citado mais acima também funciona, é claro, devido ao próprio enredo que envolve a dança, e as coreografias vistas principalmente em sua abertura hipnotizam, assim como a da própria câmera de Benoít Debie (que fotografou todos os outros filmes de Noe), que passeará pelos cômodos do galpão onde a ação ocorre com fluidez, à procura das atrocidades que aguardam seus personagens ao decorrer da noite.

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A fuga da internalização vista em Love trás à mente até mesmo Enter the Void, que, com suas sequências em primeira pessoa, tentava materializar as brisas de droga experienciadas por seu protagonista, procurando registrar algo irregistrável, algo que não é tangível. É Climax, então, que acaba sendo o mais sensorial, o mais abstrato em seu registro externo, onde nos é negado o que se passa na mente de seus pobres personagens e portanto nos permite ver apenas suas reações. Causa e efeito. Será mesmo que todos estão drogados? O que, neste descontrole, é efeito colateral das drogas e o que é apenas uma espécie de doença passada através do desespero coletivo? A real é que não isso não importa.

Falando sobre o filme, o cineasta definiu a obra menos como um retrato de efeito de drogas e sim como um retrato da psicose, porque para Noé, o interesse vem no próprio descontrole, numa regressão primal a impulsos já presentes em seus dançarinos. Que forma melhor de desenvolver seus personagens, do que embebedá-los, deixá-los confortáveis e permitir que sejam eles mesmos? Assim, após a introdução numa televisão de tubo nos minutos iniciais – onde os aproximadamente vinte dançarinos se apresentam e se descrevem de forma burocrática e esquecível -, quando os discursos prontos se cessam, é no salão da festa mesmo onde as personalidades se marcam, e podemos acompanhar as embriagadas conversas dos dançarinos – muitas provavelmente improvisadas como de costume na filmografia de seu diretor – sobre etnia, política, sexo e qualquer outro assunto que permita que os julguemos como verdadeiros animais em seus habitats naturais, mais efetivo que qualquer apresentação formal.

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As formalidades iniciais, inclusive, escancaram influências do próprio Noé vistas ao decorrer de Climax. Ao lado do televisor nas quais são exibidas, entre os dvds e livros empilhados nas prateleiras, o que salta a vista é o VHS de Suspiria – clássico do terror dirigido pelo mestre Dario Argento -, que não por acaso é também protagonizado por um grupo de dança e possui uma narrativa onírica, surreal, contada através de paletas de cores primárias fortes. Como naquela produção, o novo filme de Gaspar Noé salta de absurdo para absurdo, se assemelhando realmente ao horror em seu significado mais puro, causando sensações de repulsa com sua crueldade.

Nestas sensações, vemos as regurgitações mais pessoais do diretor e as obsessões problemáticas que vêm com seus filmes e os temas que está proposto a abordar. É sua sangria literal: incesto, aborto, violência e abuso, completo com o chocante destino de uma criança.

Não deixa de ser corajoso que o cineasta exponha pensamentos tão recorrentes, tão controversos e também tão pessoais. Os letreiros que interrompem a narrativa em determinados momentos – sempre presentes na cruel filmografia de seu realizador – não negam a visão do mesmo: “a vida é uma impossibilidade coletiva” e “a morte é uma experiência extraordinária”.

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