Cine PE 2019 | A Hora do Horror chega ao festival em “Guará”
O quarto dia de Cine PE foi um dos mais interessantes: dos cinco curtas-metragens exibidos (“Coleção”, de André Pinto e Henrique Spencer; “Casa Cheia” (PE), de Carlos Nigro; “Vinnilis Frutiferis” (ES), de Victorhugo Passabon Amorim; “Só Sei Que Foi Assim” (SC), de Giovanna Muzel; “Guará” (GO), de Fabricio Cordeiro), três deles eram de Terror. Entre os horrores psicológicos e sociais retratados nos mesmos, um se destacava: a trasheira incorrigível de Fabrício Cordeiro, “Guará.”
Em meio a apresentações dos outros realizadores do gênero na noite, discorrendo prontamente os temas das obras e seus significados, o diretor é econômico e modesto: “Sem muito papinho, é um filme de lobisomem, um filme de monstro que nasceu de uma vontade de filmar o centro de Goiânia de um jeito diferente e de matar pessoas por lá. Obrigado.” diz o diretor para riso dos presentes no Cinema São Luiz.
Tal modéstia pode confundir as percepções sobre o filme do diretor – basicamente um filme de lobisomen em Goiânia -, e subjulgar uma obra de caráter transgressor que surge tão natural que talvez nem venha de forma consciente do diretor, mas presente nas influências que cita, como ao dizer em determinado momento na coletiva nesta sexta (02) – no Hotel Nobile Suites Executive – que uma de suas inspirações tonais era “Robocop”, de Paul Verhoeven – não por acaso um dos cineastas mais provocadores de sua época, com uma forma de enxergar gêneros e suas convenções de forma bem peculiar.
E por falar em convenções, o que se vê aqui são as tradições do Terror (os policiais em momento de guarda baixa e distração, portanto propensos a punição, como dita a “regra” do gênero) inseridas num contexto brasileiro, em Goiânia. A cena em que a criatura sobe no Monumento ao Bandeirante (uma estátua polêmica devido ao suposto caráter histórico de massacres contra o povo indígena por parte do homenageado) – uma imagem poderosa – insere a criatura num contexto brasileiro que cimenta ainda mais este casamento cultural.
Com um aspecto trash visível – a fantasia da criatura é evidentemente falsa -, Cordeiro cimenta, também, um compromisso: se a maioria das produções de baixo orçamento tenta esconder os efeitos precários, o diretor aqui revela – num glorioso plano sequência que causa riso e expressões de interrogação no rosto do espectador de tão absurdo – a criatura em toda sua forma, assumindo o caráter B, selando, mais do que tudo, um voto de confiança, de escapismo com a platéia (uma vez que não há nada para esconder do espectador, por que não temos uma diversão coletiva e aproveitamos a farsa?). É uma obra que preza por desconcertar qualquer ordem visual e da disciplina estética. Imagens de celular pixeladas se intercalam com uma fotografia mal polida.
O encerramento da projeção com “Serafim e Seus Filhos”, de Zezé di Camargo e Luciano apenas ressalta o espírito de “Guará”. Na coletiva, Cordeiro diz que a escolha da música é “também pra honrar a cultura sertaneja”. Ele continua: “Muita gente em Goiânia tem um certo “ranço” – até que a contracultura é o rock – do sertanejo, de que no brasil o sertanejo é algo ruim ou vergonhoso e eu sou totalmente contrário a esse tipo de visão. Havia isso de trazer a música sertaneja muito forte no final como algo de Goiás e que a gente não tem que se envergonhar de maneira alguma.”
O mesmo vale para todo o resto de “Guará”, um trash que não se envergonha de suas intenções e faz pensar muito mais no gênero que muitas obras “classudas”. Uma das surpresas mais gratas do festival.
A 23ª edição do Cine PE chega ao seu quinto dia de exibições nesta sexta-feira (31). As entradas são gratuitas.