Cine PE 2019 | #Procuram-se Mulheres se destaca nas mostras de curtas
Documentário de Rozzi Brasil conquista público na Mostra Competitiva de Curtas Metragens Nacionais
Os curtas do segundo dia de Cine PE 2019 explicitaram um teor político que refletem o conturbado momento do país. Com um presidente e sua corja que incitam cada vez mais ódio contra minorias e mulheres (e, por tanto, validando-o para seus eleitores), o que se viu na noite de “abertura” para os filmes em mostras competitivas foram justamente reflexos diretos deste cenário.
#Procura-se Mulheres foi uma dessas obras. Designer, fotógrafa da Portela (uma das escolas de samba mais prestigiadas do Rio de Janeiro), e agora diretora, a carioca Rozzi Brasil conta, em coletiva realizada nesta quarta (31), no Hotel Nobile Suítes Executive (“QG” do Cine PE), que a produção do filme surgiu de forma quase acidental, quando ficou desempregada. Decidiu se reinventar, e entrou num curso de audiovisual da Portela, em sua comunidade. Mandou seu argumento para o curta ao final do projeto e teve seu edital selecionado. assim nascia #Procura-se Mulheres. Se realizar trabalhos para a Portela e suas rodas de Samba seria uma adição notável a qualquer currículo, com Rozzi – sendo mulher – é diferente.
Assim, o que vemos no documentário #Procura-se Mulheres, na Mostra Competitivas de Curtas Nacionais é um relato de um grupo de mulheres – todas encontradas via internet por Rozzi -, em primeiro lugar, apaixonadas pelo ritmo do Samba, falando sobre o preconceito que sofrem sendo apaixonadas por um gênero musical que tem o machismo enraizado – e normalizado – em sua essência.
“por que que a gente não consegue trabalho, por que eu não consigo trabalho? E aí vem a questão do Samba. Eu vejo talentos absurdos de lindos que aquelas garotas fazem, e mesmo através do filme no set, a gente montou o grupo que virou o “samba das guerreiras”. Ficamos competindo Samba Enredo na portela por 5 semanas, e não contratamos um homem pra cantar pra gente. Nós cantamos. O samba era lindo. E não é pouca coisa. Quem conhece o samba, a portela, sabe disso.”
Rozzi vai além, e discute o próprio cenário feminista que acaba muitas vezes por se cercar de privilégios, ignorando recortes sociais e raciais:
“Não me considero feminista, porque eu acho que feminista é uma característica de toda mulher que nasce no Rio de Janeiro. Ou ela decide ser “perua”, ou ela vai ter que ser feminista para poder ser respeitada.”
“ Não me considero feminista, porque eu acho que feminista é uma característica de toda mulher que nasce no Rio de Janeiro”
“É uma briga cada dia. Eu queria despertar… falar sobre isso. Porque as pessoas vivem num meio, elas são sacrificadas todos os dias, elas são esculachadas todos os dias, elas são inferiorizadas todos os dias, e parece que elas já criaram cascas.”
Assim, quando questionada sobre as intenções de seu curta, Rozzi comenta:
“Eu não queria resolver nada, eu não quer denunciar nada, até porque eu dentro da portela jamais poderia falar mal de samba, tudo é um produto, tudo é um resultado do processo histórico que nós passamos, mas a minha ideia com esse filme é abrir cabeças”
São estas palavras que resumem a intenção de seu primeiro trabalho no audiovisual, de estética e edição por vezes rasteiras, mas com uma força de discurso que transcende todas estas questões. É um misto de indignação, raiva e paixão pelo projeto que germinam protestos como este, que acaba não com martelações didáticas da causa lutada pelas mulheres vistas aqui, mas sim com uma roda destas mulheres fazendo o que elas sabem de melhor: música; com um talento que não vem como pedido por validação – como se elas precisassem se provar -, mas “apenas” como um grupo de artistas incorrigíveis que gosta de fazer Samba.
A 23ª edição do Cine PE chega ao seu terceiro dia de exibições nesta quarta-feira (31). As entradas são gratuitas.