CRÍTICA | Divino Amor: “Quem ama não trai, quem ama divide” - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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CRÍTICA | Divino Amor: “Quem ama não trai, quem ama divide”

O cinema mundial já viu passar pelas telonas diversos filmes que imaginam e projetam o futuro da humanidade. O homem ao longe de sua história sempre buscou prever o futuro e o cinema tem ajudado a criar esse universo com carros voadores, robôs ou até mesmo caos e destruição.

Mas como seria uma sociedade onde a grande maioria é evangélica, a moral e os valores cristãos aplicados à risca, o governo se diz laico, mas segue os princípios religiosos e o carnaval deixou de existir, dando lugar à festa do “amor supremo”? As pessoas se vestem com modéstia, defendem a família acima de tudo. As igrejas são substituídas por “Drive Thru” onde um pastor te recebe para uma oração. É essa distopia gospel que o novo longa-metragem, do diretor e roteirista Gabriel Mascaro, traz para as telas do cinema.

Divino Amor narra a história de Joana (Dira Paes), uma mulher casada, evangélica e com uma vida exemplar. Escrivã de cartório, ela utiliza de seu cargo para tentar persuadir casais que estão prestes a se divorciar a desistirem da ideia. Dessa forma, ela os convida para participar de um culto religioso chamado “Divino Amor”. Aparentemente tudo normal, algo que vemos nos dias atuais em muitas igrejas, mas as semelhanças param por aí.

Mascaro leva o espectador para um futuro próximo, mas em um Brasil onde os evangélicos realizaram grandes mudanças na sociedade. Se antes o cinema mostrava como era o mundo governado pela Igreja Católica, Mascaro utiliza elementos atuais, como o grande aumento no número de evangélicos no Brasil e a influência da bancada evangélica nas decisões do governo, para retratar uma sociedade distopia e ao mesmo tempo com grandes possibilidades de acontecer.

Em uma sociedade extremamente conservadora todos devem constituir família e preservá-la dentro da fé. No culto do Divino Amor, uma terapia religiosa de reconciliação, Mascaro une o “sagrado e o profano”. As reuniões de casais vão além da oração e chegam à prática de swing. As ações são legitimadas por trechos da primeira carta de Paulo aos Coríntios, capítulo 13: “O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; […] Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” Para reforçar a ideia a história é acompanhada da narrativa de uma criança que em certos momentos repete o mantra: “Quem ama não trai, quem ama divide”.

O filme não é uma sátira, mas uma crítica à sociedade brasileira. Certas situações são tão surreais que levam o espectador a rir. Em Divino Amor, Mascaro é extremamente ousado, trazendo cenas eróticas que impactam, pois se relaciona diretamente com a fé a oração. O filme consegue misturar sexo e religião, muitas vezes postos em extremidades, sem ofender o cristianismo.

Em Divino Amor tudo é feito para um bem maior: manter a família dentro da fé e da fidelidade conjugal. Dessa forma, o prazer deixa de ser visto como algo ruim, mas como um presente de Deus para a preservação da família e da procriação do reino de Deus. É a partir dessas premissas que a trama ganha forma. Joana e seu esposo Danilo (Júlio Machado), vivem o drama de não conseguir ter um filho, a crise no casamento leva o casal a participar do culto.

Gabriel Mascaro entrega um filme futurista de grande qualidade, mas deixa a desejar em alguns aspectos do roteiro. Seus personagens são bem desenvolvidos e Dira Paes é a peça fundamental para o enredo.  Sua grande experiência em atuação unida com o talento de Mascaro faz com que Joana não seja uma personagem evangélica estereotipada, mas uma mulher com personalidade, profundidade e que vive um drama pessoal e familiar. A busca incessante por respostas e uma espiritualidade maior com Deus dão a tonalidade do filme.

Porém o roteiro falha em não apresentar os impactos da insurreição evangélica no estado brasileiro, no governo, nas classes sociais e até mesmo em outras religiões, mesmo que de forma breve para não fugir da trama central. Outro aspecto que incomoda é a repetição de cenas, que inicialmente são marcantes, como o Drive Thru de oração, mas a repetição torna cansativo, fazendo perder o impacto inicial.

Em suma, o saldo é positivo. A direção de fotografia e arte é fundamental e consegue entregar ambientes singulares, belos enquadramentos e sentido a narrativa. O abuso de cores, luzes em neon, características do diretor, dão tom e o clima do filme, que mistura o Sagrado e o Profano, o amor, a religião e o sexo. Divino Amor tem surpreende a cada nova cena, quando você acredita que não tem mais para onde o roteiro fugir, Mascaro entrega um filme polêmico e questionador. 

  • Nota Geral
4

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