Prato Nacional: Alma, Discos e Cordialidade | cinemacao.com
Cinema Nacional

Prato Nacional: Alma, Discos e Cordialidade

Começo hoje uma série que levarei por todo o ano, trazendo MOTIVOS para você consumir mais Cinema Nacional, mas apelo para um formato diferente. Mas por que pratos? Bom, se nossos filmes tivessem a oportunidade que damos para experimentar coisas novas na culinária, certamente seria muito mais explorada, fora que talvez se eu montar direitinho o prato aqui, abra o seu apetite!

Estes MOTIVOS irão te fazer provar dessa nossa gastronomia e também servirá de munição para alvejar os seus coleguinhas e familiares que metem o pau na nossa película, jurando de pé junto que aqui só existe porcaria. Quero provar que nossos sabores vão além do arroz e feijão da Globochanchada. Temos temperos mais fortes que ‘’Candidato Honesto’’ e modos de preparo que vão além de ‘’É Fada!”.

Trarei pratos dos quais você deveria experimentar os seus sabores. Para quem não sabe, estes sabores muitas vezes são tão elaborado quanto dos argentinos, tão profundo quanto dos italianos, tão assustadores quanto dos japoneses, por vezes, melancólicos quanto dos franceses, ganham prêmios e mais prêmios por aí, mesmo sem ter os ingredientes absurdamente caros dos norte-americanos.

Só terão filmaços neste menu que preparei. E a estrutura será a seguinte: A entrada será sempre um true classic, daqueles nomes que fizeram o nosso Cinema repercutir e ganhar força. Depois vamos com o prato principal, sempre algo extremamente gostoso e muitas vezes desconhecido pela massa. E aí encerramos com estas putas sobremesas que tem saído nestes últimos anos, que lutam para conseguir público em meio a tantos blockbusters do Tio Sam.

Hoje o restaurante está temático para você! Hoje o gênero escolhido pela casa é o TERROR.

ENTRADA:

Nosso prato de entrada, tem horário para ser servido e o seu sabor ultrapassa a barreira carnal do que está na panela. É algo que vem da alma!

NA BEIRA DO FOGÃO TEMOS:

    José Mojica Marins, o meu AMADO Zé do Caixão.

INGREDIENTES:

Estamos falando de temperos como:

Ainda criança, receber elogios de um certo artista circense conhecido como Mazzaropi.

Morar por anos em um cinema na Vila Anastácio e crescer assistindo diariamente longas de tudo quanto é lugar do mundo em uma época que isso era impossível.

Antes de alcançar a adolescência, trocar a sua bicicleta por uma 8mm e sem ter uma locação, envenenar aos poucos as galinhas do pai de um amigo no final da rua, até ele ceder o espaço para que começassem as suas primeiras gravações.

Mais velho, sem dinheiro pra rodar o seu longa, genialmente começar a dar aula de interpretação – mesmo sem formação alguma – usando os seus próprios alunos para o casting e o dinheiro de suas mensalidades para comprar rolos de filme.

E é claro, a peça principal para este prato, veio de dentro de um sonho no qual uma criatura bizarra dos confins do Inferno, aparece e arrasta Mojica até a sua própria cova.

MODO DE PREPARO:

Hoje podemos experimentar esta receita e TALVEZ conseguir imitar, mas para época, o seu modo de preparo vinha do futuro. Sim, Mojica se mostrou um chef a frente do seu tempo.

O seu prato vai da simplicidade em criar um sobrenome do protagonista escrevendo Satanás ao contrário, até o uso de efeitos especiais incomparáveis! Das massas de pães para recriar feridas, nas aranhas de verdade para criar tensão e do glitter nos negativos para dar sensação de magia e por aí vai… um criativo raiz.

Leve ao forno com verdadeiras chamas Infernais e crie o primeiro filme de gênero nacional que até hoje após mais de 5 décadas, continua sendo o maior clássico do cinema fantástico brasileiro.

Após esfriar, sirva verdadeira história com tão pouco. Recheado de horror, mesmo enfrentando os cortes e redublagens da Ditadura Militar e a própria falta de estudo, uma vez que o seu inventor mal sabia conjugar plural.

E assim, Mojica dá à luz a um dos personagens mais populares e icônicos do nosso Cinema. Josefel Zanatas o Zé do Caixão.

POR QUE VALE PROVAR??

Porque entrou para história, não só como um pontapé inicial em meio a tantas pessoas gorando e falando que a sua ideia de explorar o terror iria dar errado.

E não só por ser grandioso mesmo sendo tão pequeno, violento da forma mais inocente possível. Mas também porque fala sobre o filho perfeito, algo tão usado em outras obras e mídias.

Porque é toda costurada com niilismo. Como um autor Socrático que era, esbanjava elementos fortes e era comparado a Dostoiévski, Shakeaspeare, Nietzsche e Buñuel, sendo que nem mesmo sabia quem esses caras eram.

Pelo seu conhecimento sobre terror, se tornou tão incrível que deu aula por anos fora do país, através de um pseudônimo mais abrangente: Coffin Joe. Sendo um verdadeiro norte para pessoas como Quentin Tarantino, Tim Burton, Marilyn Manson, Rob Zombie e os Ramones.

Por ser um puta vilão diferente, onde é temido por todos que o conhecem, mas que defende as crianças em perigo.

SABORES:

Macabro. Agoniante. Sádico. Forjado para incomodar.

PRATO PRINCIPAL

O prato principal de hoje tem que ser servido com uma boa música, mas nada de MP3! Tem que ser um bom LP, só assim para acompanhar dignamente os dois sabores fortíssimos que ficarão marcados em seu paladar.

NA BEIRA DO FOGÃO TEMOS:

    Anna Muylaert, mas parece o Alfred Hichcock

INGREDIENTES:

A maioria forte, como:

Se tornar roteirista e diretora no cenário brasileiro, ainda mais sendo uma mulher.

Se tornar um ícone, uma verdadeira figura inspiradora.

Ter trabalhado no misto da psicodelia de um mundo paralelo com o esforço sobrenatural da nossa realidade, também conhecido como: a nossa TV aberta.

Trabalhar em verdadeiras obras mágicas como Mundo da Lua e Castelo Rá Tim Bum.

Ser conhecida mundialmente por outros pratos como Que Horas Ela Volta?

Trabalhar muito bem com humor de situações.

E é claro, escrever com simplicidade do povo brasileiro e muita, mas muita porrada na orelha.

MODO DE PREPARO:

Lembrando se tratar de uma receita feita com carinho e muita loucura.

Começamos batendo a melhor abertura do Cinema Nacional, com um Plano-Sequência e Créditos extremamente criativos.

Ralar meio quilo de plot twist. Mas cuidado, adicionar apenas na hora certa!

Escolher muito bem o elenco. Selecionando atores fresquinhos e outros mais maduros.

Desde uma senhora completamente incrível, uma criança com aquele cheirinho de futura estrela e achar o ator perfeito para o personagem principal.

Misturar um pouco com um ”Q” nerd.

Retratar um pouco dos sabores de São Paulo, como o agito, a rápida evolução entre outras veias de uma grande metrópole.

Retratar ao máximo a classe média e os seus ”problemas” tão particulares.

E terminar com dois dedinhos de um solteirão com síndrome de Peter Pan.

POR QUE VALE PROVAR??

Começando que se leva bem a sério a ideia do Disco do nome, do tema, do trabalho e sonho do personagem. Como um disco tem dois lados. Um longa com lado A e B. São dois filmes diferentes em um só. Incrível a sua arquitetura.

Cenário impecável, imersão diferenciada, você passa dias em alguns minutos ali.

Trilha Sonora caprichada e que também serve como amarra para o seu texto. Fora a participações especiais.

E a desgraça monótona que começamos a trilhar, vai se agravando como uma doença e evolui de uma forma extremamente impactante!

SABORES:

Um misto de inabilidade com os próprios sonhos, maternidade, violência e um equilíbrio bizarro entre o absurdo e o conforto.

Para mais informações da autora, temos a crítica do seu incrível longa mais recente AQUI e um podcast sobre a sua obra AQUI.

SOBREMESA

E é claro que não poderíamos sair sem uma devida sobremesa, gelada e bem vermelha! Preparem-se para experimentar e devorar este prato ítalo-brasileiro.

NA BEIRA DO FOGÃO TEMOS:

    Gabriela Amaral Almeida, um anjo de asas negras.

INGREDIENTES:

Se tornar roteirista e diretora no cenário brasileiro, ainda mais sendo uma mulher.

Graduar-se em Cuba.

Estudar completamente o gênero terror. Não só as almas presas neste véu entre os dois mundos ou os monstros de baixo da cama. Ela chupou o tutano da maldade humana.

Ganhe prêmios como roteirista. E eu to falando internacionalmente.

Chame a atenção de pessoas tipo Quentin Tarantino.

Dedique-se e formate uma linha de trabalho. Arquitete cada detalhe de suas personagens no papel, mas trabalhe junto aos atores para extrair o máximo possível de cada um.

Inove. Traga o formato Giallo para a cultura fílmica brasileira.

Conquiste uma crítica do seu prato pelo especialistas do Cinem(Ação) e vai além, ganhando ainda uma entrevista e um podcast inteiro só pra si.

MODO DE PREPARO:

Hora de montar!

Pegue a ideia do prato que nasceu de um fato real e o alimente com combustível criativo.

No liquidificador jogue uma opinião forte, violência bruta, muito impacto e um ótimo timing.

Encharque tudo de críticas ácidas, duras e certeiras.

Derrame política, tesão, consequências, referências, sentimento e mise en scene. Junte uma porção de atores competentes e loucos o bastante para se entregarem ao máximo.

Espalhe em uma travessa de consciência e consistência.

Leve para gelar em uma das melhores cenas sexuais já existentes.

POR QUE VALE PROVAR??

Porque é uma puta crítica.

Porque recorta e apresenta a sujeira da nossa sociedade de uma forma ímpar. Esfrega quase que de forma literal a sua face contra a sujeira de baixo do tapete.

E em cada colherada, aquela sensação que te obriga a repensar se está torcendo para as pessoas certas.

O seu paladar fica louco com as possibilidades e caminhos.

Porque apresenta este formato de slasher italiano para o nosso povo tupiniquim.

Tem uma mistura de calor que vem do tesão, da ação e da adrenalina, de virar o jogo e o frio da situação, das escolhas, da lâmina, mas principalmente dos seres humanos.

Porque no fundo, é agridoce.

SABORES:

Um filme Nacional com repercussão lá fora, sem incentivo algum, de gênero e feito por uma mulher talentosíssima. Sabores que te forçam a aplaudir de pé.

Para mais informações, temos a entrevista com a diretora AQUI e o podcast sobre o filme com a presença da própria Gabriela AQUI. 

Estou aqui para derrubar o preconceito usando armas verdes e amarelas. Logo, os filmes aqui não terão uma crítica minha e sim a receita! Expondo pontos do tempero, modo de preparo e por que vale a pena provar. E assim como a nossa culinária, cultura e costumes, se encontra um pouquinho de cada parte do planeta em uma mistura cheia de ginga, criatividade e esforço, basicamente o DNA do nosso povo.

A crítica fica por conta de vocês! Convido cada um dos leitores deste artigo para que assista a lista (e se já tenha assistido), venha aqui expor a sua opinião nos comentários!

DELICIE-SE!!!!

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