Mostra SP 2018 | Bia (2.0)
Com boas discussões, dinâmico e completamente atual
Ficha técnica:
Direção: Cristiano Calegari e Lucas Zampieri
Roteiro: Cristiano Calegari e Silvia Sales
Produtor Executivo: Cristiano Calegari
Produtor Associado: Ghilherme Lobo
Preparador de Elenco: Gui Dantas
Diretor de Fotografia: Luiz Felipe Marcondes
Fotógrafo Still: Marwin Reis @clickmjm
Direção de Arte: Kamila França
Trilha Sonora Original: Roberto Prado
Som Direto: Evelyn Santos
Montagem: Leonardo Grecco
Elenco: Maju Souza, Ghilherme Lobo, Olivetti Herrera, Julio Silverio, Ronaldo Lampi, Jali Kiarit, Ana Murari, Leonardo Silva e Gabriela Yagui.
Nacionalidade e lançamento: Brasil, 05 de Dezembro de 2018
Sinopse: Bia, uma jovem garota que passa por problemas para retomar a vida após ter flagrado o namorado com outra, é convidada para fazer parte de uma trupe de palhaços voluntários e se apaixona por Dan, um dos integrantes. Porém, tudo se complica quando ela tem que escolher entre investir em seu novo amor ou estudar na Europa.
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Você irá encontrar muito mais do que descrito nesta sinopse, porque o longa faz questão de fugir do raso. Fazer um filme sobre amor, é saber moldar e lapidar clichês, coisa que a dupla de roteiristas fazem bem. De um tom jovem e atemporal – que fica explícito desde o início – somos servidos por um prato cheio de sabores. Entre risadas e possíveis lágrimas, passamos por uma montanha-russa de emoções sem perder o tom, o que demonstra uma pré-produção assertiva.
Pré esta, que traz um casting tão interessante que liga Bia (2.0) com produtos como: Cora Coralina – Todas as Vidas, Todo Clichê de Amor, Corpo Elétrico, O Outro Lado do Paraíso, Trash – A Esperança Vem do Lixo, As Duas Irenes, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, a novela Sete Vidas e a série 3%.
Cristiano Calegari, principal nome do longa, havia nos concedido uma entrevista meses atrás – você pode conferir aqui – onde podemos saber um pouco mais sobre a trajetória até aqui. Luiz Felipe Marcondes, fotografo de Bia (2.0), administra bem o que quer transpor para tela, não foge muito do básico e não se perde em momento algum. Em duas boas cenas, ele se permite extrapolar e aumenta o nível da obra. A trilha sonora do Roberto Prado parece tímida mas tem personalidade, funciona bem mesmo sem muito destaque, porque se dilui nas cena se transformando em atmosfera.
Quanto aos protagonistas, Bia (2.0) conta com dois bons nomes: Maju Souza como Bia e Ghilherme Lobo como Dan. Ambos com muito potencial e escolhidos a dedo. Gostei bastante de ambas execuções, pois flutuam bem quando necessário e explodem juntos em uma boa cena de exaustão e conflito emocional. Maju foi uma grata surpresa com o papel principal. Virtuosa e entregue a personagem, vive realmente uma menina cheia de sonhos e que passa por problemas amorosos. Gostei bastante, principalmente de algumas de suas cenas não verbalizadas, demonstrando que ela estava muito bem vestida com a personagem e até se soltava mais quando não devia falar, trazendo mais realidade para trama. Uma atriz que ainda vamos ouvir falar muito por aí.
Do outro lado Ghilherme, que também tem algumas cenas com ótimos silêncios, – muito por culpa de seu palhaço mudo na trupe, o Abraço – é tão competente e mágico em transmitir sentimentos e amarrar a trama, que senti falta de ter mais passagens com ele assim. Uma pena. O elogio que faço em cima do Abraço, não diminui o que vi no Dan, apenas foi um relato. Dan é um personagem franco, que não esconde ser sentimental e tem diversas leituras de terceiros pelo que está passando e como teima em agir. Um garoto digno e comum. Isso torna o trabalho do Ghilherme ótimo, pois ele entrega o que lhe foi pedido. O difícil de ter este ponto de vista, é que a maioria das pessoas vão esperar sempre atuações excepcionais como o Leonardo de Quero Voltar Sozinho – assim como fazem com o Eddie Redmayne após tantas indicações – problemas de quem começa a carreira por cima. Temos aqui então outro bom nome para anotar e ficar de olho. Espero sinceramente que ambos continuem no cinema e não se amarrem a players que costumam engessar talentos por aí.
Dentre os personagens coadjuvantes, encontramos diversidade étnica, sexual, social e até mesmo de épocas, o que torna tudo mais saboroso e vivo. Temos personagens como a Naty (Ana Murari) que vai ganhando intimidade com o próprio papel ao decorrer do longa, e outros que não se ajustam a tempo como o Will (Júlio Silvério). Mas os dois grandes destaques ficam por conta de carregar as duas temáticas propostas pelo filme: a comédia fica nas mão hábeis do jovem Fabiba (Leonardo Silva), onde mata no peito a responsabilidade do alívio mais do que cômico e o carrega para todas as cenas, sempre ácido, importuno, com frases bem montadas e trocadilhos bestas – no bom sentido – que amarram sua personagem no tutano da película. E o outro que se destaca, vem da experiência em cima de Miguel Mendes (Olivetti Herrera), pai de Dan, que carrega em seus ombros a parte mais dramática. Com uma dedicação de viver a sua personagem fora do set – como dito por ele mesmo após o filme – e estudar bem a situação que se encontra na história, soube lapidar e entregar bons takes, passando presença de breves instantes a um monólogo.
Duas curiosidades bacanas que ficam por fora do filme em si, mas que fazem parte de sua estrutura, começa pelo fato se tratar de uma obra 100% independente. Apenas investimentos diretos de empresas e pessoas físicas, sem nenhum tipo de auxílio quanto a Leis de Incentivo. O próprio produtor, diretor e roteirista do longa, Cristiano, contou após o filme que não é contra a Lei, muito pelo contrário, acha que este tipo de ação movimenta todo o cenário fílmico nacional, mas em sua palavras: “Optamos pelo ‘dinheiro bom’ porque como produtora recém-criada e diretores/roteiristas estreantes, seria perda de tempo tentar algum edital. Aí já escrevemos pensando no orçamento mais enxuto possível.“, optando por esta captação de verba, pode investir em algo que tivesse a sua assinatura por ser um roteiro muito pessoal.
O outro detalhe fica por conta exatamente de ser tão “pessoal“. Esta história é baseada em fatos reais. Muitas situações e até mesmo personagens, foram inspirados em pessoas que passaram pela vida de ambos os diretores. Particularmente gosto desse tipo de relato fílmico, o ato de transferir coisas para mídia, de contar uma parcela da sua vida com outras pessoas, agregando um punhado de ficção, traz mais humanidade e carisma para quem consome.
Um ponto que prefiro não me aprofundar, para não tirar o foco do trabalho bem realizado aqui – mas que de fato aconteceu de forma amarga – é que ainda em sua pós-produção, o longa foi acusado de plágio por uma relativamente famosa autora nacional – caso queira saber mais sobre, pode clicar aqui – A única coisa que tenho a dizer é: quem acusou vai ficar surpreso da obra não ter nada a ver com o livro, e de quebra, ser melhor.
É um filme leve e bem rápido. Se passa em uma velocidade interessante, o que mostra eficiência na combinação roteiro/montagem. E digo isso, mesmo eu achando que algumas passagens poderiam ser menos afobadas, como o momento da traição ou as rápidas cenas de trupe. Mas aceito porque eu entendo que o público alvo deste longa é de uma geração com mais energia, menos paciência e acostumada a consumir coisas com outra dinâmica. Sendo assim, o que talvez para mim faltou, para eles se encaixará perfeitamente.
Bia (2.0) tem os pés no chão, conhece as suas limitações e trabalha sempre conferindo o que tem na carteira. Trabalhou firme em seu roteiro para não ter que exagerar na produção. Nada pretensioso, entrega o que promete e se torna símbolo em competência. Uma filmagem a quatro mãos, mas nenhuma delas presunçosa, preguiçosa ou ignorante. Foi um trabalho duplo que funciona muito bem nos moldes que estabeleceram. Não é algo visionário, mas sim um grande passo para esses jovens profissionais que assim como a Bia, buscam por seus sonhos e amadurecer.