9 pensamentos esparsos sobre "O Mecanismo" - uma quase crítica
O Mecanismo
Cinema Nacional

9 pensamentos esparsos sobre “O Mecanismo” – uma quase crítica

Tá todo mundo falando sobre a série da Netflix “O Mecanismo”, incluindo o Bruno Sorc, que escreveu uma crítica positiva da série; o Fernando Machado, que escreveu um artigo sobre suas metáforas; e o Braulio Giordano, que fez uma sutil provocação.

Então sinto a necessidade de falar também. Inicialmente, eu pensei em escrever aqueles artigos mais complexos e discorrer sobre narrativa, a política atual, etc. No entanto, como meus pensamentos estão totalmente esparsos, decidi fazer jus a isso e publicar uma lista de observações, opiniões e possíveis reflexões sobre “O Mecanismo”.

 

1- Narração em off

Além de repetir informações e tratar o espectador como um boboca, a voz do Selton Mello resmungando poderia ter sido melhor trabalhada.

 

2- Parece o filme “Polícia Federal”

Não senti muita diferença da série para o longa lançado em 2017. No fim das contas, são resumões simplificados da Operação Lava-Jato (simplificado nem é um problema, o problema é ser simplista). O que mais se assemelha em ambos é o fato de que eles tentam se mostrar isentos demais, reforçando a todo momento que “não tem ideologia” e “todos os partidos” devem ser punidos. O que vemos na prática não é bem isso, já que o processo de realinhamento neoliberal da política econômica do país tem se mostrado mais condescendente com as forças políticas que agradam aos setores mais poderosos da economia. Dito isso, acho que a série consegue pelo menos se colocar como imparcial, especialmente ao mostrar um possível desdobramento da operação (de forma simplista) em uma conversa (teria ocorrido de verdade?) entre o vice-presidente e o senador mineiro (você sabe quem são os da vida real). Ainda assim, ambas as produções parecem preocupadas demais em se mostrarem “isentonas” e preocupadas de menos em promover uma reflexão realmente profunda que vá além daquela que nos faz concluir que a corrupção é endêmica no país (todo mundo sabe disso desde 1500).

 

3- Juiz heroico

O Sérgio Moro da série tem um outro nome, mas todo mundo sabe que é o Sérgio Moro. Ele chega de bicicleta no trabalho, lê quadrinhos antes de dormir e troca a cortina do chuveiro que tem em seu escritório (???). É claro que ninguém espera uma construção narrativa negativa do juiz (mesmo com uma ou duas repetições de que ele é “orgulhoso”, esse defeito tão horrível), mas a forma como isso é feito chega a ser mais extravagante que aquela do filme “Polícia Federal” vivido por Marcelo Serrado. Se tivesse mais uns dois episódios, eu não me surpreenderia em vê-lo resgatando um gatinho indefeso do alto de uma árvore!

 

4- Narrativa que se constrói: “estancar a sangria”

Chegou a hora de “estancar a sangria”, ou melhor, abrir de vez a jugular da polêmica presente nesta série. Será que existe algum problema em mostrar o Lula (que não é o Lula, mas é o Lula) falando sobre “estancar a sangria”? Talvez isso seja uma decisão para fins dramáticos, ainda que ele pudesse ter dito qualquer outra frase no lugar. De qualquer forma, é um posicionamento político claro e transparente dos roteiristas, que criaram um ex-presidente claramente vilanesco – nem tanto quanto o de Ary Fontoura no filme supracitado, é verdade. Por falar no ex-presidente, a série também é clara ao mostrar os últimos ocupantes do cargo da presidência como dois bobocas (me deixe usar esta palavra novamente). Ao fazer isso, a série está tomando uma decisão política clara e ululante.

Aí, chegamos em um debate que se chama “construção de uma narrativa”. Esse debate é complexo e vai muito longe, e há pesquisas acadêmicas que estudam isso. Mas o fato é que esses acontecimentos políticos são sempre narrativas construídas. De um lado, a vontade de “limpar o país da roubalheira de um partido corrupto”. De outro, a “perseguição política a quem tanto fez pela nação”. Na nossa sociedade (e em todas as que existem), o que sempre temos é um “embate de narrativas”: cada um tem sua versão da História e sua forma de enxergar as diferentes verdades (afinal de contas, dividir os acontecimentos na dicotomia entre verdade e mentira é sempre sinal de ingenuidade). No fim das contas, compreender esse embate de narrativas – e saber que as escolhas do roteiro foram feitas com o objetivo de defender uma determinada verdade – nos ajuda muito a olhar para tudo com mais clareza e menos paixão. E não há uma resposta definitiva para nada, sinto informar à sua mente cartesiana desejosa de um simples “sim” ou “não”.

 

5- Pode cancelar a assinatura?

É claro que todo mundo tem o direito de boicotar o que quiser. Deixar de comprar roupas da marca que escraviza pessoas, parar de frequentar o restaurante que sonega imposto e não dar audiência a uma emissora golpista é a escolha de cada um. Estranho é quem se incomoda demais com isso a ponto de fazer ataques gratuitos e ainda alimentar debates que não levam a lugar algum. Assina Netflix quem quiser, cancela quem quiser. E foda-se.

 

6- O tablet e o mural de ligações

Sim: é estranhíssimo que aquela menina fique vendo um vídeo de “fractais” (essa palavra me lembra na mesma hora de Frozen). E o fato de aquilo levar Ruffo a criar um painel de correlações simplistas e óbvias não apenas se mostra uma metáfora fraca (como observou o Fernando), como também soa tão ridículo que bem pode ter sido uma homenagem ao “power point do Ministério Público Federal“. Aliás, mostrar os fractais ao longo de todos os episódios para, no último, chegar àquela conclusão, é um dos piores exemplos de “pista e recompensa” que eu vi nos últimos tempos. Mas o pior de tudo é que ele faz uma correlação muito fraca com o ciclo da corrupção no processo de conserto do esgoto – que, aliás, faz uma homenagem involuntária ao filme O Cheiro do Ralo. O que o personagem do Selton Mello esqueceu de fazer foi de colocar a si mesmo no painel, afinal bastava ele ter esperado as três semanas para consertarem o esgoto da forma burocrática que não haveria corrupção de pessoas ganhando por fora: ou seja, ele mesmo fez parte da corrupção e não considerou a si mesmo no processo – a não ser que isso seja uma metáfora (aí sim seria a única sutil de toda a série) de toda a população brasileira, que adora criticar os políticos e nunca olha para o próprio umbigo.

 

7- Ibrahim saiu melhor que a encomenda

Enrique Diaz é incrível! Carismático, odioso e ao mesmo tempo engraçado, o “Alberto Youssef” da vez é divertido e merecia uma série só para ele. Aliás… fica a dica pra Netflix (se sobrarem assinantes para assistir! risos).

 

8- É preciso cautela

Tem que ser muito boboca (desculpe, não resisti, é a última vez, eu juro) para achar que ver uma série como esta é o suficiente para entender tudo o que aconteceu e vem acontecendo na Operação Lava-Jato e no processo político recente do país. Aliás, eu acredito que a melhor forma de entender isso tudo será com a perspectiva histórica, ou seja, apenas em algumas décadas conseguiremos olhar para trás e compreender melhor a bagunça que vivemos.

 

9- Saudades Tropa de Elite

O último tópico é só isso mesmo. “Hashtag saudades tropa de elite”. Wagner lutando contra o sistema é muito melhor que o Selton lutando contra o mecanismo. Mas mesmo assim, vale a pena ver a série aos que assim desejarem – e quem não quiser, fica tranquilo que não é nada imperdível!

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