Eu Cinéfilo #39: Os Imperdoáveis (1992) - Cinem(ação)
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Eu Cinéfilo #39: Os Imperdoáveis (1992)

Crítica de “Os Imperdoáveis”:

Poucos cineastas vivos têm tanta propriedade para fazer ou falar de um faroeste como Clint Eastwood. Com uma bagagem imensa e de muito sucesso, Clint atuou em faroestes de Sergio Leone, Don Siegel, e dirigiu vários outros posteriormente. Em 1992, finalmente, viria a chave de ouro. Talvez como foi Era Uma Vez no Oeste(1969), de Sergio Leone, Os Imperdoáveis é o filme que estabeleceria toda a estética de Clint Eastwood como diretor no gênero. Sua visão final. E que visão!

Confesso que quando me deitei e apertei o play, imaginei que assistiria a uma obra prima derivada dos Spaghetti Westerns da década de 60. Um protagonista anti-herói calado, um vilão inescrupuloso, muita violência, um duelo final com troca de olhares tensos em ritmo de uma trilha sonora crescente, prevendo a catarse. Resultado? Me surpreendi. Positivamente, claro. Eu amo os Spaghetti Westerns, mas gosto quando vejo algo novo.

Os personagens fogem do velho clichê. O protagonista é um velho desajeitado e que perdeu o tato com as armas; um de seus parceiros é um jovem que ambiciona ser um famoso assassino, mas que é quase cego; o outro, um velho experiente e bom de mira, porém, incapaz de matar; o xerife da cidade é, de início, aparentemente como qualquer outro, mas que com o desenrolar da trama, revela sua face hipócrita, arrogante e inescrupulosa; as prostitutas têm mais importância narrativa, ao invés das comuns inexpressivas e descartáveis dos clássicos.

E é aí, também, onde está um dos pontos mais interessantes do filme. O roteirista David Webb Peoples dialoga com a realidade não só americana, mas de muitos outros países. Brasil, por exemplo. Como? Ora, o xerife da cidade é um homem com discursos patriotas e conservadores, apegado à sua cidade, admito, mas que ao ver os dois brancos que retalharam a face da jovem prostituta amarrados, aceita que os mesmos paguem o dono do estabelecimento com potros, ao invés de os prender e fazer valer sua tão prezada lei. Mais tarde, ao prender o homem negro responsável pela morte desses mesmos homens, o chicoteia com tanta violência que o mata. A população, iludida pela falsa justiça feita pelo xerife, algumas vezes o apoia, outras, mesmo notando seus métodos errados, não faz nada para o impedir. (E é interessante que a última cena do longa seja alguns cidadãos apenas observarem Clint Eastwood indo embora, após matar o xerife e mais 5 homens dentro do bar, simbolizando a impotência da população para lidar com a violência inacabável.)

A direção de Eastwood é segura e pouco falha. Exceto por um erro logo no início, que me incomodou bastante. Para que pôr o letreiro falando sobre o passado do protagonista Willian Manny, se minutos depois, iríamos ficar sabendo de todas aquelas informações através de seu diálogo com o jovem Kid? Eu sempre tive uma certa aversão a letreiros, mesmo que alguns não sejam tão incômodos, mas dessa vez foi completamente sem sentido. Fora este deslize, a direção é ótima. Clint nos presenteia diversas vezes durante a projeção com planos abertos lindíssimos; sempre sutil, com movimentos de câmera e enquadramentos pouco inventivos, o cineasta evita a quebra de invisibilidade do homem por trás das câmeras e nos imerge ainda mais em uma trama intrigante e original.

As atuações são impecáveis de todas as partes. Clint Eastwood interpreta um protagonista atormentado pelos fantasmas de seu violento passado em que, após casar-se, a esposa mudaria sua vida e o tornaria um bom pai de família, antes de a mesma falecer vítima de uma varíola; Jaimz Woolvett é o jovem “Schoofield Kid”, denotando bem sua ambição e o desejo pela fama que o próprio Munny tem; Morgan Freeman é ótimo, como de costume, interpretando o fiel amigo Ned Logan, que apesar de ser conformado com suas raízes violentas, é incapaz de matar um homem; o xerife Little Bill é interpretado pelo ótimo Gene Hackman, que emprega brilhantemente um homem violento, agressivo e até mesmo pior do que aqueles que ele julga serem do pior tipo. Inclusive, o próprio xerife parece acreditar nesse falso discurso.

A fotografia é belíssima! Diversas vezes, como já citado, temos imagens lindas de planos abertos com a natureza de fundo, silhuetas frente ao sol, e até mesmo reflexos de homens cavalgando na corrente de um rio. Numa cena em que Clint Eastwood conversa com a prostituta esfaqueada, o diretor opta, junto com seu diretor de fotografia, por enquadrar os dois juntos, deixando todo o quadro em foco, enquanto conversam. O que me lembrou bastante do que Orson Welles e Gregg Tolland fizeram em Cidadão Kane(1941).

Os Imperdoáveis é a finalização de uma primorosa carreira no gênero. Uma homenagem de Clint Eastwood não só aos Westerns, mas aos seus mestres. Uma mensagem do diretor para os já falecidos, dizendo obrigado pelo que lhe foi ensinado. E é incrível que, após 28 anos de sua entrega aos olofotes mundiais no cenário do western, Clint Eastwood finalmente tenha levado sua tão merecida estatueta. Não como ator, onde também foi indicado, mas como diretor, sendo muito merecido graças ao seu ótimo trabalho e aprendizado com as parcerias do passado.

 

Texto escrito por:

Matheus Rocha

  • Nota
4.6

Resumo

Os personagens fogem do velho clichê. O protagonista é um velho desajeitado e que perdeu o tato com as armas; um de seus parceiros é um jovem que ambiciona ser um famoso assassino, mas que é quase cego; o outro, um velho experiente e bom de mira, porém, incapaz de matar.

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