Crítica: Kong – A Ilha da Caveira
Kong – A Ilha da Caveira, é um filme B de milhões de dólares… e não poderia haver melhor elogio para esta produção.
Ficha técnica:
Direção: Jordan Vogt-Roberts
Roteiro: Dan Gilroy, Max Borenstein, Derek Connolly
Elenco: Tom Hiddleston, Samuel L. Jackson, John Goodman , Brie Larson, Toby Kebbell , John C. Reilly, Jing Tian, John Ortiz, Corey Hawkins, Jason Mitchell
Nacionalidade e lançamento: EUA, 2017 (9 de março de 2017 no Brasil)
Sinopse: Uma diversa equipe de cientistas, soldados e aventureiros se unem para explorar uma ilha mítica e intocada no oceano Pacífico, tão bela quanto perigosa. Longe de tudo e todos que podem os ajudar, a equipe se aventura no território do poderoso Kong, dando início à maior das lutas entre o homem e a natureza. Quando sua missão de descoberta se transforma em uma missão de sobrevivência, a equipe deve lutar para escapar de um paraíso primitivo ao qual a humanidade não pertence.
Em Godzilla, reboot de 2014, o diretor Garret Edwards (Monstros, Rogue One -Uma História de Star Wars) optava por uma abordagem interessante à história de um dos monstros mais clássicos do gênero Tokusatsu, realizando uma obra realista (até onde os filmes de monstros gigantes permitem) e focada no ponto de vista humano. Mesmo que eficiente, aquela obra pecava ao negar à audiência um clímax digno. Partindo da ideia de revelar o monstro do título gradualmente, focando no suspense e nos dramas dos personagens até o inevitável confronto final dos Kaijus (os tais monstros gigantes), o filme implodia por não oferecer personagens e dramas interessantes o suficiente – e pelo embate final não ser tão empolgante assim, no fim das contas. No mais, ressaltavam-se alguns fan-services e uma ou outra referência tímida.
Dito isso, se há algum adjetivo que definitivamente não podemos empregar a Kong- A Ilha da Caveira, segundo filme deste “universo compartilhado de monstros” da Warner/Legendary Pictures, é “tímido”. O longa do diretor Jordan Vogt-Roberts é excessivo, estilizado, e se leva bem menos a sério. Se essas palavras normalmente carregam dúvidas em relação a sua qualidade, é bom ressaltar que aqui elas são positivas, já que, em suas pretensões, Kong acaba funcionando bem mais como filme (e como filme de monstro) do que Godzilla, sendo mais divertido e eventualmente, melhor.
Ajuda o fato de que o filme sabe o que é (basicamente, um filme B de monstro que custa milhões de dólares). Escrita a 3 mãos por Dan Gilroy, Derek Connolly e Max Borenstein (este último também escreveu o roteiro de Godzilla), a história se passa em 1973, e estamos perto do fim da guerra do Vietnã. Acompanhamos Bill Randa (John Goodman) e seu ajudante Houston Brooks (Corey Hawkins), representantes da organização Monarch (sim, a mesma organização que vemos em Godzilla) enquanto eles reúnem uma equipe para ir até a recém descoberta Ilha da Caveira, localizada no oceano Pacífico. A ilha, tão misteriosa quanto bela e mítica, esconde segredos que desafiam suas noções sobre monstros, homens e deuses, e poderá colocar a vida de toda a equipe em perigo. Na equipe, além do grupo de soldados liderados por Preston Packard (Samuel L. Jackson), estão também o mercenário James Conrad (Tom Hiddleston) e a fotógrafa Mason Weaver (Brie Larson).
Não há nada aqui além de referências ao King Kong original de 1933 e suas sequências. Ninguém vai para Nova Iorque; não há confrontos com helicópteros no prédio Empire State. Esta é uma nova abordagem para a mitologia do icônico gorila, que aqui é visto menos como um monstro, e mais como um deus, não só pelas figuras que habitam a narrativa, mas também por Jordan Vogt-Roberts e seu diretor de fotografia Larry Fong (colaborador habitual de Zack Snyder), que constantemente o enquadram em contra-plongées. É um dos grandes triunfos de Kong – Ilha da Caveira: ter consciência de quem é o personagem e de sua influência na cultura pop (há poucos símbolos tão marcantes no cinema clássico americano como a imagem de Kong no prédio Empire State), e criar uma nova mitologia para o mesmo, numa mistura de elementos que consegue trazer algo de novo.
E já que falamos da fotografia de Fong, vale mencionar que ela funciona muito bem nessa proposta de realidade estilizada do filme, já que, altamente exagerada, com suas cores saturadas e de uma certa “artificialidade”, ela separa o filme da audiência, num inteligente desprendimento de compromisso, como se dissesse “é cinema, é diversão, é escapismo”, nos costumes do melhor cinema pulp, inocente e aventuresco que poderiam nos proporcionar. E o cinema pulp vem também nos arquétipos que o filme traz, seja no galã vivido por Hidleston, no grupo de cientistas querendo brincar de deus, ou nos soldados machões. Os roteiristas acertam, então, em subverter parcialmente essas figuras. Hidleston é o galã viril da vez mas também confere um charme de seu lado “lorde britânico” ao seu James Conrad. a Mason Weaver de Brie Larson, mesmo que subdesenvolvida, não é a donzela em perigo como tantas loiras na história de King Kong já foram em seu lugar, e até os cientistas acabam revelando um lado mais próximo ao “herói de ação”, eventualmente.
Aos militares liderados por Samuel L. Jackson, talvez o antagonista principal – e maior caricatura da trama, e ao pesquisador vivido por Goodman, no entanto, o arquétipo prevalece. O que é até necessário na ideia recorrente de “homem vs natureza” vista tantas vezes neste tipo de produção. John C. Reilly merece destaque também, oferecendo uma divertida e carismática performance como um militar que está preso na Ilha da Caveira há mais de 20 anos. Cada uma destas figuras serve mais como ferramenta do roteiro para mover a narrativa do que personagens completamente desenvolvidos de fato (e cada um dos atores cumpre bem a figura que lhes é entregue).
Se a intenção então é se focar nos elementos trash de cinema de monstro, ela é atingida com maestria, seja nos designs das criaturas, nos excelentes efeitos especiais, ou nas empolgantes e grandiosas cenas de ação. Cenas que são filmadas de forma competente, e grande parte desse sucesso é devido a escala de seus monstros. Muito maior que suas outras representações na tela (se Kong escalava o prédio no original, aqui ele é o prédio), o macaco é constantemente filmado em planos abertos, que, além de ressaltar sua escala em relação aos outros seres na ilha – conferindo imponência natural, permite que compreendemos o que ocorre nas cenas de luta.
Com um raso discurso político e ambiental incluído, faltando apenas, para ser literal, o clássico War do Edwin Starr na trilha sonora carregada de músicas pop setentistas (trilha que, com suas ironias, consegue ser bem melhor que a salada de músicas da mesma época empregadas em Esquadrão Suicida, por exemplo), o filme peca apenas nos momentos em que tenta, ironicamente, desenvolver seus personagens, como no inevitável contato entre a “donzela” e Kong. Tirando estes pequenos momentos, é um filme muito honesto com sua proposta.
Em determinado momento de Kong, presenciamos o personagem de Tom Hiddleston com uma máscara de gás, em câmera lenta, cortando, com uma espada samurai, um monstro aleatório, em meio a uma nuvem de gás verde. Tal imagem, estilosa e eficiente por abraçar toda a galhofice absurda de uma vez – com sua salada de referências da cultura pop, representa perfeitamente o tipo de filme que Kong – A Ilha da Caveira é: aquele que respeita o personagem título, reconhece sua história quase que de forma metalinguística, e o restabelece como ícone pop que ele sempre foi, num filme que mistura Apocalypse Now, Jurassic Park e as produções pulp de criaturas gigantes vistas em tantos cinemas drive-in.
No fim das contas, é um filme B de milhões de dólares… e não poderia haver melhor elogio para esta produção.
Resumo
Kong – A Ilha da Caveira respeita o personagem título, reconhece sua história quase que de forma metalinguística, e o restabelece como ícone pop que ele sempre foi, num filme que mistura Apocalypse Now, Jurassic Park e as produções pulp de criaturas gigantes vistas em tantos cinemas drive-in.