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Cine(filo)sofia

“Black Mirror: Nosedive”

Reflexão acerca do episódio primeiro da terceira temporada de Black Mirror.

Há uma solidão no mundo. Mesmo tendo muitos interesses ao nosso redor, tais cuidados, não dizem respeito à felicidade que todos procuram sentir um dia, é como um abraço sem braços, um aperto estando longe. São pequenas as coisas que na verdade fazem sentido. As minúcias, o pouco, o menos, são caracteres que deveriam ser mais valorizados ou olhados com mais calma diante de tanta obscuridade, agilidade e individualismo que nos cercam atualmente.

Há uma falta de consideração e de afeto sincero, o que falta: é tempo. Queremos o que hoje já não dá pra suprimir, já passou o momento daquilo desejado, ficou pra trás, está no passado, o agora virou ontem, estamos angustiados, ansiosos, perenes num marasmo solitário. Há tanta comunicação que não se comunica, há tanto interesse desinteressado e é incessante a procura pelo perfeito, pelo estético belo padronizado que através de camadas define parâmetros na vida humana. Sombrio é o momento vivido onde só há nuvens e sombras ao nosso redor, já que o virtual prevalece sem virtudes, em potência, cuja força ou caminho bamboleia diante da falta do senso de comunidade.  Feliz é aquele quem acessa tal felicidade a cada espasmo ansioso e propulsor, sacia-se o eterno a partir do momentâneo. As vontades e desejos são menores visto que o reflexo de nossos desejos condiz com o modo de vida que levamos: estamos sozinhos num mundo repleto de seduções.

As vontades vivem em conjunto com o mais íntimo do sujeito, mesmo que de certa maneira com preocupações não inteiramente racionais, porém, não irracionais em absoluto. As relações estão se deteriorando, as proximidades cada vez mais longínquas uma das outras, o consumo nascísico da atualidade é reproduzido diariamente, a cada minuto, a cada segundo; a vida, desse modo, deixa de existir e a fantasia real do não-real transborda em êxtase a cada trasmissão superficial no mundo.

A individualidade gera uma gradual despreocupação com uma representação ou sentimento numa escala social, já que as preocupações no âmbito dos desejos, ao passo que se realizam, acabam eles mesmos desejando mais a perpetuação de um ciclo representativo de si mesmos, os quais são frutos de satisfações adquiridas a partir das vontades, pois, cada vez mais, sendo geradoras de um sentir momentâneo que tem uma importância maior na vida do ser-humano do que o próprio sentir em si, ou seja; o desejo estético e minimalista para com todo esse aparato tecnológico e expoente de imagens, ofertas, olhares, tende a se subjetivar. Com isso, o individual toma forma, ganha posses, transparece como único e de maior importância, levando assim, o olhar para si mesmo e não para o outro; não se olha mais para o outro. A tela reflete o espelho perfeito e belo de nossa imagem porque o narciso acha feio o que não é espelho como escreveu Caetano Veloso em Sampa.

Há, portanto, um empobrecimento do ser humano quando ele se fecha para si e para com suas relações de afeto. É como quando sentamos num restaurante para jantar e pedimos a senha do wifi ou observamos que durante a conversa, todos os aparelhos celulares estão ligados à espera de alguma mensagem de uma outra pessoa ou mesmo sendo usado concomitantemente com a conversa ali estabelecida. Talvez todas essas transições comportamentais sejam sintomas de angústias, ansiedades as quais acabam tendo parcela significativa num mundo em que a comunicação virtual acaba tendo mais vida que a própria realidade. Há um desafeto contínuo e progressivo que acompanha a alta demanda de conexão on-line que convive conosco.

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