Crítica: Charlote SP (2016)
Charlote SP foi o primeiro longa brasileiro filmado todo usando um celular.
Ficha técnica:
Direção: Frank Mora
Roteiro: Frank Mora, Alexei José
Elenco: Fernanda Continho, Guilherme Leal, Fernão Lacerda
Nacionalidade e lançamento: Brasil, 22 de setembro de 2016
Sinopse: Charlote viaja o mundo como modelo e é filha de um magnata do ramo automobilístico. Quando ela encontra um antigo amigo, agora cineasta, a vida dela promete mudar.
Com a popularização dos celulares e o aumento da qualidade da câmera dos aparelho móveis, a clássica frase de Glauber Rocha “uma ideia na cabeça e uma câmera na mão” ficou bem atual. O longa Charlote SP traz para os desavisados um estilo de filmagem ruim: desfoques, áudio nem sempre nítido, ângulos incomuns. E esses “erros” nada mais são do que uma consequência de um filme inteiro feito com a lente de um celular e, principalmente, do diretor Frank Mora optar por não esconder esses “problemas” decorrentes da singular câmera, ao contrário: procurou ressaltá-los.
Contudo, até se tinha a câmera na mão, mas faltou a ideia na cabeça – ou pelo menos deixá-la com mais consistência. As interpretações são muito artificiais. A montagem é amadora, com erros infantis de continuidade. A trilha gritava o tempo inteiro na tentativa de dar um tempero, sem sucesso. A trama gira ao redor do contraste entre classes sociais – de um lado um homem que declama: “em São Paulo deus é uma nota de 100. E eu tenho muitas”, de outro um cineasta que precisa vender o carro para rodar uma série pra TV e ainda assim fica endividado. No meio, a filha do ricaço conhecendo as coisas mais “humildes”. Mas esse confronto é dado da maneira mais ingenua possível, em um retrato afetado da classe alta paulistana.
Há uma simplificação no trato da questão, a coisa fica muito preto no branco. A personagem título que nunca tinha usado o metrô e se perde na baldeação – e a cena decorrente disso dá quase um curta (ruim). O protagonista que passa por cima de um carrão estacionado na faixa de pedestres. Ou então perder alguns minutos separando”festa bacana” (de gente pobre e feliz) de “festa de bacana” (de gente rica e triste). O último arco é terrível nesse sentido, com a mistura desses elementos. Outro fator que incomoda é que espaços na cidade de São Paulo são bastante citados e visitados, podendo ficar um pouco descontextualizado para quem não conhece os ambientes, quando não caem no clichê. O filme Campo Grande mostrou um Rio de Janeiro não óbvio e foi muito bem sucedido.
Basicamente o longa se foca em três personagens. Tirando a Charlote os outros dois tem pouco ou nenhum desenvolvimento. Tornando o roteiro uma sinfonia de uma nota só. Por outro lado há uma metalinguagem – ao citar o estilo de gravação no celular – e muitas citações a filmes e séries, o que pode deixar a coisa mais interessante, porém não vai muito alem disso. O cineasta, amigo de Charlote, se chama Marcelo Scorsésar e cita Fellini, John Ford e Sopranos. Referências que o diretor possa ter, que ele quer que o personagem tenha, mas que ficam quase ultrajantes naquela trama.
Ter duas horas de duração, ante tantas atrocidades, é um martírio. Dou um mínimo voto de confiança ao diretor cogitando que os erros, como citei acima, sejam intencionais – mas tenho que analisar o que vi em tela e o que se apresenta ali é quase inapresentável. E se for a intenção ficar “errado”, nesse caso, temos que discutir essa intenção…. Charlote SP pode trazer algum pioneirismo na linguagem, mas falta muito – tudo – para ser realmente memorável.
Ps: vale a nota de que eu estava sozinho na sessão, tal qual em Ponto Zero, dois longas nacionais e com linguagens e resultados bem diferentes.