Crítica: Branca de Neve (2012)
Ficha Técnica de Branca de Neve.
Diretor: Pablo Berger (Da Cama para a Fama).
Roteirista: Pablo Berger.
Elenco: Maribel Verdú (O Labirinto do Fauno), Macarena García (Todos Estão Mortos), Daniel Cacho (Plano de Fuga), Ángela Molina (O Caminho), Inma Cuesta (Julieta)…
Lançamento: 5 de Julho de 2013 (Brasil).
Sinopse: Carmen é uma menina que perdeu a mãe e avó ainda quando criança. Traumatizada pelos acontecimentos trágicos, vai morar com seu pai. Tendo então que viver com a madrasta, a vida de Carmen que já era difícil se torna um sacrifício maior. (Não contém spoiler. Essas informações estão na sinopse)
Branca de Neve já fora adaptado inúmeras vezes durante toda sua existência. Sendo a mais famosa de todas, a animação clássica produzida pela Disney. Então qual o sentido de aparecerem novas adaptações? Será que realmente essa história dos irmãos Grimm tem algo a mais para contar além do que já foi dito? São perguntas pertinentes. Dois filmes recentemente o fizeram: Espelho, Espelho meu e Branca de Neve e o Caçador… Ambos tolos, que não acrescentam nada. Pois, essa versão espanhola pega a base fabulesca e fantasiosa para então contar uma história criativa, sensível e que tem algo para nos falar.
Passando-se na década de 20, o diretor Pablo não só faz um ótimo trabalho em seu design de produção com figurinos, locações e ambientes da época, como também decide gravá-lo em preto e branco e mudo. Provavelmente buscando forças no até então recente ganhador do Oscar: O Artista. Mas nunca tenta imitá-lo, indo para um viés totalmente diferente, até mesmo buscando inspiração no expressionismo alemão.
Todos nós já nos sentimos solitários ao menos uma vez na vida. Seja por falecimento de pessoas amadas ou mesmo pelo distanciamento delas, em Branca de Neve o diretor e roteirista trabalha bem esse sentimento de solidão. Deixando a fábula muito atual mesmo se passando na década de vinte, o filme soa quase como atemporal se for parar para analisar que um dos maiores medos da humanidade é justamente a sensação de vazio.
Logo no começo do longa presenciamos o inicio da jornada de Carmen (Branca de Neve) que ainda na barriga da mãe decide apressar sua saída após seu pai ser atacado em plena arena. Em uma cena muito peculiar onde a trilha sonora e a edição ajudam a passar o senso de urgência, começando com uma cena longa e culminando em cortes secos entre homem, mulher e touro. Além da citada trilha que começa em tons normais e vai aumentando a gravidade até o clímax.
A sequência que mostra a morte da mãe de Carmen é feita com uma montagem consistente que muda do toureiro ferido para a mãe parindo, deixando o espectador apreensivo para resolução final dos dois casos. O sentimento de tragédia na vida da pequena criança já acerta nosso coração de jeito, isso vai piorando gradativamente com o passar dos minutos.
Como a vida de uma menina que perdeu a mãe e com o pai ausente pode piorar? Bom, acredite, sempre pode. Morando com sua avó a menina tem apenas alguns momentos de alegria quando dança uma música típica espanhola, mas é automático percebemos que a falta do pai faz muito mal para a criança, que tem como animal de estimação uma galinha. Não por menos esse animal sempre aparece nas cenas deslocado e correndo em meio a casa, representando o sentimento de sua dona que anseia por um lugar confortável.
Por mais que a história sendo contada possa soar muito realista, Pablo nunca se esquece que está usando como base uma fábula. Então quando a criança é apresentada a sua madrasta o diretor não faz floreios, e nem tenta dar alguma profundidade para tal. Apresenta-a logo como uma mulher rancorosa, interesseira e mandona. Não é a toa que tem momentos em que a vemos utilizando seus empregados – homens – para se passarem por cachorros.
A fotografia é belíssima, plasticamente memorável. A iluminação utilizada para contar a história é algo que faz muita diferença aqui. As cenas mais iluminadas são raras e bem utilizadas para demonstrar um escapismo da personagem título em meio a tragédia que ronda sua vida, já as que precisam de uma carga dramática maior são cenas escuras e densas. Outro bom exemplo é o uso de sombras para demonstrar o perigo iminente. Muito usado no expressionismo alemão, até mesmo uma cena em que a sombra do Touro aparece ameaçadora é “puxada” de Nosferatu.
Alfonso de Vilallonga é o nome por trás da trilha sonora. Faz com que o filme mudo ganhe vida, fazendo com que as cenas de tensão ganhe mais perigo, as cenas de ação mais empolgação e as cenas dramáticas mais dramaticidade. Utilizada brilhantemente pelo diretor que opta pelos dois tipos de trilha: Diegética e extra diegética. As duas formas se entrelaçam durante a projeção muito organicamente, a diegética sendo mostrada para quando a personagem Branca de Neve está dançando, uma das poucas formas que tem de escapar de sua vida miserável.
Citarei aqui duas atuações memoráveis, apesar de todas estarem boas. Maribel Verdú faz uma madrasta ordinária, sempre com um olhar rancoroso, conseguindo transmitir toda a superioridade que sua personagem acha que tem sobre os outros. Se expressa muito bem, levando sua atuação a ser quase teatral, mas não passando do ponto que o filme pede. Macarena García que faz a Carmen (Branca de Neve) é deslumbrante, passa toda a beleza que a personagem pede, é doce, nos envolve com sua ingenuidade e fragilidade; obviamente nunca se esquecendo de deixar à mostra todas suas dores e cicatrizes.
Branca de Neve ainda consegue nos trazer momentos de pura paixão. Conseguindo fantasticamente incluir os anões da história original para dar uma ar de comicidade ao projeto. Demonstrando a força de uma amizade, automaticamente nos remetendo a pensar nos nossos melhores amigos. É muito agradável perceber que ao lado de pessoas felizes e otimistas nós nos esqueçamos dos problemas por várias horas.
Por fim, Branca de Neve – ou no original Blancanieves – é um filme que se utiliza da fábula infantil para nos contar uma história de amizade, trauma e superação. Talvez a obra mais criativa baseada nesse conto dos Grimm. Aplausos.
Escrito por: Will Bongiolo