Crítica: Memórias Secretas (2016)
Memórias Secretas pega um tema pesado e o transforma em uma road trip absurda, mas funcionou…
Ficha técnica:
Direção: Atom Egoyan
Roteiro: Benjamin August
Elenco: Christopher Plummer, Martin Landau , Dean Norris, Bruno Ganz, Jürgen Prochnow
Nacionalidade e lançamento: Canadá, 2015 (12 de maio de 2016 no Brasil)
Sinopse: o quase nonagenário Zev Guttman, mesmo com problemas de memória, faz uma jornada em busca do homem que assassinou a família dele durante o holocausto.
Mais um filme que usa a guerra como mote, este ano já tivemos O Filho de Saul e De Amor e Trevas, cada qual com uma abordagem específica. Memórias Secretas se passa muitas décadas depois do principal evento do século XX, mas o ocorrido ainda está muito presente nos principais personagens.
A câmera vai se aproximando de um idoso dormindo. Zev Guttman acorda chamando pela esposa. Logo sabemos que ela faleceu há uma semana. Ele parece desnorteado com tudo a volta dele, mas, ainda assim, aparenta uma certa firmeza. Isso não é spoiler, é apenas a primeira cena. E ela traz vários elementos que permearão o longa inteiro: uma boa movimentação de câmera, o chamado pela esposa, a desmemória e a baita presença do protagonista.
A história é simples: um colega do asilo que Zev está internado o incumbe de uma missão: achar o assassino que matou as famílias de ambos. Max Rosenbaum, o colega em questão, por ser cadeirante não pode ele mesmo ir atrás desse objetivo. Contudo, ele tem dinheiro suficiente para financiar uma road trip de Guttman.
Então temos um drama histórico (o holocausto) com pitadas de aventura (a caçada de vingança) e levemente carregado de uma comédia involuntária (um senhor de quase 90, sem memória, andando por aí acaba passando por inúmeras situações tragicômicas). Essa salada poderia dar errada. De fato o longa tem alguns problemas, mas no todo deu certo.
Os problemas recaem em algumas conveniências do roteiro. Não há suspensão de descrença que sustente algumas saídas da trama. Tem filmes que no calor do momento você deixa passar, mas ao pensar um pouco depois você questiona sobre determinadas situações. Aqui não precisou nem esperar o filme acabar…. os absurdos gritam em tela. Dependendo do teu rigor isso poderá afetar mais ou menos a tua experiência com o longa.
Os pontos positivos entram na conta da direção e da atuação. Há uma carta fundamental na trama. O conteúdo dela é revelado aos poucos e forma como foi conduzida essa exposição ficou muito boa. Por vezes vemos um certo desfoque na imagem para simular o desnorteamento de Zev. O artifício é usado com cautela e não vira uma muleta. Há diversos momentos em que é utilizado o primeiríssimo plano como enquadramento principal. Isso privilegia as expressões faciais dos atores…
Hora de falar das atuações. O veteraníssimo Christopher Plummer, que já tem mais de 200 trabalhos, premia o público com mais uma brilhante interpretação. O personagem aparece quase que o tempo todo e um ator menos qualificado poderia derrubar o longa. Definitivamente isso não ocorre aqui. Toda cena dele há uma presença diferente e tudo que o personagem pede é colocado no limite, sem cair no exagero. Vale o destaque também para o Dean Norris (o Hank do seriado Breaking Bad). O vigor que ele coloca no personagem, também um policial tal qual no seriado, é suficiente para nos brindar com uma das melhores e mais intensas cenas do filme. A cena em questão desperta tensão, incômodo e interesse. Muito por causa da atuação desses dois.
O restante do elenco também é estrelar: o outro veterano Martin Landau tem aparições precisas e convence a todo momento. Bruno Ganz (que fez nada menos que Hitler no filme A Queda) e o também alemão Jürgen Prochnow completam o time.
O roteiro, apesar de problemático em algumas soluções, traz alguns elementos interessantes. Os três arcos estão bem definidos. Os momentos de tensão são bem construídos e você nunca sabe o desenrolar que a trama terá.
É possível enxergar algumas referências aos momentos da guerra. Trens, banhos e claro a questão da lembrança. O elemento de recordação é sempre dado por um personagem infantil. Não à toa eles estão presentes perpassando todo o longa quando o Zev precisa ou simplesmente na hora de dar o pontapé inicial na aventura.
Memórias Secretas pode desagradar alguns por “brincar” com um tema tão sério. Notadamente há uma tentativa de problematização do assunto, mas perpassado por um ar de pilhéria. Mesmo que inserido em momentos pontuais (ou, a depender de como você encara, no mote central) isso pode afastar alguns da empatia com o longa. O que eu vejo é um filme bem dirigido, com um roteiro falho em alguns pontos porém bem estruturado e atuações excelentes.
[o trailer revela algumas cenas a mais do que deveria. Caso tenha se interessado pelo filme recomendo que não veja o trailer]