"Primavera, Verão, Outono, Inverno...e Primavera" - (2003) - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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“Primavera, Verão, Outono, Inverno…e Primavera” – (2003)

O filme Sul Coreano “Primavera, Verão, Outono, Inverno…e Primavera” é um dos filmes mais calmos, aconchegantes e inspiradores que vi nos últimos anos. Baseado na vida de um monge Budista e de seu discípulo, a narrativa localiza-se num local ermo no meio de um lago ao redor de uma floresta: uma casa palafita habitada por Ohh Young Soo e um menino Seo Jae Krung, um aprendiz de monge.

O nascer do sol tanto quanto sua hora de dormir fazem parte da rotina que nunca muda, da movimentação sem movimento, da procura via fé, do simulacro do fazer espelhado pela meditação do acreditar. É raro algo diferente acontecer para além do que já ocorre naquela casa solitária. O aprendiz é acordado pelo monge, que o prepara algo para comer; logo em seguida, ambos rezam para uma figura de Buda ao som ressonante e confortável de um arco oco que não só preenche a casa humilde de madeira como também à floresta que os rodeia. A aceitação do fazer nada, ou melhor, ter o ócio como escape de um mundo moderno capitalista, é de fato um reconhecer-se como tal, isto é, como um alguém pequeno diante do mundo que nos engloba, é constatar que somos dispensáveis para o globo, ele não precisa de nossa atividade de homo-faber; a morte nos espera, da mesma maneira que o planeta continuará girando sem a nossa agitação ou atividade. Então, seria melhor se nos afastássemos do nosso ser ativo e passivo do trabalho e assim proliferar no conhecimento do mais íntimo de nós: do amor, da amizade, do conhecimento de si. No entanto, “é preciso trabalhar, infelizmente”, sim, pode ser que seja necessário trabalhar mas temos que gostar dessa ação? Por que devemos condenar algo diferente do mundo fabril então, como a preguiça, como a meditação? Elas são ruins? Fazem mal ao ser humano?

A ideia e a percepção do eterno é inerente ao sentimento pós filme. O dia-a-dia das pessoas que ali vivem juntas além de nos trazer essa calmaria ondulante que vai e vem, nós traz poucos conflitos, mas tais não perdem força por serem pequenos, pelo contrário, a magnitude de suas consequências nos fazem perceber  a  tal simplicidade que muitas vezes não prestamos a devida atenção ou não damos tanta importância. O misticismo está presente em boa parte do filme, tanto que o mestre consegue atravessar o lago sem o barco, ou seja, há, em certa medida, um parecer místico e de fé que ali rodeia, há experiência, há sabedoria, há crença. As lições que o aprendiz tira são de fato aprendizados, isto é, quando ele amarra as pernas de um sapo e uma cobra à uma pequena pedra, após o fazer com um pequeno peixe com o intuito de dificultar seu nado, recebe o mesmo tratamento de seu mestre quando é acordado de manhã e se dá conta, que também está preso por uma corda à uma pequena pedra nas costas. Seu mentor então, o pede que vá até o local onde fez tais artimanhas, que solte os animais de suas prisões, e se caso um deles estiver morto, ele carregará para sempre uma pedra em seu coração.

Segundo Montaigne: “A solidão parece-me em particular indicada e necessária àqueles que consagram à humanidade a mais bela parte de sua vida, a mais ativa e produtiva, como o fez Tales. Já vivemos bastante para os outros, vivamos para nós ao menos durante o pouco tempo que nos resta. Isolemo-nos e, na calma, rememoremos nossos pensamentos e nossas intenções. Não é nada fácil um retiro consciencioso […]. É preciso romper com quaisquer obrigações imperativas. Talvez ainda gostemos disso e daquilo, mas só a nós mesmos poderemos desposar […]. A coisa mais importante do mundo é saber pertencer-nos.”

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