"Les triplettes de Belleville" - As Bicicletas de Belleville (2003) - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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“Les triplettes de Belleville” – As Bicicletas de Belleville (2003)

Procuramos animações talvez para nos afastarmos um pouco da realidade. Existem muitos animes que representam de forma fantástica nosso mundo, tanto através de seus traços marcantes e cores super delineadas e formosas, quanto via a própria exposição dessa arte, isto é, por intermédio da tecnologia, a qual atravessa o campo estético dos quadrinhos e transforma o desenho do papel num apropriar-se do virtual, tentando desta forma, evidenciar o real na tela de cinema.

Em seu primeiro trabalho, Sylvan Chomet dá vida aos seus personagens de forma mais caricata, mais próxima da realidade da própria animação, ou seja, sentimos mesmo que estamos vendo um desenho. Não sei se tenho tal visão porque venho de uma época fim desse modo de fazer tal tipo de arte e ao mesmo tempo no entremeio de algo novo, com filmes em 3d e video-games mais sofisticados. É possível, ao ver as Bicicletas de Belleville, os traços marcantes do céu desenhado, das casas, das faces e movimentos das figuras tomando vida, é factível, pois, o uso da imaginação.

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Nesse filme vemos o amor, o carinho, a sinceridade de uma relação, como também, o egoísmo, o grotesco, o lado obscuro do ser humano. Temos algumas linhas de texto em toda a película. Não há a necessidade da fala para explicar o que acontece, já que as ações são ditas por si mesmas, e tal fato apresenta-se como uma característica do diálogo entre Sylvan e sua arte. Tanto aqui como em outros, como no Ilusionista (L’illusionniste – 2010), o qual conta a história de um mágico, temos os perfis dialogando com seus olhares, gestos, ações que acabam compondo todo o universo realista mesmo que ocorra, de fato, via idealização e criatividade. Se fôssemos analisar de forma mais técnica, poderíamos ir de Aristóteles na Poética até Stanislavsky no seu discurso sobre a arte teatral, dizendo que sempre o que configura o mais próximo do real, é a ação, no caso do segundo, física, ou seja, fazer algo sem precisar necessariamente falar e simplesmente só fazer. Ou, de certo modo, ter a ação e depois falar, ela vem através do movimento, dessa ação física que autor russo denomina em seus escritos.

Uma das relações mais interessantes que ocorrem na animação é a própria com a realidade, isto é, com personalidades do mundo artístico mundial. O início é um espetáculo em preto e branco que podemos definir como exuberante e um pouco assustador. Tal abertura evoca Josephine Baker (célebre cantora e dançarina norte-americana) e Fred Astaire (ator e dançarino dos Estados Unidos) – o qual é comido por seus próprios sapatos, além de introduzir um trio de cantoras que dançam e cantam e vestem roupas idênticas e são super desengonçadas no palco. Por conseguinte, tudo isso, é um programa de televisão o qual uma senhora de óculos com lentes grossas e sapatos tipo pantufas que vive em um edifício abandonado pelo tempo com seu neto Champion. Ele é um garoto gorducho e sombrio que sorri apenas quando sua avó apresenta-o com um triciclo, um presente que prenuncia sua eventual transformação em um magro ciclista, de olhos profundos e melancólicos e com pernas atrofiadas e coxas cansadas pelo exagero de exercícios, os quais, através de um apito, sua avó comanda sua eterna busca pelo nada.

Não se vê, pois, somente um desenho com um enredo simples e uma história a ser contada, porém um estilo que evoca uma França do pós-guerra fazendo o seu caminho teimoso e excêntrico para o mundo moderno, uma nação de motoristas de caminhão e cantores pop. É possível detectar, então, uma rajada de desdém e ironia para com o gigantismo da cultura americana a qual gradualmente domina os pólos do mundo.


 


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