"Double" (2013) - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
Artigo

“Double” (2013)

No decorrer do filme Double percebi vários elementos que são tratados tanto no roteiro como em peças de teatro e escritos filosóficos.  Jean-Paul Sartre foi um filósofo como também escritor e dramaturgo. Em seus escritos de filosofia, tanto no Existencialismo é o humanismo, assim como, na sua maior obra:  O ser e o Nada, suas preocupações permaneceram no âmbito do ser, do que ele seria, da onde viria e de como ele viveria ao redor de outros como ele. Partindo da idéia de que a pessoa é uma totalidade, cada uma de suas tendências, isto é, cada uma de suas escolhas, das menores as mais significativas, devem ser consideradas como expressão integral do sujeito em questão, revelando um sentido transcendente. A psicanálise existencial pretende compreender o projeto fundamental realizando uma comparação entre as diversas escolhas de uma existência a fim de apreender o fio condutor que as unifica, uma vez que, nas palavras do autor “em cada uma delas acha-se a pessoa em sua inteireza” (SARTRE, 2001, p.690).

O homem é uma totalidade, não se pode estudar então uma pessoa por “partes” como um juntar de peças de um quebra-cabeça e assim formar uma figura por inteiro definindo-a quem ela é. Tal análise é mais aprofundada quando o autor escreve a peça Entre Quatro Paredes, a qual descreve o inferno da seguinte forma: um local fechado no qual três pessoas são obrigadas a conviverem num ambiente sem pausas, já que suas pálpebras não se movimentam, ou seja, seus olhos sempre estão abertos, e isso explica o objeto central de exposição da obra: o ser-visto. 

No instante em que o outro me olha, tudo se transforma como se ocorresse um “escoamento interno do universo”, uma “hemorragia interna”, pois quando sou visto, não capto os olhos do outro, vou além e apanho uma consciência que me olha por detrás desses olhos. Segundo o filósofo: “Se apreendo o olhar, deixo de perceber os olhos; estes estão aí, permanecem no campo de minha percepção, como puras apresentações, mas não faço uso deles; estão neutralizados […] Jamais podemos achar belos ou feios, ou notar a cor de olhos quando estes nos vêem.” (SARTRE, 2001, p.333). É isso que observamos no triângulo de Entre quatro paredes: Estelle precisa do olhar de Garcin para manter sua imagem de bela e desejável. Garcin precisa do olhar de Inês para se justificar de sua covardia e Inês precisa do olhar amedrontado dos outros dois para manter sua escolha de manipuladora. É desta forma que vejo uma semelhança intrínseca ao filme sobre o qual escrevo. Simon, é um personagem considerado esquisito e estranho que trabalha numa espécie de compartirão governamental a qual mantém todos os seus trabalhadores sentados num cubículo o qual acaba sendo o mundo diante dos seus companheiros, ou seja, todos são olhados e olham para àqueles que ali estão. Tal ser é modificado a partir do momento em que uma outra pessoa, simplesmente idêntica à ele, passa a trabalhar no mesmo local. Ele se reconhece nele? Sente-se incomodado com aquela aparência fiel à sua? Não é questão de ser julgado pelo olhar do outro mas é como o desejo ser espelhado pelos olhos do outro e assim reconhecer o que ele realmente poderia ser ou talvez seja.

O diálogo diz:

James – Por que não tem namorada?

Simon – Não sei!

James – Você é bicha?

Simon – Não, estou interessado em uma pessoa. Muito.

James – Uma fantasia?

Simon – Não, ela é real, uma pessoa.

James – Então, qual o problema?

Simon – Não sei. Há muitas coisas que quero dizer a ela, como, eu consigo dizer que ela é solitária, mesmo que outras pessoas não consigam. Porque eu sei como é estar perdido, solitário e invisível.

James – Simon, você deve ir atrás daquilo que quer. Eu mato um elefante por algo que quero muito.

Simon – Tentei falar com ela, mas não sei como ser eu mesmo. É como se eu estivesse sempre fora de mim, como se você pudesse colocar sua mão dentro de mim, se quisesse. Não posso ver o tipo de homem que eu quero ser em relação ao tipo de homem que sou e eu sei que estou fazendo isso, mas sou incapaz de fazer o que é correto. Sou como o pinóquio: um menino de madeira, não um de verdade. Isso me deixa abatido.

Onde quer que Simon esteja ele será visto, é o que acontece. O outro se resume em ser a morte escondida de suas possibilidades, e uma morte da qual ele se envergonha porque a vive.

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