‘A Novela das 8’: No Cinema é melhor do que na TV.
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‘A Novela das 8’: No Cinema é melhor do que na TV.

“Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência”.

Fazendo o movimento inverso ao cada dia mais vigente no mercado televisivo, o cineasta Odilon Rocha usa do produto de maior alcance e mais assistido pelos brasileiros, a telenovela, para levar em cartaz seu primeiro longa-metragem, “A Novela das 8”.

Hoje, enquanto autores, diretores e toda equipe de engenharia técnica das emissoras de TV tentam fazer o “PF” do entretenimento brasileiro cada vez mais parecido com o cinema – ainda que essa similaridade só se aplique na estética, já que em profundidade temática ainda existe um abismo enorme entre as duas linguagens – o cineasta pernambucano utiliza a premissa dramática e o contexto social, econômico e político de uma das telenovelas de maior sucesso da história da televisão brasileira e da TV Globo, Dancin’Days, para homenagear o gênero.

Assim como na novela o filme se passa no Brasil de 1978.

Num país onde a ditadura militar reinava absoluta, a novela de Gilberto Braga era o ‘sopro de liberdade’ do povo brasileiro diante a repressão e a lei do silêncio imposta pelo General Geisel e seus ‘companheiros’ de luta.

O autoritarismo e a censura generalizada imposta pelo regime político dos militares contrastavam com as histórias e o universo paralelo no qual as personagens estavam inseridas. Tão perto e tão distante na mesma proporção, o telespectador embarca no enredo e passa a assimilar as tendências ideológicas e comportamentais ali inseridas.

 

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“Essa válvula de escape da telenovela aliada ao alcance massificado do veículo, explica a representatividade – e as influências – que elas construíram e consolidaram ao longo dos anos na vida de nós brasileiros”.

A película saudosista conta a história da prostituta Amanda (Vanessa Giácomo, completamente à vontade e distante das personagens interioranas que a consagraram no mundo das novelas) e sua empregada Dora (Claudia Ohana, que coincidentemente iniciou a carreira na TV fazendo figuração na novela homenageada).

15 minutos de morosidade inicial…

As protagonistas são apresentadas naquele estilo maniqueísta impregnado no cerne novelístico. A patroa desvirtuada e sem pudor que ganha vida vendendo prazer e a empregada pacata, inerte nos cômodos do apartamento, como a heroína sofrida e batalhadora.

Eis que somos surpreendidos por uma inversão de papéis. Após a morte ‘acidental’ do policial Carlos (bem interpretado pelo ator e cantor João Sabiá) Amanda e Dora se veem obrigadas a sair de São Paulo e fugir a lá Bonnie & Clyde rumo ao Rio de Janeiro.

No cartão postal favorito das novelas…

Livres do cadáver, com o carro trocado e a maleta de dinheiro do finado policial (tudo graças à frieza e sagacidade da outrora pacata empregada) o passado se revela e o filme engrena.

 

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Odilon (por culpa das novelas só lembro o ator Odilon Wagner) utiliza os núcleos paralelos para compor o enredo cinematográfico.

Um grupo de revolucionários, o adolescente Caio e seus avós e um diplomata que depois de anos no exterior volta ao Brasil após a morte do pai.

Dentre eles, o último soa disperso da trama central. O diplomata João Paulo (interpretado por Mateus Solano num ‘estágio’ involuntário para três anos depois dar vida a pintosa Félix) está em crise no casamento, e após conhecer o adolescente Caio em um encontro casual na praia, vivem uma tórrida paixão.

 

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As histórias se cruzam.

O jovem na descoberta da sua homossexualidade e que vive com as avós revela-se filho da Dora ex-militante política com o revolucionário Vicente (Otto Jr).

O interprete de Caio, o ator Paulo Lontra, contrasta entre um início engessado, que incomoda, e um meio-fim no tom certo da personagem, encarando as cenas com um Solano experiente sem titubear.

Na escalação do elenco típico de uma novela – e não poderia ser diferente – destaque para a parceria entre Giácomo e Ohana, que mantêm uma sintonia cênica dos momentos mais dramáticos aos mais descontraídos, e para a participação contundente de Alexandre Nero como o algoz policial Brandão.

A trilha sonora foi cuidadosamente escolhida para despertar a nostalgia de quem viveu a época e a frustração dos mais jovens – como eu – que não se recordam de tal experiência. (E conseguiram!)

 

“Longes dos pudores televisivos a novela ganha veracidade e se torna mais digerível do que no seu veículo de origem. Mas, apesar da gostosa viagem nostálgica da novela das 8, confesso já ter perdido minha paciência para elas faz tempo (em todos os horários)”.

 

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