Crítica: Match Point (Ponto Final)
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Crítica: Match Point (Ponto Final)

por Bárbara Pontelli

Match Point (Ponto Final)

Lançamento: 2006

Direção e roteiro: Woody Allen

O drama Match Point escrito e dirigido por Woody Allen, se passa em Londres e tem como protagonista um renomado professor de tênis: Chris (Jonathan Rhys Meyers). Irlandês tentando a sorte em Londres, Chris consegue um emprego de instrutor de tênis em um ilustre clube frequentado pela alta classe britânica e logo conhece Tom ( Matthew Goode) – filho de uma rica família – e acabam tornando-se amigos. Não demora muito para Chris passar a frequentar a casa de Tom e conhecer sua família que rapidamente acaba se afeiçoando a ele. Chloe (Emily Mortimer) – irmã de Tom – se encanta por Chris. Notando a oportunidade que tem a frente, ou seja, a possibilidade de melhorar de vida ao se aproximar de Chloe, Chris começa a sair com a moça. As coisas parecem se encaixar perfeitamente de acordo com as pretensões de Chris, entretanto, em uma das festas na casa da família, Chris conhece Nola (Scarlett Johansson) – namorada de Tom. Abalado pela beleza de Nola, Chris logo se aproxima dela e se sente completamente atraído. Há muita química e atração entre os dois. Porém, após um breve caso, Nola decide se afastar de Tom – que continua obcecado por ela. Vale notar que ambos – Nola e Chris – alimentam seus relacionamentos com Tom e Chloe, respectivamente, por puro interesse e não demora para Chris se casar com Chloe. Certo dia, Chris encontra por acaso com Nola. Tom desmanchou com ela e, agora solteira, Nola acaba cedendo às investidas de Chris. Eles mantêm um caso e a sorte de Chris parece conspirar a seu favor, até que surge uma incômoda novidade: Nola está grávida. Sem coragem e vontade suficientes para largar Chloe e todos osprivilégios que ela lhe proporciona, Chris decide que precisa resolver essa situação – pressionado por Nola. Por fim, planeja matá-la e leva a cabo sua ideia. A reviravolta é marcante: embora mau-caráter, esperto e manipulador suficiente para ascender na vida usando de um relacionamento, não se imagina que o protagonista fosse capaz de matar a sangue frio. Resolvida a situação, Chris segue feliz em seu casamento, em seu bom emprego e em tudo aquilo que almejara.

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Match Point foge de todo aquele gênero cômico (marca de Woody Allen) mas isso não o torna menos interessante…muito pelo contrário! Com sacadas inteligentes, cheio de significados e analogias, procura trazer à luz a questão da sorte – em seu sentido literal – a partir de uma série de eventos que potencializam tal discussão. Nesse sentido, logo na primeira cena, aparece uma rede de tênis e a bola indo e vindo ao passo que Woody Allen nos presenteia com sua rica reflexão sobre a temática:

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“O homem que disse: prefiro ter sorte a ser bom, entendeu o significado da vida. As pessoas temem ver como grande parte da vida depende da sorte. é assustador pensar que boa parte dela foge do nosso controle.”

“Há momentos em que a bola bate no topo da rede e por um segundo ela pode vir para o outro lado ou voltar. Com sorte ela cai do outro lado e você ganha. Ou talvez não e você perde”.

A atmosfera de Match Point gira, justamente, em torno dessa idéia proposta por Woody Allen, ou seja, a sorte de Chris depende – a todo momento – de pequenos acontecimentos casuais os quais podem conspirar a seu favor ou não – tal como tudo na vida que possui a chance de dar 50% certo ou 50% errado. Seguindo essa linha de pensamento, o resultado almejado depende muito além de fatores como o esforço em si ou o simples fato da iniciativa em tentar. Na realidade, as situações estão fora de nosso alcance; estão além da força de vontade e esforços. Frente a esse raciocínio, a sorte assume forma e seria ela a responsável pelos acontecimentos, sejam eles do nosso agrado ou não. Uma das cenas em que fica clara essa discussão, corresponde ao evento em que Chris atira no rio a aliança da senhora que matou e, sem notar, a aliança bate na grade de proteção e acaba rebatendo no chão. Tal acontecimento – que pode ser lido como pura sorte de Chris – garante-lhe sua inocência nos crimes, uma vez que, bandidos acharam a aliança e acabaram sendo presos com ela no bolso. 

Chris: “Sorte é muito importante…”

Chloe:”Não acredito em sorte, só em trabalho duro.”

Chris:”Trabalho duro é importante, mas todos temem admitir a importância que a sorte tem.”

Na verdade, Woody Allen atrela toda a trajetória do protagonista a essa teoria de forma a convencer o espectador ou, no mínimo, provocar a reflexão. 

Tratando sobre o drama em si, ou seja, o romance entre Chris e Nola e a posterior decisão do protagonista em matá-la após saber que a amante está grávida, verificamos uma clara alusão à obra Crime e Castigo de Dostoiévski. Embora no livro o protagonista esteja motivado por aspectos além do material …. no sentido de “humanizar” seu ato, a alusão que Woody Allen traça aparece no ato em si como único meio de eliminar o problema além dos aspectos psicológicos e morais que norteiam a questão…em como cada um dos protagonistas lidam diante a decisão. Chris mata Nola para garantir a boa vida que leva estando casado com Chloe. Ambos personagens perturbados psicologicamente mas racionais suficientes para planejar as mortes. Ambos possuem a sensação de tortura…sentem-se atormentados mas não ao ponto de arrepender-se. Há um conflito psicológico no sentido de reprimir a consciência e aceitar a realidade, na medida em que “essa era a única solução” … o valor de uma vida é menor frente ao que cada um julga ser mais urgente. Embora na obra de Dostoiévski o personagem seja exposto mais profundamente, Chris é exposto como o sujeito puramente sem caráter motivado por uma vida boa e confortável (representada por Chloe). A estabilidade e conveniência são valores que pesam mais para a sociedade (representada por Chris) ávida pelo material; pelas aparências e indisposta para um real envolvimento (representado por Nola).

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Fora essas questões principais, podemos perceber também como funciona parte da dinâmica da alta classe social inglesa, sob a visão de Woody Allen. Uma vida recheada de eventos, festas….os gostos para as artes e a ópera, mas, cheio de preconceitos, como por exemplo a rejeição por Nola: uma moça comum que aspira à carreira de atriz. As aparências também assumem grande importância, claro! O desespero de Chloe para engravidar após o casamento e a preocupação dela quando ouve que todas suas amigas já tiveram filhos e ela não ou a energia dedicada por parte da mãe dela em garantir pretendentes que considera “bons e corretos” para Tom e Chloe. Tenho até mesmo a impressão de que Chloe suspeita que Chris possui amante e mesmo assim finge que não vê: por pura conveniência. Quando Chris aborda para conversar sobre o relacionamento, ela chega a afirmar que percebe o quanto ele fica diferente “após os telefonemas”.

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A fotografia é bastante sóbria – condizente com a cinzenta Londres onde se passa o filme. Considero as atuações dos personagens boas mas nada excepcional – com exceção de Scarlett Johansson, como sempre envolvente além de muito linda! Chloe é a típica menininha rica, chata e sem graça… personagem chata e sem sal.

Match Point é um dos meus filmes preferidos do Woody Allen….embora não seja um drama que crie muitas expectativas, gosto do jeito como foi atrelada a teoria da sorte de modo a determinar o rumo dos acontecimentos. O desfecho ter sido delineado sob a influência da obra de Dostoiévski, certamente, proporcionou um final com chave de ouro! Fugindo da sua marca cômica, Woody Allen assumiu um gênero atípico para o seu público mas de forma alguma desmerecedor de créditos….ele mesmo já afirmou que esse é um dos seus trabalhos favoritos e sem dúvida eu concordo!

 

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