Questão de Tempo - O realismo no meio da ficção
Artigo

Questão de Tempo: O Realismo no meio da ficção

(Para pular minha introdução vá direto pro segundo parágrafo)

Oi, gente. Como vocês viram eu sou a nova autora selecionada do recrutamento do Cinem(ação). Só gostaria de dizer que a honra é toda minha de estar integrando a equipe e estou muito feliz com isso. Fiquem a vontade nos comentários para adicionar qualquer crítica construtiva ou opinião sobre o texto. Sem mais delongas minhas impressões sobre o filme Questão de Tempo sob o olhar realista. Ah, esse foi o texto que enviei pra seleção, só pra voces saberem.

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Questão de tempo é uma comédia romântica de Richard Curtis sobre viagens no tempo na qual um jovem tenta alterar o seu passado para ter um futuro melhor. Tim (Domhnall Gleeson) acredita que encontrará a felicidade ao achar a namorada perfeita, então ele vai a Londres e encontra Mary (Rachel McAdams) e usa sua habilidade especial para conquista-la. O filme se desenvolve lindamente, recheado de humor leve e romance clichê sem se tornar piegas, a película te conquista. Como era de se esperar, existem pequenas lições de como alterar o contínuo espaço-tempo pode trazer algumas consequências desagradáveis, mas estas também são muito bem colocadas e até bem-vindas.

Ao se fazer uma análise sobre as características das representações do real no longa também se percebe que foi feita de forma maestral. Começando pela maneira da história ser contada. Diferente do realismo do século XIX que usava de um narrador onipresente na estória para torna-la mais verídica, About Time, e a tendência contemporânea de representação do real, faz uso da narração em primeira pessoa, com sua visão de mundo e realidade distorcida. O que importa não é a verdade em si, absoluta, mas sim a verossimilhança e a visão do personagem sobre o que acontece ao seu redor. Outra estratégia da obra é mostrar como a vida do personagem, no caso Tim, é normal e ordinária.

“De boa aqui curtindo uma praia com meu pai” Tim diria.

Sendo assim, o filme começa com Tim Lake narrando como ele é o mais ordinário membro da mais ordinária das famílias, fazendo sempre as mesmas coisas. O personagem adiciona à narração suas impressões sobre tais hábitos, as maneiras de cada personagem e como ele se sente a respeito de cada um deles. As falas de Tim permanecem até o fim do filme, ajudando o espectador a mergulhar em sua história e a acreditar que tal enredo poderia ser a historia do seu vizinho ou até mesmo sua. Como, por exemplo, ao citar as blusas roxas de KitKat (Lydia Wilson) e percebemos que a personagem, além das camisas, se rodeia de roxo durante todo o filme. O que o locutor não sabe, e por enquanto os espectadores, é que nem o personagem nem a família são tão comuns assim.

O plot do filme é introduzido na conversa que acontece entre pai e filho, onde o pai (Bill Nighy) conta o segredo dos homens da família para ele: a viagem no tempo. Durante toda a conversa, o pai parece nervoso e afirma diversas vezes que o que ele está prestes a contar ao filho é estranho e inacreditável. Ele está nervoso, hesitante e tais sentimentos são transmitidos atraves de seus trejeitos desajeitados, repetitivos e inquietos. Mais uma vez o espectador se vê sugado pela história e até levado a pensar em uma alguma situação parecida que tenha passado anteriormente com o pai (conversas constrangedoras da adolescência, por exemplo), mesmo viagens no tempo estando obviamente fora de nossa realidade. A cena citada acima ilustra a hipótese de Beatriz Jaguaribe, que segundo suas próprias palavras “é que as incertezas dos novos cenários urbanos geram uma demanda por representações que oferecem um mapeamento legível e que esta cartografia do atual deve ser fabricada sem ranço letrado ou vocabulários eruditos. Daí a importância do registro realista entretido, legível e intensificador”.

“Filho, precisamos ter “A Conversa””

O que a obra audiovisual faz é camuflar sua ficcionalização através de pequenos eventos e lugares corriqueiros da vida contemporânea. Como quando Tim passa pela Abbey Road e há inúmeros turistas tirando fotos como a banda The Beatles fez para a capa de seu álbum de 1969. Ou quando os personagens vão jantar no Dans Le Noir?, um restaurante que realmente existe em Londres e o atendente cego que aparece no filme é o mesmo que atende as pessoas lá na vida real, ou seja, a experiência é a mesma passada pelos clientes do estabelecimento. E também há a exposição sobre Kate Moss (KATE WHO?, por Mario Testino). O filme está recheado por essas pequenas referências, que fazem toda a diferença na construção da atmosfera da película.

Outro ponto que merece destaque e que leva o espectador a acreditar no que está vendo são as técnicas de filmagem e enquadramento e o design de som. Em maior parte das cenas a câmera se movimenta com os personagens, dando a impressão de que ela está lá, mas ao mesmo tempo é invisível as pessoas na cena e se mexe para acompanhar os acontecimentos da trama. A trilha sonora é impecável, abaixo uma das músicas que eu particularmente amei e se encaixa perfeitamente na película sintetizando a vida do casal protagonista: Tim e Mary. Porém, o que chama a atenção e a falta de preocupação com a equalização do som, se em cena tem uma festa, a musica vai estar bem alta, se o cenário é uma conversa informal na cama o som vai ser bem baixinho.

Em suma, o filme conquista pela história e pela maneira excepcional de conta-la. O uso de diferentes caminhos e estratégias para trazer a ideia de real foi bem dosado, de maneira nenhuma exagerado. O diretor e a equipe, que estavam visivelmente preocupados em passar a imagem de real, atingiram seu objetivo.

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