‘Cisne Negro’: O lado obscuro da perfeição . - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
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‘Cisne Negro’: O lado obscuro da perfeição .

TV a cabo é assim.

Assinamos pelo desejo da melhor imagem, pela gula dos milhares e diversos canais… E quando estamos em casa, zapeamos, ficamos naquele vai-e-vem tecnológico sem fim, e não achamos nada que preste para conjugar verbos (refletir, entreter, distrair…).

Ou melhor… É (quase) sempre assim.

E aquele dia entrou na seleta lista das exceções…

Tarde de sábado.

Ordem crescente.

Paro em um canal que não recordo exatamente qual é (no meio de tantas agulhas fica complicado saber qual espetou nosso dedo). Créditos subindo.

Ordem etnecserced.

Furo o dedo na mesma agulha e uma gota de sangue pinga no chão.

 

‘Cisne Negro’ está começando! Literalmente!

– Um, dois, três (…).

– Um, dois, três (…).

 

Parei, pensei e não resisti. Deixei de lado toda minha pragmatização para assistir filmes, deitei na poltrona do cinema caseiro e joguei o controle no lixo (autocensura).

O som penetrante e perturbador da caixinha de música e a imagem da bailarina, sem cabeça, sem tronco e membros superiores, apenas com as pernas fincadas elegantemente no chão, não saíram de mim.

As notas musicais deslizaram pelos meus ouvidos e me conduziu – como em uma apresentação de Ballet – à história de Nina e seus cisnes.

Já a imagem da bailarina mutilada, me fez ruminar inúmeros significados e representações da autodestruição que podemos fazer com a arma mais letal e particular que temos: A PSIQUÊ – A MENTE.

 

 

“… Chegava a determinado momento que o coração acelerava, os pelos se arrepiavam, as mãos suavam, a respiração ficava ofegante… Parceria que o duelo dos opostos acontecia aqui, dentro de mim, como num espelho…”

CISNE NEGRO 2

  

Darren Aronofsky (diretor) cria e executa um roteiro primoroso, instigante, e que no avançar das ações, recordações e devaneios excitam nossos mais doces e sombrios sentidos.

Esse equilíbrio entre CRIATURA e CRIAÇÃO, nos permite fazer um paralelo referencial entre o viés artístico da personagem personificada imageticamente na figura de um cisne, e o processo ‘alvenérico’ entre roteiro e direção cinematográfica.

De um lado, Nina. A bailarina determinada a chegar ao estrelato. Interpretada de maneira visceral e intensa por uma Natalie Portman, em sua melhor forma.

Do outro lado, uma personagem muito bem construída, cheia de nuances dramáticas, que transborda em conflitos internos e frustrações familiares.

 

“A repetição maternal “Sweet Girl” ao longo de todo filme, funciona como um pêndulo perturbador que despe Nina de toda sua instabilidade emocional e dos nós que os traumas familiares lhe enclausuraram”.

Darren ainda expõe através de sua personagem todo o espírito competitivo enraizado na natureza humana (que varia de cisne para cisne), cada dia mais exacerbado em tempos de globalização e de forte competitividade digna da arena taurina de Wall Street, que está no nosso dia-a-dia, seja na escola, na faculdade, no trabalho e no próprio seio familiar.

“A guerra se origina bem antes disso, lá no óvulo da vida. Todos nadam, um fura o bloqueio e os demais morrem na praia”.

Eis que em meio a toda sua trajetória tão sonhada por ela – e pela bailarina frustrada da sua mãe – a guerra psicológica que Nina trava consigo mesma, é potencializada pela presença do seu exigente treinador Thomaz Leroy (Vicente Cassel) e pela atraente colega de companhia Lilly (Milla Kanis). Ambos perfeitos em seus respectivos papéis. Cassel com a sagacidade e frieza necessária para provocar e instigar sua aposta artística, e Milla, exalando sensualidade e mistério no olhar.

 

Plateia lotada.

Todos famintos pelo belo. Todos na expectativa do espetáculo.

O grande dia chega. O branco tem que dar lugar ao negro. A clareza precisa sucumbir diante o lado obscuro, nefasto do instinto animal.

Na guerra onde a cada mergulho, mais fundo se chega, mais temeroso se fica.

A bailarina sai da caixinha de música e segue seu desejo, seu sonho.

E pra Nina, a doce Nina, para o sonho se tornar realidade, a entrega tem que ser plena e a realidade da interpretação tem que ser real, e não encenada.

… Mesmo que para isso, o sonho signifique o fim, e a realidade seja o mergulho final na eternidade.

 

E eu, aplaudo de pé. 

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