Crítica: 12 Anos de Escravidão
É com incômodo que o espectador assiste ao protagonista do filme sendo quase enforcado e dependendo de muito esforço na ponta de seus pés para sobreviver, em uma tomada bastante longa para os padrões hollywoodianos. O mesmo estilo de tomadas longas também exibe a emoção catártica do protagonista enquanto ele canta uma música em homenagem ao escravo que morrera.
Em “12 Anos de Escravidão”, o diretor Steve McQueen (Shame) conta a história verdadeira de Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), um violinista negro que vive nas proximidades de Nova York e acaba sendo raptado para o sul ainda escravagista dos Estados Unidos, onde se torna um escravo. Trata-se, portanto, de uma grande jornada por um mundo cruel em que seres humanos são considerados propriedade de outros apenas por terem a cor da pele diferente.
Valorizado por ser um dos poucos filmes da cinematografia americana a mostrar a escravidão com a sinceridade que lhe é necessária, “12 Anos de Escravidão” parte de uma premissa importantíssima para que se analise a real condição dos escravos nos Estados Unidos (e nos países que já foram escravagistas): em vez de contar a história de um escravo que busca a liberdade, trata-se de um homem previamente livre e que se tornou escravo, de forma a evidenciar que não se trata apenas de um povo sofrido que merece uma vida melhor, mas de pura justiça e igualdade social entre todos os seres humanos.
Embora não se preocupe em fazer de seus personagens tridimensionais, o filme tampouco os faz desinteressantes. Enquanto nos aprofundamos no protagonista Solomon (Ejiofor), que se mostra um homem culto de classe média que procura voltar à sua família e de boa índole mesmo após todo o sofrimento que lhe causam, alguns personagens como Tibeats e Freeman (Paul Dano e Paul Giamatti, ambos excelentes) são apenas asquerosos porque assim se exige deles. Mas é no casal Epps (Michael Fassbender e Sarah Paulson) que vemos o verdadeiro sadismo em maltratar os escravos e tratá-los como propriedade. É claro que é extremamente cruel, de certa forma, que os primeiros senhores de Solomon (Benedict Cumberbatch e Liza Bennett), embora aparentemente bonzinhos, tratem uma mulher recém separada de seus filhos como uma cadela recém separada dos filhotes (“Tome um banho, descanse e você vai esquecer de seus filhos”, diz a senhora Ford). No entanto, o casal Epps trata seus escravos não apenas como animais, mas como brinquedos inanimados e sem qualquer sentimento, mesmo que reconheçam nuances como a sensualidade de Patsey (Lupita Nyong’o), que gera ciúmes na senhora Epps.
Por falar em Lupita Nyong’o, a atriz consegue mostrar sutilezas do caráter de sua personagem em cada gesto. Em uma de suas cenas mais interessantes, ela dança com os braços para cima, forçada pelos seus senhores. Ao vermos sua expressão e sua delicadeza nos gestos, podemos sentir todo o peso que a escrava carrega no ombro, ao mesmo tempo em que sentimos o esforço da jovem para agradar seus donos e assim não receber novas chibatadas. Seus diversos pedidos de misericórdia, tanto para Solomon quanto para Epps, mostram uma energia rara de se ver em atrizes iniciantes.
Enquanto a fotografia mostra uma natureza quente e bela, criando contraste entre os atos humanos horríveis e as paisagens brilhantes, o roteiro traz um belíssimo clímax, a partir do qual o protagonista começa a chegar mais perto de sua liberdade. Após perder a chance de enviar uma carta a sua esposa, Solomon se vê em meio a diversos escravos que cantam a música “Roll Jordan Roll”, e neste momento é possível ver um misto de choro e desabafo vindo de Solomon, que passa cantar a canção. A partir daí, o personagem começa a ter mais coragem para enfrentar seu senhor.
Embora não seja melhor que “Shame“, filme anterior de Steve McQueen, “12 Anos de Escravidão” é um ótimo filme não apenas por sua realização, mas por sua temática, ainda tão importante para a sociedade. Quando Solomon deixa a fazenda com lágrimas nos olhos, Patsey é deixada para trás, representando todos os escravos que nunca puderam ter uma família e um final de vida feliz. Afinal, trata-se de uma história real. E a realidade da escravidão foi tão violenta que as feridas geradas pelos chicotes não são apenas visíveis nos dias de hoje: elas ainda sangram.
https://www.youtube.com/watch?v=Ad3Kk7-W3xw