"The Straight Story" - A História Real (1999) - Cinem(ação): filmes, podcasts, críticas e tudo sobre cinema
Artigo

“The Straight Story” – A História Real (1999)

“De seguida, como um sopro, ou melhor, um som que, ao incidir em corpos sólidos e lisos, retorna ao ponto de partida: assim também, pelo caminho dos olhos reflui para o amado a corrente da beleza, via de acesso natural para chegar à alma, que ela enche inteiramente, banha os meatos das penas, as quais logo entram de germinar, enchendo de amor, no mesmo passo, a alma da criatura idolatrada. Sim, ele também ama, porém não sabe a quem ama, e é incapaz de explicar que se passa com ele; como quem apanhou oftalmia de outra pessoa, não sabe dar a razão do seu padecimento, por não perceber que ela se vê no seu amante como um espelho.” (Platão)

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É muito cativante o modo pela qual Platão concebe sua filosofia, isto é, o formato pelo qual seus escritos são delineados. Um dos traços marcantes e distintos que o filósofo se utiliza para rascunhar sua reflexão é a utilização de diálogos, estes que por sua vez, ao contrário de buscarem dizer a última palavra a respeito de um assunto são um modo de nos aproximar o máximo possível do movimento inerente à atividade do pensamento, na medida em que conseguem recuperar, em algum sentido, a atmosfera criada por uma discussão real. A tentativa se dá com a aproximação do leitor acerca do momento do acontecimento de uma conversa, porém nem sempre tais diálogos alcançam respostas e conclusões para seus problemas, ademais, é o que Platão propõe na realidade, ou seja, não há a busca pela resolução ou a solução das questões debatidas, e pelo contrário, o convite ao pensamento, à reflexão e isto é fazer filosofia. Muito embora tais palavras que escrevo pareçam ser, de primeira mão, um texto primordialmente de cunho filosófico, também, não deixa de ser critico ou reflexivo tendo como abordagem o tema do amor na arte, como no caso do filme The Straight Story do diretor Norte Americano David Lynch.
No diálogo intitulado Fedro, Platão narra a conversa entre Fedro e Sócrates que debatem sobre o amor. Fedro apresenta a seu companheiro de conversa um discurso escrito por Lísias o qual considera o amor um mal para os homens. Segundo ele, um homem apaixonado fica cego de desejos, e tomado por esse sentimento, torna-se capaz de cometer as maiores loucuras, pois, há de se concluir, que o amor seria algo irracional, nocivo ao ser humano. Entretanto, o que seria “cometer as maiores loucuras?” A situação de Alvin (Richard Farnsworth) é preocupante. Com seus 73 anos, tem problemas respiratórios, um de seus prazeres é fumar charutos e sentado em sua cadeira de madeira, olhando para para a tempestade do lado de fora, recebe a notícia de que seu irmão sofreu um derrame e está lutando por sua vida. Alvin vive com sua filha Rose (Sissy Spacek) a qual tem um retardamento mental o qual afetou principalmente sua coordenação motora e sua fala. Eles moram numa casa pequena numa cidade pacata do estado de Iowa, este que está localizado à quase 500 km da cidade onde o irmão adoentado vive, em Wisconsin, no norte do País. Tanto Alvin quanto Rose não dirigem, mesmo porque eles não tem um carro, porém Alvin tem um cortador de grama o qual torna-se seu automóvel para a longa viagem.
No momento que Alvin passa a se preparar para sua jornada, seus amigos começam a questioná-lo do porquê da reforma do cortador de grama, da compra de galões de gasolina, de uma quantidade grande de comida, compras as quais vai levar num reboque coberto por uma lona que estará acoplado ao seu novo transporte. A quilometragem se alonga, a estrada percorrida por Alvin é preenchida de plantações de milho, mas o que poderia acontecer ocorre rapidamente, isto é, seu único transporte, nem mesmo após trilhar pouco mais de 10km deixa de funcionar por um problema no motor, e Alvin acaba desta forma sendo levado de carona de volta à cidade onde mora, contudo Alvin não desiste; compra um novo cortador de grama, mais novo, em melhor estado e mais bonito.
O sorriso no rosto de Alvin ao percorrer aquele asfalto deserto e no centro de tanto verde é muito lindo, é envolvente, nos atrai profundamente para dentro de sua história de vida, de vontades, de desejos. O que ele tenta buscar em sua romaria é um abraço, um beijo, um olhar, a companhia de quem ele ama e está há muitos longos anos sem ver; é o amor que faz com que Alvin siga e percorra desde sua terra, Estados, plantações, tempestades; e em seu caminho há encontros com pessoas diversas, e a partir de suas conversas, conhecemos um pouco mais sobre a personalidade desse personagem, seus pensamentos, suas escolhas, seus amores, disamores, faltas. Os diálogos simples, confissões de um estranho para outro sobre histórias de Guerra, contando casos tristes, casos felizes, reflexões de Alvin sobre como era ficar espreitado nas linhas inimigas esperando seu inimigo aparecer e como essa espera era algo inusitado, diferente, novo. A beleza de dois senhores de idade, sentados no balcão de um bar, um tomando sua cerveja e o outro um copo de leite, trocando palavras, conhecimentos, lembranças, decepções, assim como o encontro de Alvin com seu irmão, que sem palavras consigo descrever o quão o amor supera qualquer aborrecimento ou desavença, é de escorrer lágrimas dos olhos.

“Ninguém nos conhece melhor que um irmão da nossa idade, ele sabe quem e o que somos melhor do que ninguém. Eu e meu irmão ofendemos muito um ao outro, coisas impossíveis de esquecer – na última vez em que nos vimos, mas estou tentando esquecê-las. Estou engolindo meu orgulho com esta viagem e espero que não seja tarde demais; irmão é irmão.” (Alvin)

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