Revendo Rio Babilônia
Rio Babilônia
Direção: Neville d’Almeida.
Roteiro: Ezequiel Neves, Neville d’Almeida, João Carlos Rodrigues.
Nacionalidade e Lançamento: Brasil, 1983.
Elenco: Joel Barcellos, Christiane Torloni, Jardel Filho, Patrícia Cleveland, Denise
Dumont, Paulo Villaça, Pedro Aguinaga, Tânia Boscoli, Antônio Pitanga, Sérgio Mamberti, Norma Bengell, Wilson Grey, Guará Rodrigues, Nildo Parente, Maria Gladys, Paulo César Pereio, Renato Pedrosa.
Sinopse: Marciano (Joel Barcellos), um relações públicas que trabalha com poderosos, passeia pelo mundo hedonista e violento de corrupção, prazer, miséria e farsa do Rio de Janeiro da década de 80 entre o lixo e o luxo.
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“Sacanagem.”.
Rio Babilônia é sobre prazer e podridão. Poucos filmes conseguem traduzir tão bem o que é o Brasil, a putaria, a curtição e o comportamento burguês mesmo estando totalmente doado pra construção farsesca. O Marciano (Joel Barcellos, propositalmente canastrão e perfeitamente escalado como “galã jovem” mesmo sendo feio e já velho, afinal tudo é farsa) sendo o nosso guia por um painel que cerca o mar de superpoderosos da burguesia vivendo orgias num mundo luxuoso e hedonista de um universo cafajeste que se devora enquanto a injustiça social explode do lado de fora até entrar no final pro lado de dentro.
O embrião do thriller político é deliciosamente devorado se tornando uma desculpa pra uma criação livre e alucinante de um mundo sem limites pra dobrar a sensualidade e o confronto direto com o público em todas as cenas: o Antonio Pitanga falando pra gente que “vai dar uma bolacha” no Paulo Villaça, a cobra da dançarina nos encarando, a Linda Lamar dançado em primeiríssimo plano enquanto a estátua em formato de pênis está no segundo plano ao fundo ocupando um grande espaço no quadro, o cachorro ao lado no canto frontalmente de frente no começo da cena da piscina com aquele azul saltado do céu ao fundo e por aí vai.
O escracho, a farsa, as frases cafajestes, as ações absurdas, a escatologia direta, pura, o comprometimento levado tão a sério com os sentimentos emocionais extremos dos personagens, com a tradução cênica/narrativa do prazer, e o deboche absoluto unido ao caos pra eximir o absurdo e a intensidade dos atos se expandem em como o Neville dirigi a narrativa de modo sensorial pra nos jogar dentro daquele Rio.
O plano zenital vindo do teto olhando pra baixo no hotel, a câmera entrando se debruçado pra fora da janela, o Jardel Filho e o Nildo Parente consumidos pela escuridão e seu contraste com a luz da sala do projetor, a câmera girando em panorâmicas pelas conversas e revelando detalhes importantes sobre ele como quando o Jardel Filho entra no espaço da cena final com a prostituta trans, a cena da piscina coreografada, blocada na colocação dos atores e filmada como uma celebração de magia carnal, os closes e planos detalhes em partes do corpo chegando até o pau gigante do Joel Barcellos, quando liberdade do filme se comunica pela câmera no momento que ela percorre de perto a andanças dos personagens e os corpos entrelaçados sendo namorados pela própria câmera. Os patins rodeando os corpos durante o sexo.

O detalhismo sexual que nunca escapa dos quadros. Tudo é muito radical e dominado pelo escárnio solto jogando uma trupe de atores gigantescos do nosso cinema e das nossas artes nessa dança e nessa transa entre o sensorial dessa viagem pelo Rio, pelo Brasil, esse fator de crônica, esses tons e finalmente chegar naquela sequência final do Joel Barcellos andando por uma praia naquela manhã ensolarada perseguido pela luz do sol de costas ao som de Villa Lobos. Depois do exagero, depois da festa, o vazio de um homem que percorreu os extremos de um filme que foge de qualquer tipo de higienização. Um filme anti o higienizado.