Crítica: Hamnet: A Vida Antes de Hamlet
Hamnet: A Vida Antes de Hamlet
Direção: Chloe Zhao
Roteiro: Chloé Zhao, Maggie O’Farrell
Nacionalidade e Lançamento: Reino Unido, 2025
Elenco: Jessie Buckley, Emily Watson, Paul Mescal, Zac Wishart, James Lintern, Joe Alwyn, Justine Mitchell.
Sinopse: A história de Agnes – a esposa de William Shakespeare – enquanto ela luta para lidar com a perda de seu único filho, Hamnet. Uma história humana e comovente que serve de pano de fundo para a criação da peça mais famosa de Shakespeare.
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Em uma das sequências iniciais de “Hamnet”, William Shakespeare (Paul Mescal) conta para Agnes (Jessie Buckley) sobre a história da mitologia grega de Orfeu e Eurídice. Uma trama que envolve o amor através da arte, acabando em uma tragédia antes mesmo que o casal pudesse construir uma felicidade completa pelo amor.
A diretora Chloe Zhao não corta essa cena em momento algum. Ela, aliás, alonga ela o suficiente para que também observemos enquanto público a reação de Agnes, estupefata ao imaginar tudo isso que teria acontecido.
Essa tragédia grega, por assim dizer, serve como uma grande analogia na vida do casal Shakespeare e Agnes. Ao menos como imaginado dentro da ficção de “Hamnet: A Vida Antes de Hamlet”, seja dentro do filme ou no livro de mesmo nome escrito por Maggie O’Farrell. Nele, a lacuna imaginativa da relação do casal e da morte prematura do filho Hamnet, aos 11 anos, gera a imaginação da transformação ao entender a dor do outro.
A narrativa começa quando o casal ainda está se conhecendo e depois do casamento, com os filhos. Mas a alegria anterior ganha outros ares pelo trauma consolidado da morte do filho, que praticamente destrói ambos os personagens, agora atormentados pelo caos e sem nem praticamente se ver.
Shakespeare, já um renomado dramaturgo, vive apenas em Londres, longe da família. Agnes, por outro lado, têm dificuldade da relação com os filhos após sofrer a perda do filho que, momentos antes, parecia estar bem.
O caráter fantasioso da trama (celebrado desde a cena inicial e da aparição de uma águia recorrentemente) também dá um caráter claramente ainda com mais ecos de uma tragédia grega. Esses personagens precisam viver o auge da felicidade para que também compreendam a vida enquanto o auge da tristeza. Esse elemento é fundamental para a consolidação de William enquanto o artista que é, além de Agnes se ver não apenas como uma esposa, mas sim como alguém capaz de se enxergar sob outra visão.
A direção de Zhao dá poucos espaços para respiros. Em seu tom e observação sempre contemplativos – já marcas do cinema, como em “Nomadland”, por exemplo -, ela transforma a câmera em uma observação que brinca sobre a ideia de encenação. Os espaços fechados, curtos e escuros dão pouca margem para respiração. Porém, são terrenos férteis para uma relação sobre o que sempre está fora do quadro.
Um desses momentos é justamente a morte de Hamnet e um suposto diálogo com a morte. Essa nunca é mostrada diretamente, porém pode estar ali no viés de abraçar menos a crueza da realidade e mais na maneira como a fantasia constrói as relações no período.
Longe de ser um filme que se preocupa com a fidelidade ou o que a história disse. Esse não é o enfoque aqui. Até mesmo por isso, os ambientes externos são pouco utilizados além das fazendas, já que eles não constituem a ideia do cenário e a brincadeira narrativa sobre uma peça que a obra propõe.
Isso fica tão evidente por todos os 40 minutos finais em que “Hamlet”, enquanto uma produção artística, é mostrada pela primeira vez.
Em um momento bem arriscado, “Hamnet” consolida completamente a sua alegoria sobre a tragédia grega ao relacionar a ideia da arte enquanto espelho da própria vida – questão que basicamente fundou o teatro. As representações são elementos fundamentais para se entender enquanto alguém além da pura carne, em busca de encontrar respostas sobre o mundo.

Uma dessas respostas é para a pergunta dos motivos da morte. E por que existe a chance dos filhos morrerem antes dos pais? Ao mesmo tempo que Chloe Zhao busca responder isso ao compreender a arte como uma forma de transmutar o diálogo, Shakespeare faz o mesmo com sua peça, quase buscando se explicar para a esposa o distanciamento.
O personagem Hamlet, na peça, questiona a própria razão de existir e busca algum entendimento profundo sobre um mundo no qual pouco se entende. A famosa frase “Ser ou não ser” traz um pouco disso.
Porém, ele é uma figura atormentada, como são esses mesmos personagens aqui. Por isso, nem o mundo espiritual (com o fantasma) e nem o real (em que lida com a morte) parecem trazer quaisquer respostas evidentes sobre a razão da sua existência. A única maneira que ele enxerga de continuar é encarando o outro e se expressando por si mesmo.
Para isso, não são necessárias palavras. A arte possui esse poder. Como os personagens se comunicam um para o outro. Buscam, através da tragédia, compreender a vida. Buscar alguma resposta.
São necessários apenas gestos. O resto é silêncio.
Nota: 5 /5