Crítica: A Noite Sempre Chega
A Noite Sempre Chega
Direção: Benjamin Caron
Roteiro: Willy Vlautin, Sarah Conradt
Nacionalidade e Lançamento: Estados Unidos, 2025
Elenco: Vanessa Kirby, Jennifer Jason Leigh, Zack Gottsagen, Stephan James.
Sinopse: Lynette precisa enfrentar uma perigosa aventura para arrecadar dinheiro e salvar sua família do despejo. Antes disso, ela tinha o plano perfeito, mas a compra de um carro a fez abandonar a vida comum.
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A Noite Sempre Chega seria um filme qualquer e passaria despercebido na quantidade de filmes medianos e péssimos das plataformas de streaming, não fosse a presença onipotente de Vanessa Kirby, uma das atrizes mais interessantes de sua geração. Ancorado fortemente na atuação da atriz britânica de The Crown (2016-23) e da nova Sue Storm de Quarteto Fantástico: Primeiros Passos (2025), o novo drama com pitadas de thriller da Netflix tem algumas outras qualidades que, no geral, não consegue nada substancial.
Lynette (Vanessa Kirby) precisa de 25 mil dólares para dar entrada no empréstimo de sua casa e evitar ser despejada. Sua mãe, Doreen (Jennifer Jason Leigh), precisa assinar a papelada, mas no dia do fechamento do contrato aparece com um carro novo. Elas moram numa casa cheia de goteiras e caindo aos pedaços. Divide a casa com as duas mulheres em pé de guerra, o irmão mais velho, Kenny (Zack Gottsegen) que tem síndrome de down. Para evitar ser despejada, ela entra numa espiral em busca pelo dinheiro a qualquer custo durante a madrugada enquanto descobrimos um pouco de sua vida pregressa.

A premissa é interessante: em menos de 24h uma mulher precisa de dinheiro para dar entrada num financiamento e evitar o despejo. As primeiras cenas de A Noite Sempre Chega, são comentários no rádio sobre a crise habitacional nos Estados Unidos, as dificuldades em pagar aluguel, a alta da inflação e o congestionamento do requerimento de moradia social, enquanto um carro passeia pelo tráfego e mostra centenas de pessoas morando na rua. A partir disso, é de se imaginar que o filme iria se concentrar na crise habitacional e nas dificuldades coletivas de ter um teto no país de maior poderio econômico do mundo, contudo, isso fica nas linhas iniciais e são abandonadas pelo roteiro para dar espaço a uma jornada do herói individualizante.
Dirigido por Benjamin Carol, do desengonçado Sharper: Uma Vida de Trapaças (2023) e alguns episódios de The Crown e Andor (2022), neste novo trabalho suas experiências em séries de qualidade não agregam nada de novo. A direção estilosa em alguns planos não foge do marasmo e constantemente cai em confusões narrativas, na tentativa fracassada de emular desorientação da protagonista com a câmera na mão, mas quem acaba desorientado é o espectador. Quando tenta compor planos subjetivos é óbvio em demasia, além de distorcer as imagens para informar algo que sabe se lá exatamente qual era o objetivo. Mesmo com os deslizes de aparência de principiante, causando intervenções na busca de identidade, é preciso reconhecer a agilidade das cenas, um pouco graças à montagem, na construção de ritmo.
O roteiro de Sarah Conradt tem certa habilidade para condensar em duas horas acontecimentos fundamentais para a compreensão da narrativa, renunciando a qualquer explicação ao desastre da economia norte-americana que levou a personagem até aquele estado e a fazer o que precisa fazer. A história é uma adaptação do livro de mesmo nome escrito por Willy Vlautin, sem tradução para o Brasil, dificultando saber se na obra original existem comentários sociais dispensados no filme.

O início dramático, confuso e que explora a vulnerabilidade daquela família, serve de base para a compreensão da vida de Lynette. Seu passado violento, da miséria à prostituição e o abandono da própria família, são pinceladas à medida que vai atrás das pessoas em busca do dinheiro. Lynette mergulha na própria história madrugada adentro com Kenny pois, junto a mãe, divide o cuidado do irmão. Há uma virada de chave para o thriller em paralelo com o drama, sendo o irmão o toque melancólico. Não menos violento que o passado a ser esquecido, para conseguir o dinheiro ela vai atrás até do ex-cafetão.
Na saga pelo dinheiro, nomes conhecidos fazem curtas aparições. Randall Park, Michael Kelly, Eli Roth e Stephan James, do ótimo Se a Rua Beale Falasse (2018), fazem presença tímida e estritamente funcional para avançar a narrativa. Quem brilha de verdade é Vanessa Kirby, extraindo o máximo possível de dramaticidade de um texto cheio de diálogos forçados e apoiado numa vaga ideia retórica e fantasiosa de família. Os traumas doloridos, só ganham contornos graças a seu magnetismo viciante. Zack Gottsegen, como o irmão, que não conhecia até este trabalho, consegue ser carismático e trazer leves toques de doçura frente a um cenário miserável e desesperador.
Apesar da agilidade e facilidade das movimentações, A Noite Sempre Chega não seria nada sem Vanessa Kirby. O reducionismo individual para um problema coletivo, gera um desastre narrativo que poderia ter ido além da simples ambientação introdutória. No desespero, qualquer ação para tentar salvar aquilo entendido por família é válido, porém, a direção e o roteiro são insuficientes para provocar alguma empatia frente a situação naufragada da protagonista. Em resumo, Benjamin Carol e Sarah Conradt produziram um filme esquecível, formulaico e carente, o que é uma pena, pois a miséria poderia ter ficado na contradição da infeliz realidade de que no país mais rico do mundo quase 1 milhão de pessoas não tem um teto para morar.
Nota: 2 /5